13h00, Rue de la Loi, uma das principais artérias de Bruxelas, em pleno coração do bairro europeu. No 2º andar do número 26, entre tantas outras, fica a empresa Eupportunity. Sócios: Luís Queiró, ex-deputado da Assembleia da República, ex-eurodeputado, ex-dirigente do CDS/PP e Henrique Burnay, ex-jornalista, ex-assistente político de Queiró e hoje o verdadeiro artesão da primeira empresa portuguesa de lóbi com escritório em Bruxelas, desde 2009.
Vários colaboradores da equipa da Eupportunity estão presentes, em plena atividade. Aqui faz-se: public affairs (informação sobre atividades da União Europeia), mas também apoio a candidaturas a programas comunitários e a projetos na área da cooperação em países terceiros. O escritório não é o único local de trabalho de Henrique Burnay. Antes pelo contrário. Enquanto representante de vários clientes portugueses (mas não só), a sua atividade dispersa-se pelas várias instituições comunitárias. “A minha sala de reuniões é no fim da rua”, diz Henrique Burnay ao Observador, em alusão às dezenas de edifícios das instituições europeias que ficam a escassos metros dali.
Tal como a empresa de Burnay, há muitas milhares de outras. A capital da União Europeia (UE) é uma verdadeira incubadora de lobistas, consultoras, associações profissionais, sindicais, industriais, escritórios de advogados ou de relações públicas, organizações defensoras dos mais variados interesses, de dezenas de nacionalidades, onde gigantes do petróleo e da banca coabitam com poderosas delegações regionais dos grandes países ou pequenas representações locais ou municipais.
Quantos são? Ninguém sabe ao certo. De acordo com organizações que acompanham esta atividade, as estimativas variam. Podem ser cerca de 25 mil, ou até mais. Certo é que Bruxelas é, neste momento, a segunda capital do mundo com maior número de lobistas, a seguir a Washington.
E se algumas empresas são pequenas e desconhecidas da generalidade das pessoas, também lá estão todos os “tubarões”. Esta terça-feira, o Diário Económico dava conta de que os eurodeputados que fazem parte da comissão que está a averiguar alegadas práticas fiscais abusivas (TAXE) querem proibir 14 multinacionais de fazer lóbi em Bruxelas, depois de estas se terem recusado a colaborar com a dita comissão. Entre elas estão a Coca-Cola, O Facebook, a Google, o McDonald’s, a IKEA e os bancos Barclays e HSBC. Ao jornal, a eurodeputada Elisa Ferreira afirmou: “Se as empresas não estão dispostas a colaborar com o Parlamento Europeu quando lhes pedimos, parece-nos que o Parlamento também não tem de as receber quando elas querem”. Se esta ameaça vier a ser confirmada pelo Parlamento Europeu, será a primeira vez que empresas verão o seu acesso vedado em Bruxelas.
O processo legislativo da UE, alvo de todos os apetites
Tal como nos Estados Unidos, a atividade de lobista na capital belga é legal, perfeitamente normal e exercida sem preconceitos. A ideia aqui é que é legítimo informar, receber informação e procurar que os interesses e as opiniões dos diferentes interlocutores sejam tidos em conta no processo legislativo da UE.
A atividade é abrangida por um registo de transparência público e um código de conduta. Em janeiro, a Comissão e o Parlamento Europeu reforçaram o registo, que inclui informações adicionais sobre a atividade dos grupos inscritos. Funciona como uma declaração de interesses. Os que aceitam inscrever-se devem fornecer informação sobre a participação em reuniões, comités, fóruns e outras estruturas da UE; sobre os dossiês legislativos que estão a acompanhar e uma estimativa de custos relacionados com a atividade. Todas as pessoas que queiram reunir-se com altos funcionários, diretores gerais ou comissários, ou que pretendam intervir em audições no Parlamento, devem estar obrigatoriamente registadas. Por outro lado, a atual Comissão liderada por Jean-Claude Juncker assumiu, no início do mandato, o compromisso de tornar público datas, locais e nomes de organizações com quem se reúne e os tópicos discutidos nesses encontros.
O processo decisório da UE tem especificidades, o ciclo legislativo é longo. Desde que a Comissão propõe iniciativas até à aprovação pelo Parlamento e Conselho, um processo pode durar meses, ou até anos. Antes de propor, a Comissão analisa as consequências, faz estudos de impacto, consulta as partes (ONG’s, entidades locais, representantes da sociedade civil, do setor empresarial), ouve opiniões técnicas, recebe pareceres de grupos de trabalho e de peritos.
Depois, o processo segue o seu curso, por vezes com um vai e vem entre instituições ou longas negociações entre estados-membros e Parlamento Europeu. Os eurodeputados também têm interesse em ouvir o que pensam os grupos dos respetivos países sobre determinadas matérias. É nestas diferentes fases do processo legislativo, que os grupos de interesse se podem manifestar.
Na representação da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) em Bruxelas, a cinco minutos a pé da Comissão e do Conselho, Duarte Mira sublinha a importância decisiva destas diferentes fases, sobretudo a de ter acesso rápido à informação durante o processo legislativo para poder antecipar decisões.
Queijos e chouriços em defesa de Portugal
Duarte Mira teve uma agenda carregada este mês de junho. Entre a presença em Riga, na Letónia, para acompanhar de perto um conselho informal de ministros da Agricultura da UE e a Feira Agrícola de Santarém, o delegado da CAP preparou ainda o congresso europeu dos jovens agricultores e a 3ª edição do “Melhor de Portugal em Bruxelas”, uma feira de produtos agroalimentares que teve lugar no dia 4 de julho e que juntou milhares de pessoas, incluindo a participação do vice-primeiro ministro Paulo Portas. É também promovendo queijo, chouriço, azeite, mel, frutas, bailado e música pimba que se defendem os interesses portugueses ali mesmo no Cinquentenário, um dos parques emblemáticos da capital belga junto ao bairro das instituições da União.
“Somos importantes para lhes mostrarmos a realidade que se vive no terreno. É importante informarmos sobre o nosso feedback, sobre as nossas dificuldades”
Além disto, Duarte Mira organizou e acompanhou a visita recente de 30 dirigentes associativos da CAP a Bruxelas, a convite da eurodeputada do PSD Sofia Ribeiro. Programa de dois dias: encontros com a Direção Geral de Agricultura da CE, o Comité Económico e Social, a Representação Permanente de Portugal junto da UE, e parlamentares europeus. Aliás, a articulação de posições entre deputados portugueses e organizações nacionais é bastante frequente.
“Somos importantes para lhes mostrarmos a realidade que se vive no terreno. É importante informarmos sobre o nosso feedback, as nossas dificuldades”, afirma o delegado da CAP. Ainda mais agora, que o Parlamento Europeu ganhou mais poderes, com o Tratado de Lisboa.
Duarte Mira está em Bruxelas há seis anos, mas a CAP tem delegação desde a adesão, em 1986. No entanto, contam-se pelos dedos de uma mão o número de grupos portugueses com representação permanente na capital da UE: Eupportunity, CAP, EDP e AICEP.
Os lóbis portugueses inscritos no registo da UE
Até dia 18 de junho, Portugal tinha 113 organizações de diferentes categorias inscritas no registo de transparência da UE, que está em constante atualização: 16 agências de consultoria/escritórios de advogados; 59 grupos/associações profissionais, sindicais ou empresariais; 16 organizações não-governamentais; 8 grupos de reflexão/instituições académicas ou de investigação; 14 representações locais, municipais, regionais, organizações públicas ou mistas. Facto curioso: não há nenhuma instituição religiosa portuguesa inscrita no registo de lóbis, ao contrário do que acontece noutros países.
Comparando com alguns estados-membros de dimensão idêntica, Portugal até tem um contingente de lobistas numeroso no registo europeu. Por exemplo, a Bélgica chega aos 1760 por ser o país onde está sediada a UE, depois a Suécia (132), a Grécia (69), a República Checa (57) e a Hungria (56). Para se ter uma ideia completa: o registo conta com 907 lóbis alemães, 806 britânicos e 797 franceses. Ao todo, até 21 de julho havia 8.105 inscritos oriundos de dezenas de países.
No registo constam empresas e setores económicos portugueses tão diversos como a banca, petrolíferas, energia, eletricidade, vinhos, águas, construção, turismo, agricultura, pescas. Há de de tudo um pouco. Também universidades, consultoras, municípios, ONG’s ambientalistas e até a Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação de Elasmobrânquios (tubarões e raias) ou a Associação de Melhoramentos e Bem Estar Social de Pias. O facto de estarem no registo, não significa que exerçam a atividade de forma frequente ou sequer que estejam acreditados, por exemplo, no Parlamento Europeu.
Não estar junto dos centros de decisão, obriga por vezes a fazer uma viagem até à capital belga. É o caso de Marta Paz, da direção da Liga para a Proteção da Natureza. Foi eleita pelas ONG’s de ambiente portuguesas para representar o país na direção do European Environmental Bureau (o EEB reúne 150 organizações de 31 países), cuja função principal é ser a voz da cidadania na defesa do ambiente e influenciar as decisões da UE nesse sentido.
“Enquanto membro da direção do EEB, vou a Bruxelas cerca de três vezes por ano”, explica Marta Paz ao Observador. “A direção reúne regularmente com membros da Comissão Europeia e do Conselho. Uma das funções da direção do EEB é acompanhar estas duas instituições”, afirma. Ainda recentemente esteve na Letónia para preparar com a atual presidência semestral da UE a próxima reunião de ministros do Ambiente dos vinte e oito. O seu trabalho passa também por influenciar e alertar ministros, secretários de Estado e eurodeputados para determinadas matérias importantes em debate no âmbito europeu.
Gonçalo Lobo Xavier também faz a deslocação Portugal-Bruxelas três vezes por mês, mas a situação é diferente, já que é um dos 12 portugueses membros do Comité Económico e Social da UE (CESE). É neste Comité que têm assento 353 membros de diversos grupos de interesse económicos e sociais (entidades patronais, sindicatos e outros grupos diversos, consumidores, etc.) dos 28 estados-membros, precisamente com o objetivo de fazer a ponte entre as instituições da UE e a “sociedade civil organizada”.
O CESE é um órgão meramente consultivo, que produz por ano cerca de 170 documentos dirigidos à Comissão, Parlamento e Conselho. Serve de termómetro para medir as posições da sociedade civil sobre políticas e propostas legislativas da UE. Gonçalo Lobo Xavier, conselheiro da direção da Associação dos Industriais Metalúrgicos e Metalomecânicos, foi indicado pela Confederação da Indústria Portuguesa para o Comité e recentemente eleito vice-presidente responsável pela comunicação desta instituição.
Sem rodeios, assume que faz lóbi pela indústria nacional no sentido em que “defende os interesses portugueses do setor” e em que procura estar “nos grupos de trabalho do CESE relacionados com a indústria”. O setor metalúrgico é um dos maiores exportadores do país, e por isso sente a “responsabilidade” de defender e “vender” a marca “Portugal”.
O que conseguem os lóbis portugueses para o país?
A questão é sensível, como se costuma dizer “o segredo é a alma do negócio”. Até porque nem sempre é possível “medir” resultados. Mas Gonçalo Lobo Xavier acredita que sim. A sua atividade nos grupos de trabalho do CESE tem consequências e as conclusões dos pareceres “são tidas em conta pela Comissão na definição das políticas”.
Em defesa do seu setor, dá como exemplo um relatório sobre a indústria de embalagens de que foi autor. Inicialmente, o documento devia abordar apenas o setor do cartão e plásticos mas o português fez questão de alargar o âmbito por forma a incluir as preocupações do setor das embalagens de metal.
Marta Paz, da LPN, dá o exemplo da colaboração que houve entre as ONG’s de ambiente e as instituições comunitárias, quando Portugal assumiu a presidência rotativa da UE, em 2007. “Na altura, a LPN estava na direção do EEB, pôde acompanhar o conselho informal de ministros do Ambiente dedicado aos problemas de escassez de água e seca e participar na redação das conclusões deste conselho. Isto foi determinante para Portugal aceder aos fundos estruturais para combate aos problemas de escassez de água”, garante.
Decisiva terá sido também a ação empreendida com a Quercus e Geota, junto da Comissão Europeia, devido ao facto de o traçado da A2 cortar a Zona de Proteção Especial de Castro Verde. No fim do processo, “como compensação, houve o alargamento da Zona de Proteção Especial, que é hoje uma área emblemática”.
No caso da Eupportunity, Henrique Burnay trabalhou com a Vortal, a maior plataforma de contratação eletrónica em Portugal. O objetivo foi mostrar, à escala europeia, as vantagens da utilização da contratação pública eletrónica, replicando, no essencial, a legislação portuguesa que era mais avançada do que a imposta pela legislação comunitária.
“Isto foi no âmbito da revisão das diretivas de contratação pública. O resultado foi positivo, na medida em que a atual legislação europeia passou a fazer exatamente isso, abrindo oportunidades de negócio para uma empresa portuguesa. O caso português vem citado no Livro Verde da Comissão sobre esta matéria como exemplo de boa prática. Foi um processo que durou três anos”, diz Burnay.
Duarte Mira sublinha a importância de sensibilizar e esclarecer os membros do Parlamento e da Comissão sobre os problemas específicos de Portugal quando há regulamentos, diretivas, pareceres ou resoluções em discussão, como o que acontece atualmente no caso do setor das frutas e hortícolas. Destaca ainda outro tipo de iniciativas como a organização com vários deputados dos Açores e da Madeira do primeiro fórum das Regiões Ultraperiféricas, no Parlamento Europeu, com o objetivo de defender os interesses dos agricultores das regiões autónomas.
Estar, ou não estar
Para os portugueses ouvidos pelo Observador, é fundamental estar em Bruxelas, já que aqui se joga cada vez mais o futuro do país. Grande parte da legislação nacional tem origem na UE. E consideram que devia haver mais grupos nacionais presentes, até porque os lóbis dos outros países não ficam à espera.
“Tem de haver mais portugueses que se dediquem ao lóbi em Bruxelas”, afirma Gonçalo Lobo Xavier. “É muito importante estar aqui. Primeiro estamos perto da fonte e depois a informação corre a uma velocidade louca. O que é importante hoje pode deixar de o ser amanhã. Uma informação hoje, pode ser alterada amanhã”, diz Duarte Mira. “Em Bruxelas, o jogo nunca se acaba”, confirma Henrique Burnay no sentido de que os processos legislativos são continuamente revistos, os documentos atualizados e há sempre novas oportunidades.
Mas atenção, avisa Burnay: “Quem faz lóbi deve demonstrar que o interesse que representa é defensável, lógico, útil e positivo para o interlocutor. Deve sustentar isso com dados técnicos credíveis. Se não for credível ou se perder a confiança do interlocutor, a porta fecha-se”.
Todos sublinham a utilidade do registo de transparência da UE. “É uma salvaguarda para todos”, garante Duarte Mira. “Permite que seja claro para os nossos interlocutores quem somos e quem representamos”, acrescenta Henrique Burnay. “É importante, mas é apenas o início de um processo de maior transparência nas atividades de influência da tomada de decisão. Esperamos só que, de futuro, a informação no registo seja ainda mais detalhada”, pede Marta Paz.
Esta é também a opinião das ONG’s e grupos de investigação, que lutam por maior transparência e ética da atividade de lóbi. Defendem que o registo de transparência deve ser legalmente obrigatório, exigem medidas mais restritivas e garantias de que as informações fornecidas são completas e relevantes. Por isso, a plataforma de ONG’s a favor da transparência, ALTER-EU, lançou recentemente uma campanha com mais de 100 organizações para que tal aconteça.
Num estudo publicado em janeiro, a ALTER-EU revelou que várias grandes empresas internacionais não estavam inscritas no registo de transparência apesar de fazerem lóbi na UE. De resto, um relatório recente da Transparency International mostra que há lacunas em muitos países europeus, onde a ausência ou as falhas de regulação da atividade são notórias.