Ao mesmo tempo que a Polícia Judiciária batia à porta do apartamento do estudante universitário agora preso por terrorismo, em Lisboa, uma outra equipa de inspetores chegava à casa dos pais dele, na aldeia onde cresceu, no concelho da Batalha. Na parede do quarto onde vivia, na capital, estava o plano para um ataque na Universidade onde estudava, escrito em inglês e português. A polícia encontrou ainda uma besta, punhais e material explosivo. Na casa da família foi encontrado um disco com relatórios médicos e a família informou as autoridades de que ele sofria de Síndrome de Asperger — o que não o impedia de distinguir o bem do mal.
As duas buscas simultâneas ocorreram na manhã de quinta-feira, mas o trabalho da Polícia Judiciária tinha começado uma semana antes. Na sexta-feira, o FBI alertava a PJ para uma mensagem enviada pelo Discord, uma rede tipo messenger usada sobretudo por jogadores online. Segundo a denúncia, alguém com o nickname “Pscycoticnerd” teria referido que planeava fazer um ataque à universidade onde estudava. Uma ideia construída não só por ter sido aparentemente vítima de bullying, mas também — lia-se na mensagem — devido a um plágio. Essa mensagem foi detetada e comunicada aos serviços norte-americanos.
Nessa noite de sexta-feira, quando a troca de informações entre as polícias aconteceu, o jovem estava de fim de semana em casa da família, numa aldeia que fica numa zona montanhosa da região centro do país. A partir daí, os elementos da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime da PJ começaram a investigar se o nickname fornecido pelos americanos corresponderia, de facto, a alguém em Portugal e a quem. Foi já no sábado que os inspetores conseguiram descobrir o nome e a pessoa por detrás do nome de código. O mistério estava desfeito: era um jovem de 18 anos, natural da Batalha, que nos perfis das redes sociais convencionais aparentava ser fã de desenhos japoneses Anime e Manga, mas que nas profundezas da internet, na chamada darkweb, era um ávido consumidor de massive shots (tiroteios em massa). Um pormenor determinante foi quando perceberam que através daquele nome tinha sido adquirida uma besta tal e qual o imaginário que tanto o alimentava, apurou o Observador junto de várias fontes policiais.
No último sábado foi imediatamente aberto um inquérito em nome do suspeito, um caloiro da licenciatura de Engenharia Informática da Faculdade de Ciências, da Universidade de Lisboa. Os dois telemóveis que detinha ainda foram monitorizados e, assim que foram passados os mandados de detenção, a PJ decidiu atuar simultaneamente nas duas casas.
Família não percebeu logo as razões da busca. Bloco 3 da Universidade era o alvo
Ainda era cedo quando os polícias chegaram à casa da sua família numa aldeia com poucas centenas de habitantes e muitas casas vazias, cujos moradores decidiram emigrar sobretudo para a Alemanha. Na propriedade existem duas casas, a do avô paterno e a dos pais. Segundo um familiar contou ao Observador, quando o avô viu a polícia pensava tratar-se de uma multa, uma vez que o filho é mecânico. Também não foi a PJ que lhe explicou o que se passava. “É uma coisa relacionada com computadores, depois o seu filho explica-lhe”, ter-lhe-ão dito. Os pais colaboraram. A Judiciária passou o computador a pente fino, trouxe alguns suportes informáticos e num deles estariam relatórios médicos sobre a terapia de fala que teve de fazer durante algum tempo. A mãe explicou que o filho sofria de Síndrome de Asperger, mas que ainda assim sempre soube distinguir uma boa de uma má conduta. Foi também por isso que em setembro o deixou ir estudar para Lisboa, onde arrendou um quarto num apartamento com outros estudantes.
No pequeno quarto que ocupava num apartamento em Lisboa, as autoridades encontraram um cenário completamente diferente. Não os surpreendeu tratar-se de um jovem de 18 anos, porque já o sabiam, mas todo o arsenal que encontraram confirmou que a descrição dada ao FBI e mais tarde transmitida à polícia portuguesa não era algo fictício, ia mesmo concretizar-se a 11 de fevereiro. Na parede do quarto estava um plano escrito em português e inglês dividido por dois dias: um para o dia 10 de fevereiro, quando a PJ agiu, em que definia as horas em que deveria levantar-se, comer, vestir-se, passar pelo centro comercial Vasco da Gama, passar por uma loja chinesa para comprar mais uma pequena botija de gás, e apanhar um de dois autocarros que o levavam até à Universidade. A ideia era perceber todo o tempo que demoraria a preparar o ataque que concretizaria no dia seguinte no Bloco 3, onde pretendia provocar uma explosão. Na noite de quinta-feira encomendaria uma refeição do McDonald’s, no dia seguinte seria o do ataque — que ocorreria cerca das 13h00, como o Observador já noticiou, e em que não poderia perder mais de hora e meia. O plano para o dia do ataque acaba com a palavra “Fim”.
Além deste plano, a PJ encontrou a besta que o jovem encomendara pela internet, com um total de 25 setas. Algumas estavam prontas a disparar. Outras ainda estavam na embalagem. Havia ainda pequenas botijas de gás, sprays e maçaricos para provocar as explosões. Numa mochila da Eastpak um punhal, havia também no quarto uma faca de combate, armas semelhantes às das animações a que o jovem tanto dará atenção.
Teve 20 a Matemática e era um aluno brilhante. Na escola perceberam logo que era ele
As autoridades acabariam por anunciar a detenção horas depois, ao início da noite desta quinta-feira. A informação funcionou como um rastilho e depressa chegou à aldeia onde o jovem nasceu. Tudo apontava para que fosse o jovem, visto por todos como um menino tímido, com um possível distúrbio, mas ao mesmo tempo tão inteligente que não socializava com ninguém. Um familiar disse mesmo ao Observador que quase só os pais o percebiam, dadas as dificuldades que tinha em expressar-se.
Todos o conheciam de vista, mas poucos o conheciam bem. Passava muitas horas no computador, tinha notas excelentes — há quem fale num 20 num exame de Matemática. Um jovem que contrastava com o irmão mais velho, que na escola nunca teve notas tão boas, mas que era bem mais sociável, disse o mesmo familiar. “Não sei o que se lhe passou pela cabeça”, interroga agora a mesma fonte, que insiste que o rapaz não fazia mal a ninguém.
A notícia deixou a aldeia em choque. O padre da paróquia, ao Observador, conta mesmo que estas “são questões muito particulares que afetam a comunidade”. Apesar de haver uma associação na terra, onde nem o jovem nem a sua família tinham grande participação, recorda-se de que completou o seu percurso na catequese. “Como é muito inteligente, pensa mais à frente que os outros jovens e não se integra. Autoexclui-se”, afirma o pároco.
Também na Escola da Batalha, onde o jovem fez o seu percurso escolar e chegou a integrar o quadro de honra, há quem diga que a surpresa não foi assim tanta. “Assim que disseram que era daqui da escola, eu vi logo que era ele”, confessa uma funcionária do café mais próximo, onde muitos alunos vão almoçar e comprar gomas. Antes de entrar na faculdade, também o jovem agora detido por suspeitas de terrorismo ali ia. “Percebia-se que não era um jovem normal. Mas nunca deu problemas”, atesta a companheira de balcão.
Na escola há também quem relate que ele tinha já um discurso violento, mas há também quem tivesse visto outra realidade. “Eu acho que ele era vítima de bullying por ser assim. Mas tirava altas notas”, diz um aluno que vinha de autocarro com ele muitas vezes da aldeia que fica a cerca de vinte quilómetros da escola. Apesar do contacto diário, desconhece muitas das obsessões agora noticiadas.
Andou na catequese e era raro ser visto na rua. Não socializava
Esta sexta-feira à tarde, soava mais um toque de saída na escola. Era uma tarde aparentemente normal — os alunos saiam a passo apressado indiferentes à câmara de televisão que desde a manhã filmava a fachada da escola. Ninguém da direção saiu falar sobre o rapaz de 18 anos que ali estudou até julho, e que agora está indiciado de terrorismo por alegadamente ter planeado um ataque à Faculdade de Ciências de Lisboa — onde era caloiro do curso de Engenharia Informática. Até que uma professora não se contém e quebra o silêncio. “Eu fui diretora de turma dele, mas não vou falar porque tinha um grande carinho por ele”, atira. Mas acaba por falar.
Segundo a docente, o aluno tinha um diagnóstico de Síndrome de Asperger, considerada uma Perturbação do Espetro do Autismo, e tinha todo o acompanhamento da escola. “Era um menino sobredotado, super inteligente. Mas estas crianças são assim porque memorizam tudo”, explicou, daí as suas notas a Matemática. Socialmente tinha grandes dificuldades. “Se havia muitas pessoas à volta ele queixava-se do barulho”, conta, descrevendo-o como um rapaz meigo, incapaz “de fazer mal a alguém”. “Ele é tão descoordenado, mal sabia chutar uma bola, como é que ele ia fazer uma coisa destas?”, indigna-se, rematando: “Em Portugal temos que olhar para a saúde mental!”.
A professora conhecia o interesse do jovem por Anime, mas desconhecia a sua incursão nos últimos meses pela darkweb. Muito menos como passou os últimos dois anos, em que parte do ensino foi feito à distância “De certeza que se viu sozinho numa cidade como Lisboa, numa universidade onde não conseguiu integrar-se e os fantasmas que tinha na cabeça aumentaram. O maior terrorismo está dentro da cabeça dele. Ele é ingénuo”. Uma descrição de ingenuidade que não corresponde ao rasto digital que o suspeito deixou na internet e que fez soar os alarmes no outro lado do Atlântico.
Um familiar explicou ao Observador que a família foi ainda mais surpreendida porque há duas ou três semanas a mãe tinha ido limpar o quarto dele em Lisboa e nada encontrou. Segundo o que a PJ apurou, o material foi comprado depois, dias antes da sua mensagem a dar conta de um plano, que seria o ataque à faculdade onde entrou (apesar de a sua vontade ter sido a de entrar para o Instituto Superior Técnico).
O Observador sabe que ainda há três anos a PJ teve um caso semelhante em mãos. Mas ao chegar ao local percebeu que nada estaria a ser preparado e que o suspeito precisava apenas de acompanhamento psiquiátrico. Acabou por lhe ser interditado o acesso ao computador e à internet durante algum tempo. Aliás este jovem, confirmou o Observador, já relatou este episódio no seu perfil de Facebook. Neste caso, diz fonte da PJ, os contornos eram bem diferentes dos atos preparativos agora encontrados.
Se nada disto tivesse acontecido, esta sexta-feira seria o dia em que o jovem de 18 anos iria apanhar o autocarro para passar o fim de semana com a família na aldeia. Acabou por ser presente a um juiz, acompanhado de um advogado contratado pela família que promete juntar ao processo relatórios que revertam aquela que foi a medida de coação aplicada pelo tribunal: prisão preventiva.