Entrou na sala repleta de apoiantes — no seu próprio resort em Mar-o-Lago, na Flórida — como uma estrela. Antes dele, entraram os filhos. Mal colocou um pé na divisão, ouviu-se um sonoro aplauso. De mão dada com a mulher, Melania, Donald Trump preparava-se para fazer o “grande anúncio” que tinha pré-anunciado há uma semana, ainda antes das eleições intercalares norte-americanas. No palanque, agradeceu primeiro aos presentes. Depois, condensou numa frase o discurso que trazia preparado e que durou quase duas horas: “O regresso da América começa agora.”
Era a confirmação daquilo que parecia claro desde a semana passada. Donald Trump já deixara no ar que estaria na corrida à Casa Branca em 2024 — agora era apenas o momento de anunciá-lo com todas as palavras. E mesmo os resultados das midterms da última semana, que esboroaram por completo as expectativas republicanas de uma ‘onda vermelha’ que se previa que fosse varrer o país, não impediram que Trump reclamasse para si o palco e se lançasse a uma nova corrida à Casa Branca. Tendo ganhado as eleições em 2016 contra Hillary Clinton, o republicano perdeu a reeleição para Joe Biden quatro anos depois — uma derrota que nunca aceitou, alegando sempre fraude eleitoral num argumento desmontado por vários tribunais nos EUA e nunca fundamentado em provas reais. No entanto, passados dois anos, o ex-Presidente e agora candidato volta a concorrer, diz, “por amor” — porque, afinal, nem “precisava disto”. O motivo? “Salvar a América.”
Para Donald Trump, os quatro anos do seu mandato foram uma “época dourada” para os Estados Unidos da América, uma nação que, defende, “estava no pináculo do poder” e desfrutava de um “grande prestígio” internacional enquanto era chefiada pelo empresário milionário e estrela de TV transformado em Presidente da maior potência mundial. Nesse período, o país estava a “prosperar como nunca”, garantiu o agora candidato presidencial, recordando a obra realizada, como o facto de ter “tirado muitas pessoas da pobreza” e de ter respondido à pandemia com “ações decisivas” — mas ignorando a reação titubeante com que começou por lidar com a propagação vírus, país atrás de país, e até a forma jocosa como lidou com a ideia de uso de máscara, ou as soluções sem qualquer validação clínica que foi sugerindo para combater os efeitos do novo coronavírus no organismo humano: “Salvei vidas e a economia”, garante agora. “Os Estados Unidos recuperaram economicamente em tempo recorde.”
“A inflação era inexistente, a fronteira do sul estava controlada, o consumo de drogas estava em mínimos de décadas, conseguimos a independência energética, vencíamos os nossos inimigos e a China estava menos forte em todas as frentes e a pagar milhões em taxas”, elencou Donald Trump como outros dos sucessos do seu mandato. “Todos estavam a prosperar como nunca. Nunca houve um tempo como este.”
Dois anos depois, tudo mudou aos olhos de Trump. E tão rapidamente como ele terá introduzido a prosperidade e o progresso no país, a realidade deu agora uma volta de 180º. Pelo menos, aos olhos de Trump. Desde que os “democratas radicais” e “esquerdistas” chegaram ao poder, os EUA estão a ser “humilhados e enfraquecidos”, defendeu o ex-líder norte-americano, que não poupou críticas a Joe Biden. “Temos agora um Presidente que adormece em conferências globais e que se refere a um país pelo nome de outro”, lamentou Donald Trump, que mencionou também a “ameaça nuclear”, algo que era “inimaginável” durante o seu mandato.
Contudo, esse alegado declínio dos Estados Unidos não tem de ser uma sina que a população deva simplesmente “aceitar”, defende. Em 2024, Donald Trump acredita que os norte-americanos “vão rejeitar uma plataforma de ruína nacional”. Em vez disso, vão optar por “uma plataforma de glória e grandeza dos EUA”. Para isso, terão de votar no ex-Presidente — que garante que fará a “América grande” e também trará “o american dream” de volta.
Criticando aquele que deverá o seu adversário em 2024 — ainda que Joe Biden não tenha oficializado a sua recandidatura —, Donald Trump pintou, no discurso desta terça-feira, um cenário negro na política interna e criticou duramente a política externa concretizada pelos democratas (incluindo as mais recentes decisões sobre a guerra na Ucrânia).
A “humilhação” internacional dos EUA
Juiz em causa própria, Donald Trump lembrou que, durante o seu mandato, a “Rússia, a Coreia do Norte, o Irão e a China estavam em xeque”, respeitando os Estados Unidos. Mais: aqueles quatro países, que geralmente demonstram animosidade contra Washington, respeitavam o ex-Presidente, que diz que “conhecia bem” as realidades de cada um deles.
“O eixo do mal foi desarmado” em apenas “poucas semanas”, sublinhou Donald Trump. Uma missão que diz ter sido levada a cabo por si próprio e por “grandes guerreiros” que o ajudaram. Por exemplo, a “Coreia do Norte não disparou nenhum míssil balístico” — um argumento que peca por total ausência de ligação com os factos e que uma simples busca por notícias da época permite desmontar — “e Kim-Jong Un e eu construímos uma muito boa relação”. A proximidade com o líder norte-coreano é, na ótica do ex-Presidente norte-americano, uma “coisa boa, não é uma coisa má, é, aliás, uma coisa muito boa”.
A grande maioria das críticas do discurso do ex-Presidente destinaram-se, no entanto, à China, que, durante o seu mandato, estava a “perder em toda a linha” e em todos os domínios face aos Estados Unidos. “Estava a pagar muitos impostos”, recordou Donald Trump, que chegou a sugerir que Pequim influenciou e teve um “papel ativo” nas eleições de 2020, acabando por o prejudicar: “Just saying.”
“Diziam que eu ia começar uma guerra em 2016. Mas fui o Presidente que não começou nenhuma guerra durante o período mais longo na História. A América tinha paz”, sublinhou Donald Trump, que assinalou que, sob a sua liderança, os Estados Unidos eram uma “nação gloriosa, importante e livre”.
Em contraponto, Washington transformou-se, com Joe Biden e em apenas dois anos, numa “nação em declínio e falhada”. Para exemplificar o seu ponto de vista, Donald Trump evocou a retirada de tropas norte-americanas do Afeganistão. “Foi um dos momentos mais embaraçosos na nossa História”, caracterizou, acrescentando que se “perderam vidas” e que os Estados Unidos deixaram “milhões de dólares” no país.
“Os nossos inimigos riem-se de nós”, lamentou Donald Trump, que enfatizou que existem “nações poderosas” que “odeiam profundamente” os Estados Unidos — e que fazem tudo para os prejudicar. “Joe Biden é a cara do falhanço da esquerda”, culpabilizou, exemplificando depois com a questão energética. Durante os quatro anos do mandato do ex-Presidente, o país conseguiu a “independência” neste setor, algo que o atual chefe de Estado deitou por terra: “Andamos a pedinchar petróleo a países que nos odeiam.”
No que diz respeito à guerra na Ucrânia, o candidato à Casa Branca em 2024 reiterou a ideia de que o conflito não teria começado se tivesse sido reeleito Presidente. “Até os democratas admitem isso”, gracejou. Comentando os últimos desenvolvimentos na Europa, principalmente o míssil de fabrico russo que caiu numa aldeia polaca, esta terça-feira, e que motivou reações (umas mais cautelosas que outras) de vários países da Aliança Atlântica, incluindo os EUA, Donald Trump disse que as “pessoas ficaram loucas e descontroladas” com o sucedido.
“A Terceira Guerra Mundial pode acontecer”, avisou Donald Trump, que assegurou que consigo a América “vai ter outra vez paz”. Ainda assim, defendeu a necessidade da aposta no nuclear, porque os Estados Unidos precisam de um “escudo”. “Paz pela força” será, por conseguinte, o lema do candidato.
A inflação e o “tempo de dor” a que quer pôr travão
Donald Trump apontou vários problemas na política interna que aconteceram durante o mandato de Joe Biden, que foi descrito como um “tempo de dor, dificuldades, ansiedade e desespero”. Para começar, o ex-Presidente lembrou a inflação — “a maior em 50 anos”— e também o preço dos combustíveis, que é “o mais alto de sempre”.
“Em dois anos, a administração Biden destruiu a economia dos Estados Unidos”, condenou Donald Trump, que consigo teria passado a ser uma “grande economia” para, agora, estar numa posição mais débil. O único aspeto positivo daquilo que o ex-Presidente diz ser a “pausa” entre os dois mandatos é que todos os norte-americanos viram “o mal” que os democratas são “capazes de fazer”. Agora, é necessário “salvar o país.”
Sobre as migrações, Donald Trump disse que os EUA estavam a ser “invadidos por pessoas desconhecidas” que entram no “país por razões sinistras e más”. “Pagaremos um preço muito alto nos próximos anos”, previu, destacando que o muro construído na fronteira com o México conseguiu “restaurar a lei e a ordem”.
As alterações climáticas foram outros dos tópicos abordados durante o discurso. Donald Trump estranha que os democratas deem mais prioridade ao “green new deal” — programa para combater as alterações climáticas — do que à “ameaça nuclear”. Por isso, o ex-Presidente estranha que Joe Biden e os “democratas radicais” tenham as prioridades trocadas, sendo que — com isso — colocaram os EUA “de joelhos”. “Mas estamos aqui para dizer que isso não tem de ser assim.”
As intercalares — que podiam ter corrido melhor
Era um dos tópicos mais sensíveis, que podiam pôr em causa a legitimidade da candidatura de Donald Trump e que está mesmo a gerar mal-estar em algumas fações do Partido Republicano: os resultados nas eleições intercalares. Contrariamente ao que indicavam as sondagens, não houve uma ‘onda vermelha’ que tivesse permitido um domínio dos republicanos, que perderam novamente o controlo do Senado para os democratas, mas que ainda assim garantiram uma ligeira vantagem de liderança na Câmara dos Representantes.
Apesar desse esfumar das previsões sobre uma mudança política no país, Donald Trump preferiu focar-se em notícias mais positivas, tendo anunciado que os republicanos conquistaram o controlo da Câmara dos Representantes, conquistando pelo menos 218 congressistas, o que já equivale a uma maioria. Celebrou também que a ainda líder da câmara baixa do Congresso norte-americano, Nancy Pelosi, tenha sido “finalmente despedida”.
Apesar desta vitória, o candidato à Casa Branca admitiu que os resultados podiam ter sido melhores, justificando que “os cidadãos ainda não se aperceberam da gravidade da dor que a nossa nação está a enfrentar e o sofrimento”. “Não o sentem, mas sentirão muito em breve”, preconizou, dizendo que 2024 “tristemente será” em tudo “muito pior”.
Agora, Donald Trump reconhece que terá de “trabalhar arduamente” para reconquistar o eleitorado norte-americano, garantindo que “vai ter muito mais votos” do que em 2020. “Vamos fazer a América poderosa outra vez, vamos fazer a América próspera outra vez, vamos fazer a América forte outra vez, vamos fazer a América segura outra vez, vamos fazer a América gloriosa outra vez, vamos fazer a América grande outra vez.”
O candidato à Casa Branca acredita que o mundo ainda não viu todas as potencialidades dos Estados Unidos. “Ainda não atingimos esse pináculo”, sublinhou, sendo que o país pode ainda ir “mais longe”. “O nosso país chamado EUA é um sítio incrível”, elogiou. Para aproveitar o que tem de melhor, é necessário, porém, “sair do declínio” e trazer de volta “liberdade, responsabilidade e senso comum”. Seis anos depois de ter chegado à presidência, Donald Trump continua acreditar que é a pessoa ideal para o fazer.