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O governo liderado pelo chanceler alemão, Olaf Scholz, caiu esta segunda-feira. A rejeição de uma moção de confiança originou que o executivo chegasse ao fim, sendo convocadas eleições federais antecipadas. “Vá com Deus, mas vá”, chegou a atirar ao chanceler Alexander Dobrindt, líder da CSU, a União Social-Cristã da Baviera (partido irmão da CDU), de centro-direita. Contudo, nem os parceiros da coligação que governa a Alemanha — o Partido Social Democrata (SPD, sigla em alemão, e de centro-esquerda) e os Verdes — ficaram desagradados com o chumbo.
No debate horas antes da votação da moção de confiança, Olaf Scholz declarou que apoiava a ideia de “antecipar eleições” para dar um novo rumo à Alemanha. O líder dos Verdes e ministro da Economia, Robert Habeck, também anunciou que o partido se absteria. Ou seja, o fim do executivo também agradava aos membros do governo. O facto de que o executivo ia cair era quase certo — e todos os partidos no hemiciclo alemão aproveitaram para apresentarem alguns pontos para as próximas eleições federais. “A campanha eleitoral começa agora”, declarou Robert Habeck.
Também os partidos que estão na oposição estão já em modo de pré-campanha. Por exemplo, o líder da União Social-Cristã (CDU), Friedrich Merz, deixou vários ataques ao chanceler alemão na intervenção antes da moção de confiança. O presidente da CDU espera tornar-se o próximo líder da Alemanha e as sondagens dão-lhe cerca de 30% das intenções de voto. A estratégia do centro-direita passa por atacar o atual chanceler, que nunca impressionou os alemães.
Segundo as sondagens, o SPD de Olaf Scholz poderá ficar em terceiro lugar, num resultado historicamente baixo para os sociais-democratas na Alemanha. Tal como aconteceu em 2021, o chanceler espera surpreender durante a campanha e cativar o eleitorado com a sua mensagem de “respeito”. Mas é provável que o Partido Social-Democrata seja ultrapassado pelo partido de extrema-direita, a Alternativa para a Alemanha (AfD, sigla em alemão).
Partido anti-imigração e antissistema, a Alternativa para a Alemanha vai continuar a insistir em tópicos fraturantes na sociedade para ganhar votos. Um deles é a guerra na Ucrânia, um dos temas mais quentes nesta campanha. A AfD defende o fim imediato do apoio militar a Kiev e o fim da guerra, e algumas correntes do partido sugerem mesmo a saída germânica da NATO. Mas o eleitorado da AfD está a ser cortejado por um novo partido: a aliança de Sahra Wagenknecht — Razão e Justiça (BSW, sigla em alemão), que rompeu com o partido de esquerda Die Linke e fundou uma nova força partidária.
O “respeito” que Scholz pede durante a campanha
Durante o seu discurso no Parlamento alemão antes da votação da moção de censura, Olaf Scholz voltou a uma estratégia que já foi eficaz no passado: a da política do “respeito”. O “respeito” tem dois significados para o SPD. Em termos políticos, significa respeitar o adversário e evitar mensagens populistas, para que se afastem dos extremos. Em termos económicos, significa ter em consideração as necessidades da generalidade da população, apostando numa política de redistribuição e de um Estado social forte, ao contrário de políticas neoliberais.
Olaf Scholz quis apresentar-se como um estadista moderado, preocupado com os valores da social-democracia. Daí que tenha aproveitado para deixar duras críticas aos antigos parceiros governamentais, o Partido Democrático Liberal (FDP), que acusou de “sabotagem”. A 6 de novembro, o chanceler alemão demitiu o ministro das Finanças liberal, Christian Lindner, terminando, assim, a coligação semáforo que governava a Alemanha desde 2021.
Evitando fazer um mea culpa, Olaf Scholz lamentou a falta de “união” da coligação, culpando o FDP de falta de “maturidade moral” — que causou esta crise política. De acordo com uma análise do Taggespiel, o discurso do chanceler alemão foi “combativo, pouco humilde” e visava atrair a base eleitoral do SPD.
Na senda do “respeito” que Olaf Scholz frisou, o chanceler aproveitou para atacar o centro-direita, assim como os liberais. Relativamente aos antigos parceiros, o social-democrata atirou que “nem sempre foi fácil aplicar a política de respeito nos últimos três anos”. Para a união entre CDU/CSU, o líder alemão atacou a coligação por não respeitar os mais pobres. “Não só quem ganha 200 mil todos os anos merece respeito. Também quem trabalha e recebe o salário mínimo merece.”
Sobre a Ucrânia, Olaf Scholz quis distanciar-se dos partidos mais extremistas. O chanceler alemão recorda que a Alemanha é o segundo país que mais apoiou Kiev desde o início da guerra — e deseja que isso “continue assim” nos próximos tempos. “Se Putin vencer na Ucrânia, a nossa segurança estará em grande perigo a longo prazo”, avisou o chanceler.
Se no discurso o líder da Alemanha garantiu ao Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky que Kiev pode continuar a confiar em Berlim, o chanceler continuou, porém, a manter a mesma posição no que concerne ao envio de mísseis de longo alcance Taurus. Esse armamento “nunca” será entregue a Kiev, garantiu, “durante o tempo em que será chanceler”. Olaf Scholz defende uma abordagem mais moderada sobre a guerra na Ucrânia do que a CDU: por um lado, considera que a Alemanha deve apoiar o país invadido; por outro, deve limitar e não pisar certas linhas vermelhas ditadas pelo Presidente russo, Vladimir Putin.
“Vergonha” e culpa por uma “crise económica”. CDU entra ao ataque contra Scholz
Foi um ataque cerrado durante a sua intervenção. O líder da CDU não poupou Olaf Scholz e atacou o adversário em várias frentes. Friedrich Merz até saiu em defesa dos liberais. “Obviamente o respeito de Scholz termina onde existem outras opiniões políticas”, afirmou, denunciando o que diz ser a “desfaçatez” de Olaf Scholz em falar em “respeito” quando não “respeitou” os parceiros de coligação.
Na economia, um tema que sabe que pode cativar o eleitorado, Friedrich Merz foi particularmente duro, enfatizando que a coligação entre Verdes e SPD é a “face da crise económica”, lembrando o período de “estagnação” que o país atravessa. “Scholz está a deixar o país numa das maiores crises económicas da História”, declarou, acrescentando é “embaraçoso” o modo “como o chanceler se comporta a nível europeu”. “Está a envergonhar a Alemanha. A forma como se move na União Europeia é embaraçosa.”
Tal como o chanceler, Friedrich Merz diz que a Alemanha deve continuar a apoiar a Ucrânia, frisando, no entanto, que a guerra deve terminar o mais rapidamente possível. Sobre a entrega de armamento, o líder da CDU sublinha que o partido quer continuar a entregá-lo à Ucrânia (não fechando a porta aos Taurus) para que os alemães “não se tenham de defender” a eles próprios.
Mais do que apresentar as suas ideias políticas, o líder do centro-direita alemão colocou na mira Olaf Scholz, apontando na ideia de que é necessário haver alternância política. Reiterando que Olaf Scholz não merece a “confiança” dos alemães, Friedrich Merz recordou que o chanceler “teve a sua chance”, mas “não aproveitou a oportunidade”.
Contudo, apesar dos bons números das sondagens da CDU, Friedrich Merz não é propriamente um político adorado pelos alemães, como revelam vários indicadores. Assim, a estratégia parece ser a de denunciar o mau momento político e económico que vive a Alemanha. No Parlamento, a estratégia até pode resultar, mas, durante a campanha, não é tão líquido o sucesso.
Verdes atacam CDU (mas recordam os tempos “irritados” com o SPD), liberais apelidam Scholz de “príncipe do Carnaval”
Enquanto integrante da coligação, os Verdes, pela voz do vice-chanceler e ministro da Economia Robert Habeck, admitiram que os três anos da aliança com os sociais-democratas e os liberais não foram fáceis. “Estávamos todos muitas vezes irritados”, reconheceu. O partido não escondeu que gostava, numa futura legislatura, de manter-se coligado com o SPD de Olaf Scholz, realçando a estabilidade que pode proporcionar à política alemã.
Robert Habeck recordou a situação de “incerteza” política que se encontra grande parte da Europa, dando os exemplos de França, Áustria, Países Baixos ou Bélgica. Ora, é este cenário que o vice-chanceler ambiciona impedir que aconteça — sendo a melhor solução para isso uma coligação SPD-Verdes, defende. Ainda que as sondagens mostrem que será muito improvável que os dois partidos obtenham uma maioria na configuração do próximo Parlamento.
Para esta campanha, os Verdes vão tentar demarcar-se das medidas mais impopulares de Olaf Scholz, mas, ao mesmo tempo, fazer um pacto de não-agressão com o SPD. Por exemplo, Roberto Habeck anunciou que o partido optaria pela abstenção na moção de confiança ao executivo que integrava.
Esse pacto de não agressão é apenas à esquerda, já que, à direita, Robert Habeck não poupou críticas à CDU/CSU. Criticando o legado que a coligação recebeu dos governos de Angela Merkel, o líder dos Verdes destacou que Berlim não registou um crescimento económico real desde 2018 — e encontra-se numa crise estrutural, que já vem dos tempos da ex-chanceler.
Na Ucrânia e sobre ecologia, dois temas bastantes importantes para o eleitorado dos Verdes, o ministro da Economia alemão criticou o facto de a indústria energética depender de gás barato russo. “Basear a prosperidade do país numa relação eternamente amigável com Putin foi um erro histórico”, considerou, apontando também para uma espécie de contrassenso na CDU/CSU — que agora apoiam a Ucrânia, mas, no passado, mantinham relações cordiais com a presidência russa.
Já da parte dos liberais, a mensagem é culpar Olaf Scholz pelo fim da coligação: “Quando recusei [não permitir aumentar a dívida], fui demitido”, atirou Christian Lindner, líder do FDP, no Parlamento alemão, aludindo ao “travão da dívida” que está plasmado na Constituição alemã e que o chanceler desejava — como aconteceu nos últimos anos — contornar.
A economia será, a avaliar pela intervenção desta segunda-feira do líder do FDP, o tema-chave para o partido descolar. Em várias sondagens, o FDP está com menos de 5% das intenções de voto — o que significa, à luz do sistema eleitoral germânico, que perderá representação parlamentar. E Christian Lindner esforçou-se para provar que o partido merece estar no hemiciclo, cativando a base eleitoral com políticas económicas inovadoras.
Apesar de ter feito parte da coligação, Christian Lindner defende que a Alemanha não “ficou mais justa” sob o governo da coligação semáforo, atacando o “aumento de impostos” que Olaf Scholz vem propondo. E refere que o país “está em crise económica”, não conseguindo sair deste estado. O problema? Para o liberal, o chanceler é o “princípe do Carnaval” que “redistribui guloseimas” para “se tornar popular”. “Mas a República Federal da Alemanha não pode ser governada assim.”
Sahra Wagenknecht ataca Scholz, AfD insiste nos mesmos temas
A Alternativa para a Alemanha está em segundo lugar nas sondagens e quer aproveitar o bom momento. Com a CDU/CSU a continuar com o cordão sanitário à sua direita, a AfD vai manter a mesma mensagem antissistema, anti-imigração e pró-russa, não fazendo um grande esforço para se moderar. Para Olaf Scholz, só houve críticas na intervenção de Alice Weidel, líder do partido.
“O seu governo esteve no poder por três anos. Os alemães terão de suportar os danos nas próximas décadas”, atacou a líder partidária, culpando Olaf Scholz por “arruinar” a indústria e o setor energético, além de ter “inundando o país com migrantes”. As migrações foram um tema em destaque, sendo que Alice Weidel defendeu que é necessário um “trabalho de limpeza” nesta questão.
As críticas não se focaram no chanceler. À direita, Alice Weidel aproveitou para censurar o líder da CDU por não recusar entregar mísseis de longo alcance Taurus à Ucrânia. Para a líder da AfD, a cedência daquele armamento coloca Berlim no conflito, uma vez que os “mísseis podem atingir Moscovo e requerem soldados alemães para os operar”. “Podem tornar a Alemanha alvo de um ataque nuclear”, alertou.
Por sua vez, à esquerda, o Die Linke e a aliança Sahra Wagenknecht deixaram várias críticas à política económica “catastrófica” seguida por Olaf Scholz. Os dois partidos acreditam nas mesmas ideias na economia, portanto, não é de estranhar a coordenação nesta temática. “Em vez de se desculpar pelos seus próprios erros hoje, o Chanceler Scholz fez um discurso de campanha de 25 minutos”, atacou Sahra Wagenknecht.
Mas Sahra Wagenknecht não esqueceu uma das suas principais bandeiras: o fim da guerra na Ucrânia. A política do partido populista de esquerda considera um erro crasso que a Alemanha conjeture sequer enviar mísseis de longo alcance para Kiev, atacando a estratégia adotada por Friedrich Merz: “Dois candidatos a chanceler que querem dar armas e que estão perdidos”, censurou.