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O plano de independência de Angola antes do 25 de Abril, nas memórias de João Van Zeller

As conversas entre Santos e Castro e Marcello Caetano e as recordações de Rui Sanches no relato do gestor e empresário. O Observador faz a pré-publicação de um excerto de "Johnny Man".

É o último volume de uma trilogia de memórias, que começam em 1941, ano de nascimento do autor, e que se estendem até 1975 (depois de “Johnny Boy” e “Young Johnny”). Neste terceiro livro, a história divide-se entre Lisboa, o Porto, Londres e Luanda. E é Angola o palco principal do excerto que o Observador revela, antecipando a publicação do livro, que acontece esta quinta-feira, 17 de outubro.

Em 1973, João Van Zeller regressava a Luanda, para fazer parte da administração executiva do Banco Inter Unido, um investimento conjunto do Banco Espírito Santo e do City Bank, na altura o maior banco do mundo. No ano seguinte, a tensão e a indefinição em relação ao futuro de Portugal e Angola (em plena Guerra Colonial e em ambiente pré-revolucionário) eram notórias e permanentes. Nos parágrafos que se seguem, o gestor e empresário refere-se a um plano de independência angolana que teria sido equacionado ainda antes do 25 de Abril por algumas das autoridades do regime de então, com o conhecimento de Marcello Caetano, à data Presidente do Conselho. 

A capa de "Johnny Man: Lisboa, Porto, Luanda, Londres — 1970-1975", de João Van Zeller (Edições Afrontamento)

Menos de um mês após aquele Carnaval do Lobito, veio a notícia do 16 de Março de 1974, com o falhado golpe das Caldas da Rainha, e depois a do 25 de Abril, tudo sucedendo em Portugal de forma inesperada para as gentes africanas e desgarrada para os pouco atentos líderes políticos e empresariais da terra.

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As notícias das Caldas tinham chegado a Luanda no final da manhã de 16. Na manhã de 17 recebi, no Banco Inter Unido, um telefonema de parte do Governador Geral Santos e Castro pedindo que o António Espírito Santo e eu comparecêssemos às 11 horas do dia seguinte no Palácio do Governo.

Não era habitual sermos convocados pelo Governador Geral, o normal era nós pedirmos audiências. Mais uma reunião com ele era quase rotina, a convocatória nada alarmou, naquele rodopio de decisões económicas, aceleradas ao limite do conta‐rotações da excitante vida de Luanda, num dia igual a tantos outros, com amanhecer de fim de verão num calor e numa humidade já bem mais brandos, sinais de um cacimbo que parecia já com vontade de se instalar.

À sua chegada do Lobito, naquela manhã, tracei com o António Espírito Santo os cenários possíveis da conversa, elencando os numerosos projectos em que estávamos mais empenhados no Banco, sem dar grande atenção às notícias do acontecido em Portugal. Não nos ocorreu que o governante qui‐ sesse perder tempo a abordar as questões e as incertezas sugeridas pelo 16 de Março nas Caldas, assunto que ficou decidido abordarmos, com cautela, apenas se o Governador o introduzisse.

Era justamente o acontecido nas Caldas da Rainha a justificação da convocatória. Queria avaliar a posição do Inter Unido caso a situação política em Lisboa se viesse a agravar. Pretendia, sobretudo, estar preparado para as medidas a tomar, em função de eventuais decisões dos nossos accionistas americanos que pudessem afectar os projectos que tínhamos em curso em Angola, nas empresas exploradoras dos recursos petrolíferos instaladas em Cabinda, a Cabinda Gulf Oil e a Texaco. E interessado estava também nas posições do accionista Banco Espírito Santo quanto ao futuro das empresas angolanas suas participadas, num contexto de perturbação política. Como clientes do nosso Banco, as principais eram as açucareiras Cassequel e Companhia de Açúcar de Angola (empresa adquirida pelos Espírito Santo à família Lara pouco tempo antes, em 1973), a cervejeira Nocal e a CADA – Companhia Angolana de Agricultura, ao tempo a maior empresa produtora de café do mundo, que viria a ser riscada do mapa pouco depois de 1975, para nunca mais ser recuperada.

Noutra carta datada de 30 de Março eu escrevia a meus pais assim: «O Governador Geral chegou‐nos a dizer que se a ordem constitucional tivesse sido alterada na Metrópole, ele continuaria a ser o guardião das gentes destas bandas. Seria o primeiro passo para a separação. E o Marcello talvez tivesse de se mudar de armas e bagagens cá para a terra, como Primeiro‐Ministro ou Presidente de um novo Estado, a nova República de Angola! Se Angola o aceitasse!!! No que não acredito...»

O caso da CADA preocupava‐o, pois a empresa ainda estava a sentir os efeitos da morte súbita, uma doença dos cafezeiros surgida no Amboim em 1968, que até 1973 desbaratou o sector, criando desemprego, crise social e abandono de muitas plantações, sobretudo das inferiores a 100 hectares. A CADA, por exemplo, que cinco anos antes tivera um lucro de 40.000 contos, em 1972 teve 500. Resolvera por isso diversificar, plantando, entretanto, 5000 hectares de palmar, com mercado assegurado para o óleo de palma pro‐ duzido. De 48.000 hectares de café plantado, em 1973 a morte súbita enfraquecera cerca de 25.000.

Santos e Castro recebeu‐nos no seu gabinete, para onde fomos conduzidos pela mão de amigos e companheirões de fins de semana, o João Sanches, oficial miliciano, sobrinho neto de Marcello Caetano, e o Manuel (Guga) Macedo Santos, em prestação de serviço como civil, ambos inteligentes e atentos, lá colocados para apoiarem o Gabinete do Governador Geral.

De semblante fechado, preocupado e nervoso, com a perna direita cruzada sobre a esquerda, num movimento permanente para cima e para baixo que me mesmerizou durante toda a entrevista, ouviu‐nos afirmar, com a genuína convicção que nos animava, o optimismo sem reservas em relação ao futuro de Angola, e sublinhar o enfático apoio recebido dos nossos accionistas americanos e portugueses quanto ao futuro da economia e das empresas angolanas. Tal conversa reflectia os planos que tínhamos traçado, sobre os quais não existiam dúvidas nem hesitações.

No final do primeiro quartel do século XXI resultará surpreendente, para não dizer mesmo um pouco patético, termos escutado de Santos e Castro, naquele dia, a certeza quanto à implementação em curso do ambicioso e muito bem estruturado Plano de Fomento Económico de Jorge Costa Oliveira, continuado pelo dinamismo de Walter Marques, desde que, em 1973, fora empossado como Secretário Provincial de Planeamento e Finanças, cuja concretização o Banco Inter Unido estava empenhado em pôr em prática na parte que lhe cabia. As incertezas do consulado de Marcello Caetano podiam causar interrogações ao Governo de Angola, mas nenhumas quanto à vontade de investir e crescer por parte dos nossos accionistas de Nova Iorque e de Lisboa.

Dez meses depois do 25 de Abril de 1974, e menos de um mês antes do golpe de Estado de 11 de Março de 75 e das nacionalizações selvagens em Portugal, nomeadamente dos Bancos, ainda não víamos nuvens capazes de abalar o extraordinário vigor económico, social e cultural da sociedade civil angolana, num cenário em que sabíamos que os Movimentos de Libertação, sobretudo o MPLA, estavam praticamente anulados, e a guerra ganha, uma convicção partilhada pelos americanos. Por outro lado, sentia‐se uma abrangente expectativa quanto a uma futura transição pacífica para a independência.

Fernando Santos e Castro em 1972, numa reportagem da RTP. Foi Governador de Angola até 1974

Mantive tal convicção, o que me levou, já em 1975, a escrever a meus pais dizendo‐lhes, mais uma vez, que me continuava a sentir inclinado a adquirir a nacionalidade angolana. Numa carta anterior, de Junho de 1974, já lhes fazia sentir o meu entusiasmo: «(…) Angola vive momentos de euforia como nunca viveu nas mais áureas épocas. O optimismo, a confiança e a coragem são totais. Está tudo a andar a uma velocidade alucinante. Constrói‐se, investe‐se, cria‐se mais riqueza de dia para dia. Parece que, finalmente, o urânio e o ouro são um facto. (…) Aumentaram significativamente as exportações de petróleo, farinha de peixe e diamantes, e diminuíram as importações de automóveis, vinhos, tecidos manufacturados, além de outros produtos. Com as restrições às importações não há grande propensão para o consumo supérfluo. Apesar de haver muito dinheiro, brancos, pretos e mulatos conti‐ nuam a viver com a simplicidade da manga de camisa de sempre.( …) Vai‐se ao teatro e cinema ao ar livre, publicam‐se livros, editam‐se discos, adensa‐se a construção desta riquíssima cultura. É o palpitar da Nação.»

Em 2023, revisitando esta correspondência sem nuvens de nenhuma espécie, fico estupefacto.

Sim, era verdade. Para nós, naquela manhã de 18 de Março de 1974, o céu era azul e o futuro, para Angola, brilhava!

Foi com assombro que, terminadas as nossas afirmações de fé no futuro de Angola, ouvimos Santos e Castro dizer‐nos que nos dias 16/17 de Março de 1974, data do falhado golpe das Caldas, tinha estado muito próximo de tomar uma decisão histórica para Angola: a proclamação unilateral da independência. Foi parco nas palavras, mas claro no conteúdo.

E noutra carta datada de 30 de Março eu escrevia a meus pais assim: «O Governador Geral chegou‐nos a dizer que se a ordem constitucional tivesse sido alterada na Metrópole, ele continuaria a ser o guardião das gentes destas bandas. Seria o primeiro passo para a separação. E o Marcello talvez tivesse de se mudar de armas e bagagens cá para a terra, como Primeiro‐Ministro ou Presidente de um novo Estado, a nova República de Angola! Se Angola o aceitasse!!! No que não acredito…».

Os prefácios primaveris, recheados de gralhas

Muitos anos mais tarde, vim a saber que em Fevereiro de 1974, numa visita sigilosa a Lisboa, tinha havido um encontro entre Santos e Castro e Marcello Caetano. Ficara apalavrada uma visita deste a Angola num dos últimos dias de Abril, com o pretexto da inauguração da Barragem do Gove, um afluente do Rio Cunene, seguida de uma deslocação a Moçambique, viagens em que se iriam anunciar decisões dramáticas sobre a autodeterminação de Angola e Moçambique. Esta visita fora confirmada pelo Ministro do Ultramar, Baltazar Rebelo de Sousa, ao Eng. Rui Sanches, fonte da informação sobre este episódio. Este detinha a pasta das Obras Públicas, devendo ser incorporado na comitiva por ter sido o autor do projecto da barragem do Gove, antes de entrar para o Governo.

Consultei manuscritos inequívocos de então do Eng. Rui Sanches, em que é possível contrastar o que é insinuado por Silvino Silvério Marques na obra Marcello Caetano, Angola e o 25 de Abril (Editorial Inquérito, s/d), um texto que transcreve a correspondência polémica e verrinosa entre o General e o Professor Veríssimo Serrão, publicada no jornal O Dia entre Março de 1985 e Setembro de 1986.

Apesar do complexo contexto, parecia fazer sentido a estratégia concertada entre Marcello Caetano e Fernando Santos e Castro, com a mola de Luanda a ser disparada por este, apoiada secretamente em João Fernandes e outros. Estou em crer que Baltazar Rebelo de Sousa, Ministro do Ultramar, soubesse dos detalhes do projecto. Rui Sanches não sabia.

O General Silvério Marques assegura, nesse livro, que Joaquim Mendes, ao tempo vice‐presidente da Assembleia Legislativa de Angola, e João Fernandes, Director da prestigiada revista Notícia, estavam a par de todo um plano para a proclamação da independência. Para Joaquim Mendes, numa carta enviada a Silvino Silvério Marques, a independência de Angola «seria decidida pela Assembleia Legislativa, em reunião plenária convocada por um dos vice‐presidentes da mesma, e imediatamente proclamada por esse vice‐presidente em exercício». Estava a pensar não ter um Governador‐Geral em exercício.

A revista Notícia comemorara 15 anos de publicação em Dezembro de 1973 e era incontestavelmente a publicação mais livre e desassombrada que em Angola se editava. Esgotava ao fim da manhã de sábado, dia em que aparecia nas bancas de toda a Angola. A tiragem era o máximo que a gráfica conseguia imprimir. Com uma equipa de jornalistas e fotógrafos que representavam a elite da classe em Angola, assustava o Governo, a Administração Pública em geral, os empresários e os próprios accionistas. Utilizava grande manha para, nas linhas e, sobretudo, nas entrelinhas, ultrapassar quem a queria censurar e dificultar o relato de contundentes verdades. Depois de volumosas multas impostas ao semanário, e num posicionamento bem mais atrevido do que o usado pelas já extintas Censura e PIDE, a ditadura do proletariado imposta pela força dominante do MPLA, aliada ao MFA no Governo Provisório de Angola, acabou por, em Março de 1975, expulsar o grande jornalista e verdadeiro democrata João Fernandes, e encerrar a sua revista.

Daquela reunião de Fevereiro de 1974 entre Marcello Caetano e o Governador Geral de Angola Fernando Santos e Castro, ficara aprazada a data da proclamação da autonomia de Angola para 15 de Agosto de 1974, na Fortaleza de Massangano, local onde, no mesmo 15 de Agosto, mas de 1648, fora posto fim à ocupação holandesa de Angola. A expressão autonomia era equívoca. Estou em crer que seria mesmo a independência que estava a ser planeada.

João Fernandes confirmou, num artigo do Jornal de Macau de 1995, que, a 15 de Fevereiro de 1974, Santos e Castro fora a Lisboa com um dos seus assessores de gabinete (Manuel Macedo Santos) e teve com Marcello Caetano uma conversa de várias horas, de que não há registos. E conta que, no regresso a Luanda, Santos e Castro chamou João Fernandes ao Palácio de Governo e explicou, em grande segredo, o plano alinhavado com Marcello Caetano. Antes do 25 de Abril, o Governador Geral reuniria com os Secretários Provinciais, incluindo Walter Marques, para relatar o que estavam a combinar.

Rui Sanches numa visita aos Açores, em 1972. Foi ministro das Obras Públicas e das Comunicações, entre 1968 e 1974

Assim, na altura, acordaram‐se amplas acções mediáticas que seriam accionadas por João Fernandes, Joaquim Mendes e outros, em cumplicidade com o Governador Geral Santos e Castro.

O objectivo era causar uma rápida deterioração das relações entre o Governo de Angola e o de Lisboa e exacerbar os sentimentos nacionalistas e autonomistas angolanos, que a grande maioria dos negros, mulatos e brancos angolanos parecia estar em estado de graça para aceitar.

E o que se pretendia? Era exequível?

Apesar do complexo contexto, parecia fazer sentido a estratégia concertada entre Marcello Caetano e Fernando Santos e Castro, com a mola de Luanda a ser disparada por este, apoiada secretamente em João Fernandes e outros. Estou em crer que Baltazar Rebelo de Sousa, Ministro do Ultramar, soubesse dos detalhes do projecto. Rui Sanches não sabia.

Este grupo tinha assim previsto que se sucedessem acusações e críticas fortes emanadas de Angola e dificilmente suportáveis pelo Governo de Lisboa, e que se dramatizasse a urgência de alterar o preocupante centralismo existente. Estava em curso a ideia de arquitectar, construir e acicatar um conflito sério entre as capitais de Angola e de Portugal. Seriam aproveitadas e empoladas injustiças pontuais de carácter estrutural, como, por exemplo, a decisão muito controversa e desconcertante de refinar o petróleo de Cabinda em Sines, em vez de o fazer numa remoçada refinaria, no Lobito.

A expectativa daqueles planos era de que a opinião pública se tornaria irrespirável em Angola, e intolerável para Lisboa. Isso levaria à chamada de Santos e Castro a Portugal. Este não obedeceria, ficando quieto. Seria por isso demitido pelo Governo português. Santos e Castro, antes da publicação da sua demissão no Diário do Governo, convocaria a Assembleia Legislativa de Angola, de que era Presidente, cargo inerente às suas funções. Neste curtíssimo espaço de tempo disponível, já teria desenhado e aprovado colegial‐ mente um quadro legal de actuação da Assembleia Legislativa adequado às circunstâncias. No caso de impedimento de Santos e Castro, o Vice‐Presidente da Assembleia Legislativa de Angola executaria o mesmo plano.

E em Masangano, a 15 de Agosto de 1974, seria anunciado o fim da relação colonial de Angola com Portugal.

O Eng. Rui Sanches, nas suas notas pessoais, regista as palavras de Baltazar Rebelo de Sousa numa entrevista de 1969 a José Manuel Barroso, na qual testemunha que Marcello Caetano lhe tinha dito que «era importante acelerar o processo de autonomia progressiva e de desenvolvimento dos territórios ultramarinos, avançar com a autonomia sob todos os pontos de vista». Uma frase que acentua o desenho do discurso feito em Luanda, que eu ouvira em pessoa no ano de 1969 e que tanto me emocionara. Fora na sua derradeira visita a Angola, aquando da triunfal viagem daquele ano.

Os testemunhos aqui referidos são suficientemente credíveis para se perceber o que foi falado e acordado entre alguns actores políticos de peso. No entanto, ficou demonstrado que não criaram nem deixaram terreno suficiente para que qualquer projecto independentista por eles pensado pudesse avançar.

Rui Sanches, também nas suas notas manuscritas publicadas em 2005, refere um depoimento do filho de Fernando Santos e Castro, José Ribeiro e Castro, ao jornal O Diabo de 23 de Maio de 1995, que aqui é oportuno transcrever:

«Recordo bem a ocasião dessa conversa e a satisfação que meu pai sentia na altura, e que exprimia de uma forma exuberante, com o entusiasmo que lhe era característico. Foi após uma longa conversa com o então Presidente do Conselho, por ocasião de uma rápida vinda de meu Pai a Lisboa por motivos de natureza familiar, em meados de Fevereiro. A ideia clara que retenho é a de que, nas suas palavras, o professor Marcello Caetano lhe transmitira a garantia de que, se sentisse que iria perder o controlo das coisas na então Metrópole, avisaria a tempo o Governador-Geral de Angola para que as muito jovens e emergentes instituições angolanas pudessem avaliar e ponderar a situação e, na medida do que julgassem, tomar o seu destino e o de Angola nas próprias mãos.» 

E prossegue:

«As coisas não correriam de feição, pois Marcello não cumpriu o prometido pré-aviso a Santos e Castro». 

O Eng. Rui Sanches, nas suas notas, acrescenta esta dramática tirada, referindo o depoimento de Ribeiro e Castro:

«Mas a verdade é que este aviso nunca foi feito. E também a verdade é que, entre esta conversa e o 25 de Abril, não passaram mais de dois meses, com o 16 de Março pelo meio. Meu pai, aliás, acabaria por falecer em 1983 sem nunca ter sabido por que motivo Marcello Caetano não cumprira ou pudera cumprir a garantia que lhe havia dado. Várias vezes, em vários contextos, lhe ouvi este desabafo; mas o facto é que, embora leal a Marcello Caetano até ao último dos seus dias, jamais voltou a encontrar-se com ele, nem fez o menor esforço para o conseguir. A minha interpretação é a de que foi por desgosto.» 

Sonhos, nada mais do que sonhos

Conheci bem alguns dos principais independentistas de Angola (Fernando Falcão, Joaquim Fernandes Vieira, Venâncio Guimarães Sobrinho, Eng. Castilho, entre outros), cuja opinião era conhecida. Hoje posso dizer que ouvi apenas vagas conversas sobre este assunto, a estes e outros actores com algum poder, que considerei então carentes de fundamentação estratégica suficientemente ponderada, designadamente quanto ao insondável e descurado posicionamento face às potências estrangeiras (estávamos em plena Guerra Fria).

O enquadramento político e prático daqueles independentistas não aparentava ser consistente, nomeadamente quanto ao black power exclusivo, reclamado, com adiantos e recuos, pelos movimentos de libertação, que os desconsideravam.

Assim, apesar de sonharem com uma proclamação unilateral da independência de Angola, não apresentavam uma estrutura nacional angolana plausível, nem suporte internacional formatado e, muito menos, negociado. Reconheciam aliás a sua própria fraqueza.

Na opinião de muitos, a falta de apoio financeiro significativo e diversificado, a fragilidade na congruência política e a inexistência de liderança e de vectores de apoio poderosos teria votado o projecto da independência unilateral de Angola a um bem provável fracasso. No decorrer de 1974 e 75, alguns ainda tentaram criar partidos e alianças com Daniel Chipenda e com Jonas Savimbi, mas com desenlaces pouco felizes.

Daquela reunião de Fevereiro de 1974 entre Marcello Caetano [na foto] e o Governador Geral de Angola, teria ficado aprazada a data da proclamação da autonomia de Angola para 15 de Agosto de 1974

Getty Images

Os testemunhos aqui referidos são suficientemente credíveis para se perceber o que foi falado e acordado entre alguns actores políticos de peso. No entanto, ficou demonstrado que não criaram nem deixaram terreno suficiente para que qualquer projecto independentista por eles pensado pudesse avançar, nem sequer no período logo a seguir à tentativa de golpe militar nas Caldas, a 16 de Março de 74, ou mesmo ao longo dos meses que se iriam seguir. Não existia massa crítica, não fora criado espaço de manobra, em suma, não havia líderes com carisma suficiente para fazer frutificar tais ideias.

Na reunião de 18 de Março de 1974 que o António Espírito Santo e eu mantivemos com Santos e Castro, quando abordou o assunto da independência unilateral, nunca utilizou a expressão «modelo rodesiano». E muito menos ouvi aos independentistas falar de um projecto tipo Rodésia (hoje Zimbabwe). Tal país estava então no apogeu do progresso económico, numa independência unilateral do Reino Unido consolidada, mas muito polémica. Naquela altura, já o poder colonial britânico, em acordo com a maioria negra, diligenciava abater o líder branco Ian Smith. As soluções alcançadas transformaram radicalmente este país que, apesar de ubérrimo, é hoje um dos mais pobres do mundo.

No dealbar de todo aquele labirinto, o que emergira para um Banco como o Inter Unido, recém‐chegado em 1973, era uma sociedade e uma economia pujantes, alavancadas num Conselho de Governo restrito para Assuntos Económicos a funcionar muito bem, sincronizando serviços de Agricultura, Economia, Finanças, Planeamento, Trabalho e Previdência e, também, numa entidade reguladora muito competente, a Inspeção de Crédito e Seguros, liderada por José Manuel Serrão, de quem fiquei amigo até hoje. Estes e outros factores referidos neste texto deram um laço de esperança tão forte que até conseguiu resistir às investidas do Governo Provisório, desde Janeiro até ao confisco dos Bancos angolanos em 14 de Agosto de 1975.

Fernando Santos e Castro, que, poucos dias depois do 25 de Abril, era demitido e abandonava Angola para sempre, deixa uma questão pungente no ar: porque não foi cumprida a promessa de um atempado aviso no caso de perda de controlo da situação em Lisboa? Porque não foi deixado o espaço a Santos e Castro para tomar o destino de Angola nas suas mãos? Porque é que a palavra de ordem não foi cumprida por Marcello Caetano tal como os testemunhos levam a crer que ficara acordada em Fevereiro de 1974, apenas dois meses antes do 25 de Abril?

Estas são perguntas e dúvidas que nunca ficarão esclarecidas. Mas que encontram um esboço de possível resposta em algumas das linhas escritas acima.

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