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Nas coleções dos museus e monumentos portugueses não existem apenas pinturas, esculturas ou vestígios arqueológicos aos quais estamos mais ou menos habituados. Há muito mais para descobrir. E algumas das peças são, no mínimo, estranhas. Na semana em que se assinalam o Dia (18 de maio) e a Noite dos Museus (20 de maio), reunimos objetos peculiares que se encontram em exposição.

Mosteiro de Santa Clara-a-Velha (Coimbra)

“Limpa-unhas” e/ou “palito de dentes”

© Mosteiro de Santa Clara-a-Velha

Fundado no final do século XIII, o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, é sobretudo conhecido pela sua ligação à Rainha Santa Isabel, que o patrocinou generosamente desde a sua criação. Foi, aliás, para este mosteiro de monjas clarissas que a rainha-santa se retirou depois da morte do rei D. Dinis, em 1325, acabando por aí morrer, em 1336. Com a subida das águas do Mondego, que causavam constantes inundações no mosteiro, foi necessário construir um novo edifício. As obras do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, como foi batizado, arrancaram em 1649 e terminaram algumas décadas mais tarde. Foi para aí que os restos de Isabel foram trasladados, em finais do século XVII.

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Apesar de profundamente danificado pelas cheias (que continuam até hoje), o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha tem vindo a ser alvo de obras de revalorização que, aos poucos, foram revelando um manancial vasto de vestígios arqueológicos. Por esse motivo, o espaço inclui hoje um Centro Interpretativo, que pretende dar a conhecer ao público algumas dessas descobertas e também um pouco da história do mosteiro.

Dos muitos objetos que compõem a exposição permanente do Centro Interpretativo, intitulada Freiras e donas de Santa Clara: arqueologia da clausura, há um que se destaca pela sua estranheza. Conhecido como “limpa-unhas” e/ou “palito de dentes”, o pequeno artigo de higiene pessoal (tem apenas 3,5 centímetros de comprimento) servia para isso mesmo: para limpar as unhas ou os dentes. Feito de prata dourada e decorado com uma figa, o objeto tem uma pequena argola na extremidade que permitia às clarissas trazê-lo sempre ao pescoço ou à cintura.

Datável do século XVI ou XVII, foi descoberto durante as escavações arqueológicas realizadas no claustro do Mosteiro de Santa Clara, em 1997.

Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, pode ser visitado de terça a domingo, entre as 10h e as 19h. Os bilhetes custam 10 euros (crianças até aos dez anos não pagam).

Museu Municipal de Loulé (Loulé)

Penico do século XV

© Museu Municipal de Loulé

Fundado a 25 de maio de 1995, o Museu Municipal de Loulé tem uma coleção vasta e variada de materiais que vão desde a pré-história à atualidade. São perto de sete mil objetos que, desde os anos 30, foram recolhidos em escavações arqueológicas ou por meio de doações. Um deles é um penico, datado do século XV ou XVI.

O objeto, que costumava ser o número um do antigo inventário deste museu, de forma cilíndrica e base plana, é muito diferente dos bacios dos tempos modernos. Feito em barro, com um superfície vidrada e castanha, foi descoberto em 1986, em escavações arqueológicas realizadas no Castelo de Loulé.

O Museu Municipal de Loulé pode ser visitado de terça a sábado (fecha aos domingos e segundas-feiras) entre as 10h e as 18h. Aos sábados encerra às 16h30 (horário de verão, de junho a setembro). No inverno (de outubro a maio), o horário é diferente — está aberto das 9h30 às 17h30, de terça a sexta, e ao sábado encerra às 16h. Os bilhetes custam 1,62 euros (crianças até aos 12 anos não pagam).

Palácio Nacional de Mafra (Mafra)

Seringa para clisteres

© Palácio Nacional de Mafra

Mandado construir por D. João V em 1717 para cumprir um voto de sucessão, o Palácio Nacional de Mafra é o mais importante monumento do barroco português. Em pedra lioz da região, ocupa 38 mil metros, tem 1.200 divisões, quase cinco mil portas e janelas, e perto de 500 escadas. Nele funcionaram um Paço Real, uma Basílica e um Convento, onde existia uma enfermaria ampla destinada aos doentes mais graves. Assistidos por frades-enfermeiros, estes recebiam uma visita diária do médico ou do sangrador, que afixavam a receita medica sobre a cama para que o doente soubesse se o enfermeiro a seguia à risca ou não. As camas ficavam viradas para o altar, instalado ao fundo da sala, para que os enfermos pudessem assistir à missa. A escada que vai dar ao Campo Santo era usada para retirar os defuntos.

A enfermaria é, ainda hoje, um dos espaços mais curiosos do palácio. E é aí que se encontra uma das peças mais estranhas da coleção do Palácio de Mafra — uma seringa para clisteres do século XVIII. Naquela altura, os clisteres eram um dos métodos de tratamento (a par das sangrias, dos vomitórios ou das sanguessugas) usados para fazer “sair” as doenças do corpo.

Eis um exemplo de um “clister caminativo” do século XVIII:

  • “Devem-se fazer cozimentos com flores de marcela e de meliloto — de cada coisa uma mão cheia;
  • Semente de coentros, de anis e de zimbro amachucadas — de cada uma duas oitavas e outro tanto de raiz contra veneno;
  • Ajunta-se-lhe ordinariamente três onças de mel mercurial
  • E duas onças de marcelas ou de endros.”

O Palácio Nacional de Mafra pode ser visitado de quarta a segunda, entre as 9h30 e as 17h30. Os bilhetes custam 6 euros (crianças até aos 12 anos não pagam).

Museu Nacional dos Coches (Lisboa)

Estafermo

© Museu Nacional dos Coches

O Museu Nacional dos Coches, em Lisboa, é conhecido por ter uma das mais importantes coleções de antigas viaturas de gala e de passeio do mundo. Com coches construídos entre os séculos XVII e XIX, o espólio do museu é composto principalmente por veículos que pertenciam à Coroa ou que eram propriedade particular da Casa Real. Um dos mais famosos é o chamado “Coche dos Oceanos”, que fez parte da embaixada enviada por D. João V ao Vaticano, em 1716. Mas nem só de veículos se faz a coleção do museu. No Salão Nobre do Picadeiro, no antigo edifício, encontra-se em exposição uma estátua do Estafermo, peça utilizada num dos vários Jogos Equestres que ocorreram nesse espaço.

A figura giratória do século XVIII, feita em madeira, representa um mouro com um escuro e um chicote e era usada na Corrida ao Estafermo. Nesta, o cavaleiro tinha de atingir o escudo com uma lança de torneio (com uma botana na extremidade e forrada de camurça) de modo a fazer girar a estátua, procurando depois desviar-se do boneco o mais rapidamente possível evitando ser atingido pelo chicote. Este jogo, que também fazia parte de algumas celebrações populares ao ar livre, é ainda hoje realizado em certas regiões da Itália. Acredita-se que é daí que vem o termo estafermo, uma vez que havia sempre alguém que gritava sta fermo! (“está parado!”) quando a estátua já tinha parado de girar e era seguro continuar a jogar.

O Museu Nacional dos Coches pode ser visitado de terça a domingo, entre as 10h e as 18h. Os bilhetes para o espaço museológico custam 6 euros e para o Picadeiro Real 4 euros.

Museu Nacional de História Natural e da Ciência (Lisboa)

Instrumentos de um curandeiro moçambicano

© Museu Nacional de História Natural e da Ciência – Universidade de Lisboa

O Museu Nacional de História Natural e da Ciência, no Príncipe Real, tem um acervo de quase um milhão de exemplares, onde se incluem importantes coleções científicas, de História Natural (abrangendo a Botânica, Mineralogia, Paleontologia, Zoologia e Antropologia) e instrumentos. A maioria das peças fazem parte do espólio do museu, que está sob a alçada da Universidade de Lisboa, há vários anos, mas as mais estranhas entraram apenas recentemente — tratam-se de um conjunto de instrumentos de culto e de adivinhação que pertenceram a um curandeiro moçambicano de Marracuene, conhecido por Ñanga da Matola.

Os instrumentos (que incluem um Tinhlolo, um conjunto de búzios, paus ou ossos que era deitado pelo feiticeiro para adivinhar o futuro ou para fazer o diagnóstico de doenças) chegaram a Portugal pelas mãos do antropólogo Joaquim Santos Júnior, chefe da 6ª Campanha da Missão Antropológica de Moçambique da Junta de Investigação do Ultramar, e fazem hoje parte do acervo do Instituto de Investigação Científica Tropical que, em 2015, passou a integrar a Universidade de Lisboa.

Estes foram apreendidos a Artur Murimo Mafumo, o Ñanga da Matola, em dezembro de 1955, quando este se encontrava preso em Marracuene, a norte de Lourenço Marques (atual Maputo). Depois de cuidadosamente guardados, foram transportados para Portugal por Joaquim Santos Júnior, no ano seguinte. Até este ano, os objetos nunca tinham abandonado o interior do Instituto de Investigação Científica Tropical. Até 31 de dezembro de 2018, podem ser visitados no Museu Nacional de História Natural, no âmbito da exposição Plantas e Povos.

O Museu Nacional de História Natural e de Ciência pode ser visitado de terça a sexta, entre as 10h e as 17h, e aos fins de semana, entre as 11h e as 18h. Os bilhetes custam 5 euros (crianças até aos seis anos não pagam).

Ruínas de Conimbriga (Coimbra)

Telha romana com uma inscrição (muito) insultuosa

© Museu Monográfico de Coimbra

No local onde floresceu a cidade de Coimbra, existiu em tempos um povoado romano conhecido por Conimbriga. Tudo aponta para que esta cidade tenha sido habitada até antes das chegada dos romanos no século I a.C., entre os séculos IX a.C. e VII d.C., tendo sido rapidamente romanizada graças à paz recentemente estabelecida na Lusitânia. Cidade prospera, Conimbriga acabou por ser abandonada na sequência da crise política e administrativa que se abateu sobre o Império Romano depois das invasões bárbaras do século V (que acabariam inclusivamente por levar à queda do Império Romano do Ocidente). A localidade chegou a ser alvo do saque dos Suevos, que a capturaram entre 465 e 468.

No local onde podem ser visitadas as ruínas da antiga cidade romana, existe desde 1962 um museu exclusivamente dedicado ao sítio arqueológico em que está inserido. É aí que pode ser visto aquela que é, provavelmente, a peça mais peculiar do espólio das Ruínas de Conimbriga — uma tegula (uma telha plana, tipicamente romana), onde alguém (provavelmente o operário que a fez) escreveu com o dedo sobre a argila ainda fresca uma inscrição insultuosa.

Dirigida a um indivíduo de nome Duatius (que, possivelmente, seria o capataz da oficina onde a telha foi produzida) — que surge referido numa outra inscrição onde se lê Tolle me Duatius, algo como, “Tem dó de mim Duatius” ou “Ajuda-me Duatius –, esta diz, em mau latim, Duatius tacim filiu felate. A injúria, de cariz sexual, não é nada simpática, e pode-se traduzir por algo como “Cala-te Duatius o teu filho é que te a chupa”.

Como se sabe, insultos desta ordem era muito comuns na Roma Antiga, tendo chegado até nós vários exemplos disso mesmo (alguns deles podem ser encontrados em Pompeia). A popularidade dos palavrões entre os romanos era tal que muitos dos que fazem parte do léxico da língua portuguesa (e de outras) são de origem latina.

A tegula foi encontrada durante as escavações realizadas em Conimbriga em 1969 e faz parte da exposição permanente. Apesar disso, é um dos seus segredos mais bem guardados — o museu, envergonhado, não faz questão de divulgar o texto de que vem acompanhada.

O Museu Monográfico de Conimbriga pode ser visitado todos os dias, entre as 10h e as 19h. Os bilhetes custam 4,50 euros.