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Será uma coincidência de agenda, mas não deixa de ter significado. Xi Jinping aterra esta terça-feira em Lisboa menos de duas semanas depois de João Lourenço ter visitado Portugal. China e Angola foram os grandes investidores estrangeiros nos anos da crise portuguesa, comprando empresas estratégicas e assumindo participações relevantes em grupos financeiros.
Mas se o presidente angolano chegou para acabar de vez com o “irritante” — causado pela investigação da justiça portuguesa ao ex-vice presidente da Angola Manuel Vicente — e no meio de notícias de desinvestimento da petrolífera Sonangol em Portugal — que João Lourenço afastou no caso do BCP, mas deixou a porta na Galp Energia — a visita de Xi Jinping deverá dar um sinal contrário. As relações entre Portugal e China discutem-se sobretudo no plano económico e o discurso do Governo dirige um apelo ao investimento direto em projetos na economia nacional, depois das empresas e dos ativos estratégicos.
Na sua passagem por cá, Xi Jinping vai inevitavelmente cruzar-se com algumas operações que já estão em marcha, ainda que seja uma marcha lenta. E nem tudo corre bem na rota dos negócios da China para Portugal.
Apesar da boa receção política às ofertas públicas de aquisição (OPA) lançadas pela China Three Gorges sobre a EDP e a EDP Renováveis, com António Costa a garantir que não tinha reservas à operação, as ofertas estão embrulhadas nas teias regulatórias. O mesmo acontece com a tentativa de compra um dos maiores operadores de energia renovável, a Generg, pela Datang, mais um investidor com capital público chinês, que ainda não passou no regulador português.
Pior. As ofertas da CEFC Energy pela Partex, empresa petrolífera da Gulbenkian, e pelo Montepio Seguros, caíram por terra com a detenção por suspeitas de corrupção do fundador deste grupo chinês. E o maior investimento chinês em Portugal, a EDP, já teve de reconhecer perdas de milhões nos resultados por causa das guerras políticas e regulatórias e até ameaças de processos em tribunais internacionais por parte dos acionistas.
Mas os investidores chineses sabem esperar, são de longo prazo, têm uma visão estratégica. E não é só o lucro que os move. Procuram know-how, tecnologia, energia, infraestruturas e serviços financeiros. Mas por detrás dos milhões da China estão quase sempre empresas estatais e, como assinala uma das fontes contactadas pelo Observador, quase sempre a economia e a política estão ligadas. Afinal o que está mais na sua agenda? E porque se discute tão pouco em Portugal os méritos e os riscos do capital chinês?
Philippe Le Corre, investigador afiliado na Universidade de Harvard Kennedy School e especialista em relações transantlânticas, que tem olhado com grande atenção para a expansão económica da China na Europa, explica ao Observador o que estará por detrás destas operações.
“Os investimentos chineses são uma mistura de oportunismo e estratégia. Inicialmente, surgiram oportunidades no Sul da Europa após a crise financeira. O Governo chinês ofereceu a sua ajuda à União Europeia e a um grupo de países que inclui a Grécia e Portugal. Também beneficiaram de um sentimento anti-Alemanha nestes países, e pelo facto de as pessoas não terem ideias pre-concebidas sobre o regime chinês e as empresas chinesas. São encaradas como estando distantes na geografia, na política e na cultura.”
E essa distância é reforçada pela decisão de manter, quase sempre, à frente da gestão desses investimentos caras portuguesas na comissão executiva. Os novos acionistas ocupam em regras cargos não executivos. O Haitong, antigo BESI, com um presidente executivo e um chairman chineses desde 2017, é uma exceção.
Carlos Rodrigues, diretor do mestrado em estudos chineses da Universidade de Aveiro, reconhece que a “invisibilidade dos chineses na gestão de topo das empresas que adquirem tem sido uma constante nos últimos anos em todo o Mundo, não só em Portugal”. E dá o exemplo da Volvo ‘sueca’, comprada pela Geely chinesa. “Não há um único cidadão chinês na equipa de gestão da empresa. Obviamente, isto não quer dizer que os investidores chineses não tenham influência nos processos de decisão. Recorrendo novamente à Volvo, a decisão de transferir uma parte da produção da empresa para a China teve, com certeza, ‘mão’ chinesa.”
O académico português considera que este “modus operandi é muitas vezes relacionado com vários princípios que norteiam a política externa chinesa e a presença chinesa no Mundo, alguns deles dos anos 50, e até com o que é geralmente designado por ‘softpower’ (poder suave) Para avaliar a influência chinesa na economia e nas empresas portuguesas, neste contexto, ficam apenas alguns números que permitem quantificar vertentes como os fluxos de IDE (investimento direto estrangeiro), as contas das empresas e afins. Sobre os processos de decisão pouco se pode dizer”.
Mas afinal o que está por detrás destes milhões de milhões? Estamos apenas a falar de interesses económicos ou há uma agenda não assumida nestes negócios? Para Philippe Le Corre há um interesse que nada tem que ver com o país em si, mas sim com a possibilidade de poder ser usado como veículo.
“Eu diria que a influência é uma das razões centrais para as empresas públicas chinesas se envolverem nestes países. Obviamente não têm qualquer interesse pela identidade nacional ou soberania desses países e quase não há interesses comuns entre China e Portugal. Por outro lado, acredito que Portugal é um membro pleno da União Europeia e tem muito mais em comum com os seus parceiros europeus, e isso deve ser tomado em consideração. Se Portugal fosse chamado a tomar decisões de política internacional baseado nas parcerias fora da União Europeia, isso seria abrir um precedente. E seria certamente mau para o futuro do Ocidente, que está está tremido.”
Portugal é apontado como caso de estudo na Europa
Dados de 2017 do Rhodium Group, citados pelo Mercator Institute for China Studies, um grupo de investigação de tendências internacionais que tem seguido com muita atenção o rasto do capital chinês, referem um investimento direto de seis mil milhões de euros da China em operações feitas em Portugal entre 2010 e 2017. À frente de Portugal surgem as grandes economias europeias, como o Reino Unido, a França, Alemanha e Itália, em termos absolutos, mas quando comparamos o investimento direto chinês com o PIB (produto interno bruto ) ou a população, os casos de Portugal e da Finlândia destacam-se.
Os números crescem ainda mais se incluirmos a compra de 30% da Petrogal Brasil, uma operação que movimentou mais de cinco mil milhões de euros realizada por uma petrolífera estatal chinesa. E no horizonte está a possibilidade da Sinopec outra empresa do Estado, neste caso angolano, como acionista indireto da Galp Energia. Há ainda reforço dos investimentos realizados no BCP e no Haitong, onde já entraram 900 milhões de euros. E o valor captado ao abrigo do programas dos Vistos Gold que totaliza até outubro 2,3 mil milhões de euros, com aquisições de imobiliário a partir de 600 mil euros, em troca de autorizações de residência. E em cima da mesa, com as OPA lançadas sobre a EDP e a EDP Renováveis pela China Three Gorges estão valores que podem facilmente duplicar estes números, se as operações forem bem sucedidas.
OPA de chineses sobre o grupo EDP pode custar até 10,2 mil milhões de euros
Num relatório publicado em outubro, a Carnegie Endowment for International Peace, um think thank que representa uma rede global de pesquisa em temas internacionais e faz parcerias com Governos e empresas, faz zoom sobre quatro casos de investimento chinês na Europa. O que une Portugal, Grécia, República Checa e Sérvia é a sua dimensão pequena, uma posição geográfica e estratégica nas fronteiras da Europa, crises económicas e financeiras, uma grande necessidade de capital e um certo ressentimento em relação aos credores ricos da Europa central, em particular a Alemanha.
Quando analisa o caso grego, o relatório “China’s Rise as Geoeconomic Influencier: Four European Case Studies” (A ascensão da China como influenciador geoeconómico: Quatro casos de estudo europeus) estabelece uma ligação direta entre o investimento chinês, que ganhou expressão com os resgates financeiros, e tomadas de posição na política internacional assumidas pelo Governo de Alexis Tsipras.
Na Grécia, a empresa pública de navegação chinesa tomou conta do porto do Pireu, em Atenas. Esta é uma das mais importantes infraestruturas do género na Europa e mais um ponto para ligar a estrada da seda, iniciativa do Presidente chinês que quer reinventar o conceito com uma rede física de infraestruturas que ligue a China à Europa, mas que associa também tecnologia, telecomunicações e energia. Aliás, a State Grid, que é a maior acionista da REN (Redes Energéticas Portuguesas), também comprou uma fatia do operador de redes elétricas grego.
O autor sinaliza dois momentos em que a posição da Grécia nas organizações internacionais “divergiu de forma significativa da posição da União Europeia”.
Em julho de 2016, bloqueou uma tomada de posição comum na sequência de uma sentença do Tribunal Internacional Arbitral sobre o mar do sul da China. Por isso, em vez de uma posição forte — tal como tinha proposto o Serviço Europeu para a Ação Externa (que funciona como Ministério dos Negócios Estrangeiros e corpo diplomático da UE) e que validava uma decisão desfavorável à China — o Conselho Europeu (que junta os líderes dos países da UE) emitiu um comunicado genérico sobre o resultado da arbitragem, o que permitiu uma “vitória simbólica” aos chineses.
Em junho de 2017, escreve o mesmo documento, Atenas bloqueou outra posição conjunta pela União Europeia, desta vez ao nível das Nações Unidas, onde se criticava o historial chinês em matéria de direitos humanos, qualificando-a de “crítica pouco construtiva sobre a China”. Um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros grego, citado neste trabalho, desenvolveu a tese: A posição da Grécia é a de que as críticas improdutivas e muitas seletivas contra países específicos não facilitam a promoção dos direitos humanos nesses países, nem desenvolvem as relações com a UE.”
Onde está o capital chinês. Da bola à energia
Aquele que parecia ser um primeiros negócios da China nasceu no futebol. Em julho de 2007, era noticiada uma intenção de oferta pública de aquisição (OPA) sobre a SAD do Benfica por parte de investidores chineses. A OPA chinesa agitou o mercado durante alguns dias e fez as ações dos três principais clubes subir, gerando mais-valias de 400 mil euros, mas nunca aconteceu e acabou por originar uma investigação por crime de mercado.
Mas o futebol não vai deixar a agenda dos negócios luso-chineses ou não fosse o presidente chinês, Xi Jinping, que chega esta terça-feira a Portugal, um adepto fanático da bola. É à conta dessa paixão que o futebol tem explodido na China, com a contratação de jogadores e treinadores europeus, incluindo portugueses, e com a presença ativa de outros nomes portugueses ligados a este desporto. O empresário Jorge Mendes tem uma parceria com a Fosun e com seu fundador que, por sua vez, são donos do clube inglês Wolverhampton Wanderers. O clube da primeira divisão inglesa, a Premier League, por sua vez, é destino frequente de (muitos) jogadores e treinadores representados pelo agente português.
Durante anos, a única ofensiva chinesa que a economia portuguesa assistiu foi a das lojas dos chineses que se propagaram pelas cidades, subúrbios e vilas do interior com uma oferta diversificada e a preços imbatíveis, aparentemente toda “made in China”. Mas na verdade o investimento chinês já cá estava, ainda que associado à conexão Macau e com uma marca, Stanley Ho. O magnata do jogo oriundo de Hong-Kong ainda hoje é dono do Casino Estoril, mas os seus investimentos em Portugal chegaram ser bem mais vastos, indo desde o setor da construção, e imobiliário (a Alta de Lisboa), passando pelo BPA (Banco Português do Atlântico).
Mas o investimento de Estado da China só chegou em força com a crise económica e financeira do final da década passada. Ainda no tempo de José Sócrates nos dias de desespero para encontrar compradores de dívida, a China chegou a estender a mão e comprar algumas Obrigações do Tesouro. Mas só em 2011, já após a chegada da troika e com o país em resgate financeiro é que se começou a perceber a verdadeira força da onda chinesa.
Em três anos, empresas chinesas compraram participações relevante em empresas e ativos estratégicos do setor da energia: EDP, REN e Petrogal Brasil. Estas operações foram protagonizadas por empresas estatais chinesas. Em 2013, é a vez de um dos grupos financeiros mais internacionais, a Fosun, adquirir a maior seguradora portuguesa, a Fidelidade que por sua vez comprou a Luz Saúde do falido Grupo Espírito Santo. Outro ativo do antigo BES, o BESI, atual Haitong, passou para mãos chinesas. Já em 2017, a Fosun entrou no capital do BCP, tornando-se a maior acionista do banco e a a companhia aérea HNA tornou-se, indiretamente, acionista da TAP.
Se o destino do capital chinês é diversificado, é sem dúvida no setor da energia onde se concentra um maior poder e é por aqui que a corda pode rebentar porque investimento é sinónimo de capital do Estado chinês, como reconhece Philippe Le Corre.
“O grande problema de ter empresas públicas como players aqui é que estas são entidades dirigidas pelo Governo chinês ou pelo Partido Comunista. Quase nunca são privadas, sobretudo na energia. Faço a sempre a pergunta: uma companhia de energia portuguesa poderia comprar uma empresa chinesa do setor? A resposta é não. Não há reciprocidade em muitas áreas. E a segurança de abastecimento é uma área onde Portugal deve ter cuidado. Enquanto membro da União Europeia, devia depender nos seus vizinhos e parceiros em vez de estar dependentes de um parceiro que está longe e que se guia por uma agenda distinta (espalhar influência). O facto de as empresas estatais chinesas pagarem bem não devia ser a única razão para companhias portuguesas aceitarem o negócio.”
Uma desconfiança que a administração norte-americana já deixou bem clara ao governo português. Foi isso mesmo que o embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, George Glass, disse em agosto, em entrevista ao Observador: os norte-americanos não vão aceitar o negócio (no que diz respeito aos ativos da elétrica portuguesa nos EUA) e acham que deixar a China controlar infraestrutura crítica em Portugal é um “caminho perigoso”.
A ofensiva chinesa na Europa e em Portugal parece estar a perder alguma força nos últimos tempos. O académico Carlos Rodrigues avança três explicações: a desaceleração da economia chinesa, com menos investimento no estrangeiro, mas também a mudança de setores alvo — mais infraestruturas e alta tecnologia, e ainda no caso português, “à escassez de ativos ‘interessantes’ para os investidores (quase tudo privatizado, pouco restou)”.
Carlos Rodrigues desvaloriza assim o efeito da campanha anti-corrupção, que levou à detenção dos líderes de grandes investidores fora de portas ou até a “emergência de mecanismos de rastreamento do investimento que surgem como reflexo da crescente preocupação da UE com a entrada de capitais chineses no seu território.” E realça que os estados que “se mostram mais ‘preocupados’, designadamente a França e a Alemanha continuam a ser os que captam mais capital chinês.
Milhões, os trade-off e a ausência de crítica
Ainda que não se apontem exemplos onde Portugal teria comprometido ou suavizado o posicionamento expetável para favorecer a China, o académico português Carlos Rodrigues defende que esses trade offs existem.
“Mesmo países com maior poder económico e com mais “voz” nas críticas dirigidas à China, são claramente atingidos por esse trade-off (entre investimento e política). Portugal tem vindo a subscrever documentos que contêm um “tom” crítico em relativamente ao contexto chinês, designadamente na questão dos direitos humanos e do Estado de direito. Mas fá-lo no âmbito da UE, ou seja diluindo-se nos 28 (quando não há alguns estados-membros que boicotaram as posições da Comissão Europeia, ou no âmbito da ONU — o especialista refere o caso da pena de morte em que a China está ao lado dos Estados Unidos e da Arábia Saudita. De referir que Portugal tem vindo a apoiar o levantamento do embargo de armas e a afirmar, alvo vagamente, diga-se, a necessidade de encontrar uma solução equilibrada para o problema da atribuição do estatuto de economia de mercado à China”.
A fragilidade financeira de Portugal escancarou as portas ao capital chinês numa altura em que os investidores tradicionais, sobretudo europeus, encaravam o país como um risco. É certo que não foi só a China, vieram também Angola e o Brasil. Mas a elite política portuguesa mostrou-se especialmente grata à resposta chinesa.
Quem abriu a porta foi o Governo PSD/CDS, que acolheu sem questionar a vaga de capital chinês, essencial ao programa de privatizações. Mas foi António Costa, ainda como líder da oposição, que fez o maior agradecimento aos chineses, durante a celebração do Novo Ano Chinês. “Em Portugal, os amigos são para as ocasiões, e numa ocasião difícil em que muitos não acreditaram que o país tinha condições para enfrentar e vencer a crise, a verdade é que os investidores chineses disseram ‘presente’, vieram, e deram um grande contributo para que Portugal pudesse estar na situação em que está hoje, bastante diferente daquela em que estava há quatro anos”.
António Costa ainda foi mais longe no agradecimento aos chineses
As declarações de Costa causaram alguma polémica, mas nem tanto pelos chineses, cuja referência suscitou críticas ao colega de partido Alfredo Barroso, que até ameaçou desfiliar-se, qualificando a declaração como “uma vergonha” e “uma inqualificável chinesice”. Foi o reconhecimento de que o país estava melhor depois de quatro anos de Governo PSD/CDS que acabou por marcar mais a atualidade da altura.
O “porta-aviões chinês na Europa”
Uma das poucas vozes de desconforto que se ouviram foi a do então presidente do BPI. Fernando Ulrich admitiu que lhe fazia “impressão” a existência de “tanto investimento chinês em sectores estratégicos da economia. Choca-me. É demais”.
“Ser um porta-aviões chinês da Europa e para a Europa não é o destino que eu mais goste em Portugal”. Fernando Ulrich, que à data tinha lidar com a angolana Isabel dos Santos no BPI, questionava ainda o duplo critério em relação à China e a Angola.
“Leio no Financial Times que o presidente da Fosun é um membro do comité central do partido comunista chinês e não vejo problemas sobre pessoas politicamente expostas. Mas quando falamos de países mais pequenos já não são transparentes”, defendeu numa crítica às dúvidas levantadas aos investidores angolanos e também da Guiné. (…) O investimento chinês vem comprar as melhores empresas que nós fizemos, mas não vi os seus contributos para o futuro”. Estas declarações têm um contexto: foram proferidas em 2015, numa altura em que o BPI estava arredado da corrida ao Novo Banco, então disputada por dois grupos chineses, a Fosun e a Anbang, num concurso que acabaria por ser suspenso.
As palavras de Fernando Ulrich são recordadas na análise da Carnagie onde é assinalada a perplexidade pelo facto de haver tão pouco debate público sobre a presença chinesa na economia portuguesa”. Em respostas ao Observador, o autor deste trabalho e investigador sénior filiado na Harvard Kennedy School, sublinha:
“Os portugueses são inteligentes e bastante conhecedores no mundo. É por isso que acho difícil de acreditar que não haja debate sobre este tema. Receio não comprar a narrativa de relação especial entre Portugal e a China. As lideranças chinesas têm um interesse limitado em Portugal — ou em qualquer outro país. Preocupam-se sobretudo com os chineses e como estes percebem o Partido Comunista chinês e as suas instituições.”
O académico e estudioso das relações internacionais deixa ainda um conselho.
“Portugal deve investir a nível académico e intelectual na China, para pelo menos poder estabelecer um diálogo. E não estou a falar sobre Macau, mas sim do resto da China, de norte a sul, de leste a oeste. Antes de chegar mais longe, a sociedade portuguesa deve investigar e perguntar-se a si própria: Temos valores comuns com a China? Partilhamos um passado histórico, cultural, social e económico? Até agora este debate tem sido adiado. Mas é altura de o fazer. Não apenas em Portugal, mas no resto do mundo”.
O soft-power, o poder suave do capital chinês
A antecipar a chegada Xi Jinping, a Global Media, dona dos Jornal de Notícias e Diário de Notícias promoveu o debate Portugal-China, a Road to China, onde marcaram presença os presidentes executivos das grandes empresas portuguesas onde está o capital chinês. EDP, BCP, Fidelidade, REN — António Mexia, Miguel Maya, Jorge Magalhães e Rodrigo Costa. Os gestores portugueses de empresas controladas ou com forte domínio chinês.
Participaram também, segundo a cobertura feita pelo Dinheiro Vivo, o presidente da Huawei (fabricante de telemóveis), Chris Lu, o presidente da Superbock, Manuel Violas, bem como o responsável pela agência de investimento do Estado, a AICEP, Luís Castro Henriques.
O debate lançado pelo ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, foi antecedido de uma intervenção do presidente da Global Media, onde Daniel Proença de Carvalho assume que é ele próprio testemunho dessas relações entre Portugal e China, “ao ter como acionista de referência Kevin Ho, empresário de Macau, “símbolo e plataforma de relação com os países que falam português”.
A compra de 30% do capital do grupo de media por um fundo baseado em Macau, KNJ, é uma das operações de investimento chinês com carácter estratégico referidas no trabalho da Carnegie, onde se destaca que, para além de deter o JN, o DN e a Rádio TSF, a Global Media é ainda acionista da agência de notícias estatal portuguesa, a Lusa.
A presença do tema China na comunicação social, a realização de conferências, a promoção de cursos académicos ou do ensino da língua e cultura chinesas, como os organizados pelo Instituto Confúcio ou as iniciativas da Fundação Oriente. Passando por viagens patrocinadas à China e pela chegada de milhares de turistas chineses, com a realização de voos diretos, são algumas das iniciativas que podem ajudar difundir e solidificar a influência chinesa.
É o chamado soft power (poder suave) que na descrição dada pelo investigador americano Joseph Nye permite a um país obter o resultado pretendido na política mundial porque os outros países o querem seguir, inspirados pelos valores e prosperidade, por exemplo. Para isso, é importante marcar a agenda e atrair os outros na política mundial. Convencer em vez de coagir.