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Popularidade de Bolsonaro está em queda, mas ainda lhe permite ter apoio suficiente no Congresso

Getty Images

Popularidade de Bolsonaro está em queda, mas ainda lhe permite ter apoio suficiente no Congresso

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O super impeachment, o apoio do “centrão” e as revelações que estão por vir. Um jogo perigoso para Bolsonaro

Super impeachment inédito está condenado ao fracasso, mas pode abrir brechas no apoio ao Presidente. Próximos capítulos da CPI e pulsação das ruas serão fatores decisivos para o futuro de Bolsonaro.

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“Não vai ser com mentiras ou com a CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito], integrada por sete bandidos, que vão nos tirar daqui.” Enquanto surgem novas informações sobre o escândalo Covaxin, Jair Bolsonaro continua a disparar em todas as direções para se agarrar ao poder. Contudo, a pressão é cada vez maior, e começa a ganhar forma uma aliança entre a oposição e antigos bolsonaristas, como comprova o pedido de super impeachment que foi entregue na quarta-feira na Câmara dos Deputados. Um processo inédito, pela sua dimensão e pela diversidade de partidos e movimentos sociais que o subscreveram, que, embora condenado a fracassar, pode ser um primeiro passo que poderá levar à queda de Bolsonaro.

Durante o atual mandato, já chegaram à Câmara dos Deputados mais de 120 pedidos de impeachment contra o Presidente brasileiro, a esmagadora maioria ainda a aguardar a avaliação de Arthur Lira, presidente da câmara baixa do Congresso, a quem cabe a tarefa de dar seguimento ao processo. A grande novidade no super impeachment é o facto de juntar não só partidos e movimentos de esquerda e do centro, mas também antigos apoiantes fervorosos de Bolsonaro. Neste último grupo, incluem-se, por exemplo, Alexandre Frota , o deputado e ator brasileiro que fez furor em Portugal ao ficar em segundo lugar no reality show Quinta das Celebridades, e Joice Hasselmann, antiga líder do governo no Congresso, além do Movimento Brasil Livre, que teve um papel decisivo para afastar Dilma Rousseff em 2016 e que deu um apoio ao atual Presidente em 2018.

O super impeachment — que, no fundo, junta todas as queixas dos mais de 120 pedidos anteriores e acrescenta a acusação de prevaricação no escândalo da vacina indiana Covaxin — acusa Bolsonaro de 23 crimes de responsabilidade, entre eles o incitamento de militares à desobediência, gestão danosa da pandemia de Covid-19 ou ameaças ao Supremo Tribunal e ao Congresso. Mas, apesar de juntar várias forças políticas e da gravidade das acusações, a destituição de Bolsonaro está bloqueada por apoios decisivos que o Presidente ainda mantém.

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“O apoio a Bolsonaro precisa de cair mais, talvez para metade do patamar atual, para que, como consequência disso, Bolsonaro perca uma parte do apoio que tem no Congresso. Sem essas duas coisas, esse pedido [de impeachment] não tem chance nenhuma de prosperar”, afirma ao Observador Pablo Ortellado, professor de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo. “Neste momento, a possibilidade de sucesso do [impeachment] é muito pequena. Isso não quer dizer que continue assim para sempre. O facto de forças muito amplas da sociedade e políticos de esquerda e de direita o terem apoiado pode ser um elemento de desgaste que contribua para que as condições apareçam num futuro próximo”, realça o analista político.

"Na realidade o impeachment como ação política a gente não faz com discurso, a gente faz com materialidade”
Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, rejeitando dar seguimento ao super impeachment

Apesar de a popularidade (e também as intenções de voto) de Bolsonaro estar a cair a pique, nomeadamente devido à gestão da pandemia e ao desenrolar da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga agora possíveis casos de corrupção dentro do governo, o Presidente brasileiro, de acordo com as sondagens, mantém uma aprovação entre os 25% e os 30%, sinal de que há uma base intransigente no seu apoio.

A dependência do “centrão”

Além disso, Bolsonaro tem, para já, o apoio firme do chamado “centrão”, um grupo de partidos que não é propriamente de centro, mas que apoia o Presidente em troca de cargos no governo ou verbas para as suas bases eleitorais, o que impede que o processo se concretize.

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Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, é aliado de Bolsonaro e tem bloqueado o avanço dos pedidos de impeachment

Bloomberg via Getty Images

O rosto desse “centrão” é nada mais nada menos do que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que foi eleito para o cargo em fevereiro deste ano, com o apoio de Bolsonaro. Ora, se dúvidas houvesse sobre a viabilidade do super impeachment, Lira fez questão de as esclarecer logo na quarta-feira.

“Depoimentos quem tem que apurar é a CPI. É para isso que ela existe. Então ao final dela a gente se posiciona aqui, porque na realidade o impeachment como ação política a gente não faz com discurso, a gente faz com materialidade”, afirmou Arthur Lira, citado pela Folha de S. Paulo, ironizando ao afirmar que “tem 120 na fila”, referindo-se aos processos que estão parados na sua gaveta.

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Caso Arthur Lira viesse a dar seguimento ao super impeachment, seriam necessários pelo menos três quintos dos votos favoráveis dos deputados (342 em 513) para que o processo seguisse para o Senado, que, por maioria simples, decide se há ou não julgamento. A confirmar-se a fase final, são necessários dois terços dos votos dos senadores (54 de 81) para que o Presidente seja afastado do cargo e substituído pelo seu “vice”, neste caso, o general na reserva Hamilton Mourão.

"Quanto mais o Presidente tem popularidade, mais barato é o apoio do ‘centrão’ e quanto mais o Presidente perde popularidade e mais fraco estiver, mais caro vai ser esse apoio”
Graziella Testa, doutorada em Ciência Política e professora da a Fundação Getúlio Vargas

Tendo em conta a quantidade de votos necessários no Congresso para que um pedido de destituição se concretize e o apoio que Bolsonaro tem do “centrão” — que tem vindo a ganhar protagonismo até no governo — parece tudo resolvido. No entanto, se há coisa que a política brasileira nos tem ensinado, é que tudo pode mudar do dia para a noite, e os deputados do “centrão”, de olhos postos na reeleição no próximo ano, sabem-no melhor que ninguém.

“O cálculo do ‘centrão’ é se consegue o apoio para se reeleger ou se é o Presidente que precisa do seu apoio para se reeleger. Quanto mais o Presidente tem popularidade, mais barato é o apoio do ‘centrão’ e quanto mais o Presidente perde popularidade e mais fraco estiver, mais caro vai ser esse apoio”, diz ao Observador Graziella Testa, doutorada em Ciência Política e professora da a Fundação Getúlio Vargas, notando que o próprio Arthur Lira, eleito apenas há cinco meses, não é exceção. “Arthur Lira vai ser muito sensível ao que está a acontecer na sociedade, em como isso se reflete ou não no apoio a Bolsonaro”, garante.

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Na política brasileira, é habitual aliados se tornarem rivais, e até carrascos. Basta recuarmos até ao final de 2015, quando se iniciou o processo de destituição que viria a afastar Dilma Rousseff. Na altura, o procedimento começou precisamente com a “traição” de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados — cargo agora ocupado por Arthur Lira — à Presidente do PT, levando a que o “vice” Michel Temer ascendesse ao poder.

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Dilma Rousseff é um dos dos dois casos de impeachment no Brasil desde o final da ditadura militar. Após uma vaga de grandes manifestações, e numa altura em que o país vivia no calor da Operação Lava Jato, a sucessora de Lula da Silva foi perdendo popularidade e viu-se suspeita de participar em esquemas de corrupção (nunca comprovados), tendo sido acusada de “pedaladas fiscais”, isto é, uma prática que consiste no atraso do envio de dinheiro destinado a bancos e municípios num determinado ano para dar uma aparência de contas federais mais sãs. Após um processo que durou praticamente nove meses, o impeachment concretizou-se a 31 de agosto de 2016, e Michel Temer subiu ao poder.

O outro caso de impeachment na história brasileira data de 1992 e refere-se a Fernando Collor de Mello, envolvido em escândalos de corrupção, que acabaria por demitir-se antes da votação final no Senado.

“Nos impeachment de Dilma Rousseff e de Fernando Collor, a popularidade dos presidentes estava muito mais baixa do que está a acontecer agora com o Presidente Jair Bolsonaro"
Graziella Testa, politóloga

Os pedidos de impeachment são comuns no Brasil, e não faltaram as tentativas para afastar os últimos cinco ocupantes do Planalto, embora Bolsonaro bata todos os recordes, com 123 pedidos até ao momento. Quanto aos seus antecessores, de acordo com a Agência Pública, Michel Temer foi alvo de 31 pedidos de impeachment, Dilma Rousseff de 68, Lula da Silva de 37 e Fernando Henrique Cardoso de 24.

A situação que hoje Bolsonaro vive parece mais semelhante à que enfrentou Michel Temer, que sempre conseguiu os apoios necessários para evitar o avanço da destituição. Além disso, a rejeição a Bolsonaro ainda está longe dos valores registados durante as presidências de Collor ou de Dilma que, quando saíram do cargo, tinham uma aprovação inferior a 10%.

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“Nos impeachment de Dilma Rousseff e de Fernando Collor, a popularidade dos presidentes estava muito mais baixa do que está a acontecer agora com o Presidente Jair Bolsonaro. Vamos ver se o escândalo de corrupção vai mexer no apoio”, reitera a politóloga Graziella Testa, referindo-se às investigações em curso sobre a Covaxin.

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Os próximos passos da CPI serão, portanto, decisivos para o futuro de Bolsonaro e, conforme escreve a Folha de S. Paulo, o Planalto está a tentar blindar o Presidente brasileiro, com grandes dificuldades em gerir os escândalos em que o seu governo e figuras próximas de si têm sido envolvidas.

Bolsonaro tentou conter os danos causados com o caso Covaxin — a vacina indiana que seria comprada a um valor dez vezes superior ao estipulado e através de um intermediário, a Precisa Medicamentos, caso único em todas as vacinas compradas pelo executivo — e demitiu o diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, que alegadamente terá pedido um suborno de um dólar (0,84 cêntimos de euros) em troca de um contrato com o governo.

"Não vai ser com mentiras ou com a CPI, integrada por sete bandidos, que vão nos tirar daqui (...) Temos uma missão pela frente: conduzir o destino da nossa nação e zelar pelo bem-estar e pelo progresso do nosso povo”
Jair Bolsonaro

Quem continua em funções, no entanto, é Ricardo Barros, líder do governo na Câmara dos Deputados, e considerado suspeito de ser o mentor das supostas irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin. Acresce que o deputado federal Luís Miranda, irmão de um funcionário do Ministério da Saúde, acusa de Bolsonaro de estar a par de todas as irregularidades no contrato e de não o ter comunicado à Polícia Federal, o que poderá constituir um crime de prevaricação.

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Bolsonaro tem rejeitado as acusações e garante que está firme no poder. No entanto, o apoio ao Presidente, tanto entre eleitores como no próprio Congresso, poderá estar dependente das próximas revelações que surjam sobre este caso.

“Se há coisa que afeta a popularidade de um presidente é os escândalos de corrupção. No caso do Presidente Jair Bolsonaro, talvez seja um bocado mais grave, porque uma das principais bandeiras da eleição dele foi a moralidade e o fim da corrupção”, sublinha Graziella Testa. “À medida que a CPI avançar e dependendo que possa aparecer daqui em diante, é muito provável que partidos de direita e do ‘centrão’ possam unir-se a esse grupo que vai contra o Presidente Jair Bolsonaro”, acrescenta a professora da Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas.

Na lista do super pedido de impeachment, além de aparecerem organizações e alguns deputados de direita, é notória a ausência dos principais partidos de centro e de centro-direita brasileiros, como o MDB, o PSDB e o PSD, que, apesar das críticas a Bolsonaro, sentem que ainda não chegou o momento para concretizar o impeachment.

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Há, no entanto, algumas vozes que começam a dar sinais nesse sentido, como é o caso do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso (do PSDB) que, numa entrevista na semana passada à CNN Brasil, disse que não sentia ainda um ambiente para o impeachment, mas que Bolsonaro estava “arriscando” ir por esse caminho. Outra voz que se levantou foi a do presidente do PSD, Gilberto Kassab, considerado uma bússola da política nacional, que, em entrevista à Folha, disse que “não se pode banalizar o impeachment, é preciso ter cuidado. A base governista é grande e não pode ser menosprezada também. Mas quando é inevitável, é inevitável”.

As pressões do centro e o desinteresse de Lula pelo impeachment

Nestes cálculos, claro, estão as eleições presidenciais do próximo ano, numa altura em que as sondagens dão uma vantagem clara ao ex-Presidente Lula da Silva e uma tendência de queda de Jair Bolsonaro. O centro político não vislumbra, para já, um candidato forte o suficiente para se intrometer nesta batalha, mas um hipotético impeachment poderia mudar as contas.

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“As forças do centro político precisam de um candidato viável e se Bolsonaro sofrer impeachment, pode surgir uma terceira via. Isso abriria espaço político para um candidato que não fosse Bolsonaro e Lula”, afirma o analista político Pablo Ortellado.

"Lula não tem nenhum interesse no impeachment. Por um lado, não pode ser contra, porque é uma causa da esquerda, daí não ser abertamente contrário, mas, por outro não faz grande esforço”
Pablo Ortellado, professor de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo.

Neste momento, os candidatos apontados como possíveis adversários de Lula e Bolsonaro são Ciro Gomes, no centro-esquerda, e João Doria, no centro-direita, mas ambos não estão a conseguir descolar nas sondagens. Se Bolsonaro estivesse fora da corrida, outros nomes poderiam surgir e mudar o tabuleiro político. Quem também está preocupado com esta hipótese é Lula da Silva, que está a apostar numa abordagem moderada para conquistar eleitorado, e que poderá ser desafiado por um candidato capaz de agarrar eleitores de centro, além do eleitorado de direita.

“Um impeachment abriria uma terceira via e, além disso, o processo de impeachment precisa de ter uma mobilização nacional, o pode fazer surgir novas forças políticas que atrapalhem Lula da Silva, que está em primeiro lugar nas sondagens”, reitera Ortellado.

“Parabenizo as forças de oposição ao Bolsonaro e os movimentos sociais que conseguiram unificar os mais de 120 pedidos de impeachment p[a]ra pressionar o Lira"
Lula da Silva

Para o analista político, apesar de o impeachment estar oficialmente a ser defendido pelo PT, a verdadeira intenção do partido e de Lula é apostar no desgaste de Bolsonaro, neutralizando o aparecimento de outros candidatos. “Lula não tem nenhum interesse no impeachment. Por um lado, não pode ser contra, porque é uma causa da esquerda, daí não ser abertamente contrário, mas, por outro, não faz grande esforço”, afirma o professor de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo. “Para Lula, que está disparado nas sondagens, o melhor é deixar tudo como está, apostando no desgaste natural. Nesse sentido, tanto Bolsonaro como Lula têm interesse comum”, conclui.

Prova disso é que Lula da Silva não tem falado muito sobre o assunto, tendo deixado apenas uma mensagem seca no Twitter. “Parabenizo as forças de oposição ao Bolsonaro e os movimentos sociais que conseguiram unificar os mais de 120 pedidos de impeachment p[a]ra pressionar o Lira. Espero que as manifestações de rua convençam o presidente da Câmara a colocar em votação”, escreveu o ex-Presidente.

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Anadolu Agency via Getty Images

Não obstante, uma parte significativa das bases dos apoiantes de Lula estão mobilizadas contra Bolsonaro, e anteveem-se grandes manifestações neste sábado contra o Presidente brasileiro. Para já, as ruas estão entregues à esquerda, mas aos poucos começa a haver indícios de que também a direita — e particularmente o Movimento Brasil Livre e o Vem pra Rua — vai começar a sair em força para aumentar a pressão sobre Bolsonaro. A dimensão das próximas manifestações e a forma como isso se for interpretado pelo Congresso poderá ditar o futuro político do Presidente brasileiro, que terá um longo ano pela frente.

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