São 14h00 de quarta-feira. No átrio da Escola Básica n.º 3 de Sacavém ouvem-se gargalhadas e gritos entusiasmados das crianças. A correr de um lado para o outro. A brincar. Hoje é um dia diferente. Os alunos das turmas do primeiro ao terceiro ano vão tornar-se “heróis do AVC”. No interior do edifício, tratam-se dos últimos detalhes. As professoras Sandra Amaral e Joana Lopes, preparam-se para dar início à quinta e última sessão da iniciativa Fast Heroes 112. Um projeto que pretende que as crianças se juntem aos protagonistas da campanha e sejam capazes de agir e ajudar os seus familiares e amigos, sobretudo os avós, perante um AVC.
Através dele, as crianças são alertadas para os principais sintomas de AVC e para a necessidade de agir de forma correta e rápida, desenvolvendo competências e conhecimentos que podem vir a salvar vidas. “Melhorar o reconhecimento dos sintomas mais frequentes e ensinar à população geral que o AVC é uma emergência são dois dos grandes objetivos desta campanha”, explica Jan van der Merwer, diretor de projeto da iniciativa Angels na Europa, que apoia o programa Fast Heroes 112.
As professoras vêm chamar os alunos e chegam vestidas a rigor. Cada uma representa uma personagem dos Fast Heroes 112. Sandra Amaral, professora do primeiro ano, é a avó Fátima e Joana Lopes, professora do 2º e 3º anos, encarna o papel do avô Fernando, dois dos super-heróis reformados que fazem parte da campanha. Em fila e de mãos dadas a pares, as crianças caminham até à sala de aula. Em cima das mesas já se encontram os livros dos Fast Heroes, à espera de serem mais uma vez folheados.
Os 3 F’s: Face, Força, Fala
O projeto teve início há alguns meses nas turmas das professoras Sandra Amaral e Joana Lopes, mas esta é a primeira vez que as professoras juntam as três salas para a iniciativa. “Fez-nos sentido fazer a última sessão juntos. Nesta aula vamos fazer a revisão de tudo o que as crianças têm vindo a aprender ao longo deste tempo”, diz Sandra Amaral. Já com os cerca de 40 alunos sentados nos respetivos lugares, a professora passa essa mensagem às crianças e começa por relembrar as personagens que dão vida às atividades da iniciativa.
Francisco é um dos três super-heróis reformados que ensinam às crianças os três principais sintomas de AVC. Faz caretas para fazer rir o seu neto Tomás. Se não consegue, algo de errado se passa. Fernando também está na equipa e tem o poder de levantar um carro só com um braço. Se a força lhe falta, alguma coisa estranha está a acontecer. A avó Fátima, outro elemento deste trio, tem uma voz angelical, ninguém conta histórias como ela. Será que um AVC pode afetar a sua fala? Tomás é o neto dos três super-heróis e reforça a importância de agir de forma atempada, ligando para o 112, sempre que um dos seus avós precisa de ajuda.
Tânia é professora, ensina o que sabe e o que aprende a quem a rodeia, principalmente aos familiares mais velhos, e explica o que é o “trombo malvado”, esse vilão que ataca o cérebro e causa o AVC. A sua personagem apenas é apresentada às turmas que realizam o programa pelo segundo ano consecutivo.
“Se algum super-herói perde um dos seus superpoderes, e há suspeita de AVC, o que é que têm de fazer?”, pergunta a professora Joana Lopes. “É preciso ligar para o 112 para chamar uma ambulância”, diz entusiasmado Tales, de seis anos. A questão serve de ponto de partida para a próxima atividade dos alunos: fazer o seu próprio telemóvel para ligarem para o 112 quando necessitarem. Enquanto realizam a tarefa, as professoras continuam a fazer a revisão da matéria.
Há três sintomas que são os mais comuns do AVC. “Quem sabe quais são?”, questiona a professora Sandra Amaral. De sítios diferentes da sala, vão surgindo as respostas: “Um lado da face que começa a descair. Um braço que repentinamente perde a força. Não conseguir falar, nem sequer duas palavras.” Em qualquer um deles, é preciso atuar de imediato. Sem pestanejar.
De seguida, para testar o que aprenderam, os alunos simularam uma chamada para o 112 para saberem o que têm de dizer caso um avô ou outro familiar tenha um AVC. E quando pensavam que a sessão já estava a terminar, as professoras colocam todos os alunos a dançar e a cantar ao som da música dos Fast Heroes que mostra o Tomás a ligar para o 112.
Minutos essenciais para salvar vidas
Uma hora antes da sessão, as enfermeiras Sandra Martins e Ana Maia, da Unidade de AVC do Hospital Pedro Hispano, Unidade de Saúde Local de Matosinhos, acompanhadas das duas professoras, recebiam na biblioteca da escola os mesmos alunos e os seus familiares para lhes falarem da iniciativa Fast Heroes 112. Durante 30 minutos, explicaram no que consiste o projeto. Alertaram para a importância do reconhecimento dos principais sinais do AVC, da atuação rápida perante algum sintoma, mas também para os cuidados que devem ter no dia a dia de modo a evitar este problema.
O AVC continua a ser a principal causa de morte e incapacidade em Portugal. Ao longo da vida, uma em cada quatro pessoas terá um AVC, sendo “as primeiras horas após o início dos sintomas essenciais, uma vez que existe uma janela temporal que garante a eficácia dos principais tratamentos”, alerta Sandra Martins.
O tempo é crucial para evitar desfechos mais graves e, por isso, é importante saber identificar corretamente os sintomas de um AVC e ligar de imediato para o 112. “Muitos doentes chegam ao hospital demasiado tarde por não saberem identificar os sintomas de um AVC ou não os acharem suficientemente graves. E é precisamente para isto que queremos alertar com a iniciativa Fast Heroes”, afirma a enfermeira. “Com a correta identificação de sintomas e consequente chegada atempada ao hospital, será possível evitar consequências mais graves para os doentes de AVC.”
Além disso, “90% dos AVC poderiam ser evitados se houvesse um controlo dos fatores de risco.” Por isso, o objetivo do projeto passa também por sensibilizar os mais novos para a adoção de estilos de vida saudáveis, como uma alimentação equilibrada, a prática de exercício físico, ir regularmente ao médico, dormir bem e tentar reduzir o consumo do sal, das gorduras, dos fritos”, acrescenta a enfermeira Ana Maia. Uma série de comportamentos que “se formos habituados a seguir desde pequenos, acabamos por conseguir estilos de vida mais saudáveis e, consequentemente, adultos mais saudáveis no futuro.”
Aprender de forma lúdica e divertida
No final do dia as professoras Sandra Amaral e Joana Lopes não podiam estar mais satisfeitas. Os alunos já conseguem identificar os sinais do AVC. Mas há um ponto a melhorar, segundo Sandra Amaral. “É importante a criança saber onde vive para que possa dar a morada correta quando ligar para o 112. Só assim, os serviços de emergência podem enviar ajuda rapidamente e assegurar que o seu familiar é encaminhado para o hospital indicado”.
Foi Joana Lopes que apresentou o projeto Fast Heroes 112 a Sandra Amaral. Uma colega de outra escola falou-lhe da campanha e quando foi conhecê-la mais ao pormenor, não teve dúvidas. “Achei a ideia muito interessante, ensinar as crianças a conhecerem os principais sinais e sintomas do AVC, e propus às colegas implementarmos a iniciativa na escola. A Sandra foi a primeira pessoa com quem falei e que aceitou de imediato abraçar o projeto.”
Para além de achar a campanha apelativa, Sandra Amaral vê nela uma oportunidade de articular o assunto com conteúdos que também são abordados no programa curricular. “Muitas vezes, em cidadania, por exemplo, tratamos de temas que não despertam tanto a atenção dos alunos e esta é uma boa forma de falarmos de um tema importante e sério de modo lúdico e divertido”.
Para ajudar na tarefa, a iniciativa Fast Heroes 112 disponibiliza gratuitamente um conjunto de materiais didáticos e interativos, que podem ser lecionados em contexto de sala de aula e complementados com algumas tarefas em casa. Mas antes é preciso que os professores inscrevam as suas turmas através do website oficial da campanha. Os pais ou encarregados de educação também podem participar e inscrever as crianças de forma individual, mas, neste caso, só têm acesso aos recursos disponibilizados na plataforma do projeto, podendo realizar jogos e outras atividades em família.
“Os recursos educacionais para usar na sala de aula são divertidos, envolventes e interativos, o que ajuda a passar a mensagem”, diz Sandra Amaral. Além do livro que cada criança recebe, incluem materiais como pequenos vídeos de animação, uma canção dos Fast Heroes e outros recursos para levar para casa e explorar com a família.
Missão: Ensinar dois avós
Na escola, “as atividades dividem-se em cinco módulos que são ensinados em cinco sessões de aproximadamente uma hora, por norma ao longo de cinco semanas”, conta a professora Joana Lopes. Durante esse tempo, as crianças têm como missão passar esta aprendizagem a dois avós ou membros da família acima dos 70 anos. “A idade média dos doentes com AVC é de 73 anos, o que significa que este é um público difícil de atingir através dos canais clássicos”, indica Jan van der Merwe, porta-voz oficial da campanha.
Os alunos levam esta tarefa muito a sério. “O AVC é uma doença muito grave. Eu digo sempre aos meus avós e aos meus pais para terem cuidado e que se tiverem algum sinal de AVC, devem ligar para o 112”, explica Angel Sebastião, de oito anos. O aluno da professora Joana acha que agora está mais preparado para ajudar os avós ou outros familiares se for necessário, pois já sabe o que tem de fazer.
David Gomes, de sete anos, pertence à turma da professora Sandra e também tem aprendido muito com a iniciativa Fast Heroes 112. “O super-herói do AVC tem de estar sempre atento aos heróis avós e ver se eles perdem a força, não conseguem falar ou ficam com a cara descaída.” Se isso acontecer, “temos de ligar para o 112 muito depressa para chamar a ambulância”, acrescenta o seu colega de turma, Tales Barbosa. O estudante aproveita para explicar que ao ligar “deve-se carregar duas vezes no 1 e uma vez no 2.”
Ao partilharem a sua aprendizagem, as crianças ajudam a que estas competências cheguem a quem mais precisa delas, os avós e outros familiares e amigos. “O que torna os Fast Heroes únicos é o facto de utilizarmos as crianças como veículo para ensinar as famílias, em particular os avós”, diz Jan van der Merwe. Nestas idades, as crianças têm um desejo especial por aprender e por partilhar com a família tudo o que sabem. “Nós aproveitamos esse entusiasmo, incentivando-os a tornarem-se eles próprios os ‘professores’.”
Criada em 2018, pelo Departamento de Educação e Política Social da Universidade da Macedónia, na Grécia, com o objetivo de aumentar a literacia em saúde, a iniciativa Fast Heroes 112 chegou a Portugal em 2021 e continua a crescer. Até ao momento, conta com o envolvimento de mais de 120 escolas e agrupamentos e cerca de 7000 crianças. Jan van der Merwe salienta que a campanha está a ter bastante sucesso, mas o próximo passo é fazer com que seja reconhecida por todos os professores. “A vitória principal seria poder incluir o projeto no plano anual de atividades de todas as escolas, e continuaremos a trabalhar nesse sentido”.
A gestão e coordenação do projeto Fast Heroes no nosso país está a cargo da agência de comunicação Hill+Knowlton. Os conteúdos da iniciativa estão validados pela Organização Mundial do AVC, que conta ainda com o apoio da Sociedade Portuguesa do AVC, da Direção-Geral da Educação e da Iniciativa Angels (financiada pela Boheringer Ingelheim).
A nível internacional, a campanha está a ser implementada em mais de nove mil escolas de 20 países, incluindo Espanha, Itália, Roménia, Polónia, Grécia e Bulgária. E os resultados são animadores. “Em todo o mundo, já recebemos vários relatos de pessoas que foram salvas através da correta identificação dos sintomas do AVC, após a criança envolvida ter participado na iniciativa”, revela Jan van der Merwe. “Isto demonstra o impacto significativo que um projeto deste género poderá ter a longo prazo nas taxas de mortalidade e morbilidade associadas ao AVC.”
Embora não haja forma de medir os ganhos em saúde, o programa também já ajudou a salvar vidas em Portugal, como conta a enfermeira Sandra Martins. Na unidade de AVC do Hospital Pedro Hispano, as enfermeiras tiveram um caso de um doente que chegou ao hospital em tempo janela. “A neta tinha estado numa das sessões que dinamizamos numa escola em Matosinhos três meses antes e quando o senhor se sentiu mal, toda a família reconheceu os sintomas e ligaram de imediato para o 112.” O senhor entrou e saiu do hospital pelo próprio pé e sem qualquer lesão. “É a prova de que realmente o programa e o trabalho de sensibilização que temos vindo a fazer funciona”, acrescenta a colega Ana Maia.
Agora que chegaram ao final da iniciativa, os alunos da Escola Básica n.º 3 de Sacavém também são super-heróis e estão prontos para entrar em ação se um dia precisarem de salvar a vida de algum familiar. Tal como a menina de Matosinhos fez com o seu avô.
Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.
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