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A fase de instrução criminal só existe se um arguido pretender contestar uma acusação formal do Ministério Público. Daí que os argumentos que as defesas da Operação Marquês apresentaram nos requerimentos de abertura sejam o ponto de partida para o juiz Ivo Rosa apreciar o despacho de acusação assinado pelo procurador Rosário Teixeira e mais sete magistrados do Departamento Central de Investigação e Ação Penal.
A maioria dos advogados dos principais acusados avançaram para esta fase do processo com o objetivo principal de derrubarem a Operação Marquês com base em nulidades e alegadas ilegalidades que o Ministério Público (MP) terá cometido na obtenção da prova durante a fase de inquérito. José António Barreiros, defensor de Zeinal Bava, foi um dos advogados que apresentou uma defesa essencialmente focada na prova material, tentando desconstruir os argumentos da acusação e apresentando ao juiz Ivo Rosa uma visão alternativa dos factos.
O Observador recorda os principais argumentos apresentados pelas defesas que já foram resumidos aqui em janeiro de 2019, bem como as melhores frases das alegações apresentadas no debate instrutório que durou quatro meses.
A defesa de Carlos Santos Silva: a maior ameaça à acusação
Defendido juntamente com a sua mulher, Inês do Rosário, por uma criminalista experiente e agressiva (Paula Lourenço), Carlos Santos Silva (o empresário amigo de José Sócrates) é, de longe, o arguido que alega mais nulidades, sendo estas as que parecem representar mais ameaças à acusação. São elas:
- Nulidade da prova obtida em fase de averiguação preventiva, seja pela intromissão na vida privada, seja pela alegada ausência de controlo pelo MP, seja pela alegada não exportação de toda a prova para a fase de inquérito;
- Nulidade pela recolha de prova e formulação de suspeitas antes e sem que tenha sido determinada a instauração de inquérito.
Se o juiz Ivo Rosa reconhecer validade jurídica a estes argumentos, a consequência pode ser a anulação do processo da Operação Marquês devido a um vício insanável na origem do processo, que contaminaria a restante prova.
Porquê? Porque a Operação Marquês nasceu de duas comunicações da Caixa Geral de Depósitos (CGD) no âmbito da lei de combate ao branqueamento de capitais sobre movimentos que beneficiaram José Sócrates e Carlos Santos Silva.
Que movimentos foram esses?
- Uma transferência de 600 mil euros em fevereiro de 2012 da conta de Carlos Santos Silva no BES para uma conta de uma sociedade de Rui Pedro Soares na Caixa Geral de Depósitos. O circuito financeiro apontava para negócios relacionados com futebol;
- Várias operações na CGD que levaram Maria Adelaide Monteiro a transferir 520 mil euros para o seu filho José Sócrates. Esses fundos tinham origem em Carlos Santos Silva por via da compra de vários imóveis nos arredores de Lisboa que pertenciam à herança da mãe do ex-primeiro-ministro. Tudo isto foi comunicado pelo banco público à Unidade de Informação Financeira da PJ, como a lei obriga.
Foram essas comunicações do BES e da CGD, que deram origem a dois processos de averiguação preventiva, que são contestados pela defesa de Carlos Santos Silva.
Que tipo de processos são estes? São processos administrativos que não têm um carácter judicial nem podem ser equiparados a um inquérito criminal. Visam somente avaliar a relevância criminal da informação prestada pela instituição financeira para posterior instauração de um processo-crime tutelado pelo Ministério Público.
O que a advogada Paula Lourenço alega é que foram recolhidas provas (nomeadamente extratos e cheques bancários de contas no BES e na CGD) e formuladas suspeitas concretas contra Carlos Santos Silva fora do âmbito de um inquérito criminal e sem o controlo do titular da ação penal (o Ministério Público). Trata-se de uma mera questão formal.
Daí Paula Lourenço ter requerido ao juiz Ivo Rosa que ordenasse ao Ministério Público a entrega do conteúdo integral dos processos administrativos em causa. Um requerimento que foi deferido por Ivo Rosa e concretizado no dia 4 de janeiro de 2019 pelo procurador Rosário Teixeira, com a entrega de mais de 500 folhas.
Há outra nulidade relevante alegada pela defesa de Carlos Santos Silva: a de irregularidades na obtenção dos documentos do Regime Extraordinário de Regularização Tributária, que permitiu a Carlos Santos Silva fazer regressar a contas que tinha no BES em Portugal os mais de 20 milhões de euros que conseguira reunir na Suíça.
A advogada de Santos Silva contesta ainda a transmissão de prova da Operação Monte Branco (onde Carlos Santos Silva e José Paulo Pinto de Sousa, primo de José Sócrates, foram investigados) para a Operação Marquês e até a realização de escutas telefónicas.
Apontado pela acusação como um puro testa-de-ferro de José Sócrates, Carlos Santos Silva foi acusado de um crime de corrupção ativa de José Sócrates em regime de co-autoria com Joaquim Barroca (ex-vice-presidente do Grupo Lena) e José Ribeiro dos Santos (ex-administrador do Grupo Lena), de um crime de corrupção passiva de titular de cargo político em regime de co-autoria com José Sócrates e de 17 crimes de branqueamento, dez de falsificação de documento, um de fraude fiscal e três de fraude fiscal qualificada, sendo que a esmagadora maioria também são em regime de co-autoria com o ex-primeiro-ministro.
José Sócrates ataca sorteio de Carlos Alexandre para fazer cair processo
O principal arguido da Operação Marquês apresentou um requerimento de abertura de instrução de apenas 12 páginas, concentrando-se igualmente em nulidades formais.
A primeira nulidade alegada pela defesa de Sócrates prende-se com a primeira distribuição dos autos da Operação Marquês no Tribunal Central de Instrução Criminal ao juiz Carlos Alexandre. Os advogados João Araújo (morreu em julho de 2020) e Pedro Delille alegaram no seu requerimento de abertura de instrução que se verificou uma manipulação e viciação das regras aplicáveis e que não se realizou qualquer sorteio mas sim uma distribuição manual.
O objetivo é simples: se o juiz Ivo Rosa desse razão à defesa de Sócrates, todas as decisões tomadas pelo juiz Carlos Alexandre (como a autorização de junção de prova documental, buscas judiciais, escutas telefónicas, etc.) teriam de ser anuladas.
Também a defesa de Armando Vara fez o mesmo tipo de alegações. Por isso mesmo, Sócrates e Vara requereram ao juiz Ivo Rosa a notificação do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça para esclarecer se era possível realizar um sorteio eletrónico em setembro de 2014 e a notificação do Conselho Superior da Magistratura (CSM) para juntar toda a documentação relacionada com a escolha de Carlos Alexandre como juiz de instrução da fase de inquérito.
É importante referir que o CSM esclareceu que a distribuição original do processo não ocorreu em setembro de 2014 mas sim em 2013, sendo a primeira intervenção de Carlos Alexandre datada de setembro de 2013. Acresce ainda que o CSM abriu uma averiguação sumária ao processo de escolha de Carlos Alexandre que foi arquivada por unanimidade por não se ter apurado matéria suscetível de ter implicações de natureza disciplinar. Se o juiz Ivo Rosa der razão à defesa (e tem poderes para isso), contrariará as conclusões do órgão de gestão e disciplinar da magistratura judicial.
Mas há um ponto ganho pelas defesas de Sócrates e de Vara: em dezembro de 2018 o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos de Justiça informou o juiz Ivo Rosa que a distribuição eletrónica poderia ter ocorrido em setembro de 2014, em vez da distribuição manual. Isto porque o crash que ocorreu nessa altura na plataforma informática dos tribunais não afetou o Tribunal Central de Instrução Criminal. Resta saber se esta questão tem relevância para Ivo Rosa, tendo em conta que os autos já tinham sido distribuídos um ano antes, em setembro de 2013.
No debate instrutório, Pedro Delille atacou as provas de alegada corrupção do Grupo Lena (Joaquim Barroca), Grupo Espírito Santo (Ricardo Salgado) e investidores de Vale do Lobo (Hélder Bataglia), invocadas pelo MP.
Por exemplo, sobre o Grupo Lena. Segundo a acusação, o ex-administrador Joaquim Barroca recebeu numa conta da Suíça uma transferência de dois milhões de euros de um cidadão holandês que comprou uma fração no empreendimento Vale do Lobo, naquilo que o MP considera que terá sido um pagamento de alegadas luvas a propósito do financiamento conseguido da Caixa Geral de Depósitos então liderada por Armando Vara. Desse valor um milhão foi para Vara, o outro a acusação acredita que foi parar às mãos do ex-primeiro-ministro.
Pedro Delille reafirma que Sócrates nunca ouviu falar de tal negócio, que desconhece o cidadão holandês e que, ao contrário do que diz o Ministério Público, o ex-primeiro-ministro nunca teve qualquer influência na escolha de Vara para o cargo que ocupava no banco público. “Jamais recebeu quantia alguma do Grupo Lena, Joaquim Barroca ou de Carlos Santos Silva”, disse.
O mesmo em relação ao consórcio Elos, integrado pelo Grupo Lena, para a construção do TGV. O MP diz que uma reunião entre Sócrates, o então ministro do Ambiente, Mário Lino, e o presidente do júri, em outubro de 2009, serviu para combinar uma alteração ao contrato feito para beneficiar o consórcio. No entanto, a defesa lembra que a alteração contratual invocada pela acusação foi feita seis meses antes a essa reunião. “A acusação diz que a ideia era que o contrato fosse chumbado pelo Tribunal de Contas”, lembrou. “É inimaginável que alguém nos queira fazer acreditar que o Governo de José Sócrates a ambição que tinha era que o projeto fosse chumbado pelo Tribunal de Contas”.
Também a alegada ligação entre José Sócrates e o GES de Ricardo Salgado foi rejeitada por Pedro Delille. “José Sócrates nunca foi próximo de Ricardo Salgado. Nunca foi a sua casa, nunca ligou para o seu telemóvel particular, nem o tinha. Desde que saiu do Governo em 2011, Sócrates nunca mais falou com Salgado até 2014, altura em que Salgado lhe ligou por engano”, disse o advogado, afirmando que os poucos contactos que tiveram foram feitos no gabinete do então primeiro-ministro, através de secretárias, e que constam nas agendas entretanto entregues ao processo.
Armando Vara ataca crime de corrupção
Além da aposta central que representa a nulidade da distribuição do processo ao juiz Carlos Alexandre, a defesa de Armando Vara, a cargo dos advogados Tiago Rodrigues Bastos e Filipa Elias, quer igualmente convencer o juiz Ivo Rosa de que existe prova proibida do processo Face Oculta que não pode ser utilizada na Operação Marquês contra Armando Vara, nomeadamente escutas telefónicas.
Vara, que está a cumprir pena de prisão de cinco anos devido a uma condenação no processo Face Oculta por crime de tráfico de influência, foi acusado na Operação Marquês dos seguintes crimes:
- Corrupção passiva de titular de cargo político em co-autoria com José Sócrates a propósito do alegado favorecimento do grupo de investidores de Vale do Lobo na concessão do empréstimo de 284 milhões de euros aprovada em 2007 pela Caixa Geral de Depósitos a troco do pagamento de um milhão de euros;
- Dois crimes de branqueamento de capitais. Um em regime de co-autoria com José Sócrates, Carlos Santos Silva, Diogo Gaspar Ferreira, Rui Horta e Costa e sua filha Bárbara devido à alegada ocultação do milhão de euros que alegadamente terá recebido a título de contrapartida; o segundo crime de branqueamento deve-se à permuta e recompra do imóvel de Bárbara Vara;
- Dois crimes de fraude fiscal qualificada por não ter declarado esse milhão de euros e outros montantes nas suas declarações de IRS entre 2005 e 2008.
A defesa de Vara argumenta que os fundos recebidos por Armando Vara por transferência de Carlos Santos Silva (um milhão de euros) a partir de contas de Joaquim Barroca nada têm a ver com contrapartidas recebidas pela aprovação do crédito de Vale do Lobo e que é irrelevante que Vara tenha feito circular o referido milhão de euros entre várias de contas de sociedades offshore que detinha (como a Vama Holdings, a Walker Holdings e a Orssati). Alegam que, em termos criminais, esses fundos só são uma contrapartida pela corrupção quando os montantes chegam às contas dos alegados corrompidos.
Tiago Rodrigues Bastos argumenta que um dos crimes de branqueamento, o que está relacionado com a casa da sua filha Bárbara, prescreveu em outubro de 2014 e que um dos alegados crimes de fraude fiscal tem de ser eliminado, pois o milhão de euros que Vara recebeu em 2008 só poderia ser declarado em 2009. O MP imputa um crime de fraude fiscal qualificada relativamente ao período de 2005 a 2008 e um segundo crime igual relativamente só a 2008.
Ricardo Salgado pode ser beneficiado mesmo sem ter acusação
O ex-presidente do BES será o segundo arguido mais relevante deste processo. Acusado de ter alegadamente corrompido um ex-primeiro-ministro (José Sócrates) e dois ex-presidentes executivos da Portugal Telecom (Zeinal Bava e Henrique Granadeiro) com o objetivo de recolher benefícios ilícitos para o Grupo Espírito Santo, Ricardo Salgado optou por não contestar formalmente a acusação da equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira.
Não quer isto dizer que Salgado confesse algum crime. Pelo contrário, já que diz no requerimento que apresentou nos autos para justificar a não apresentação do RAI que “não praticou qualquer crime” e que no extenso despacho de acusação só existem “suposições atrás de suposições e presunções sobre presunções.”
Grupo Espírito Santo predador ganhou 8,4 mil milhões de euros com a PT em 14 anos
O mais importante, contudo, é que o ex-presidente do BES poderá ser beneficiado com eventuais decisões do juiz Ivo Rosa. Basta que suceda uma (ou todas) das seguintes situações:
- Se José Sócrates, Zeinal Bava ou Henrique Granadeiro forem absolvidos dos crimes de corrupção passiva, as respetivas acusações contra o corruptor ativo (Ricardo Salgado) também cairão;
- Qualquer nulidade que leve à anulação de provas que sustentam a acusação, desde que as mesmas estejam relacionadas com os crimes imputados a Ricardo Salgado;
- Se o juiz Ivo Rosa decretar a prescrição de algum dos crimes que foram imputados a Ricardo Salgado, isso levará também ao arquivamento dos respetivos crimes.
Além dos crimes de corrupção ativa, Ricardo Salgado está igualmente acusado de nove crimes de branqueamento de capitais em regime de co-autoria com José Sócrates, Carlos Santos Silva e outros arguidos por ter alegadamente ocultado capitais com origem ilícita, de três crimes de abuso de confiança por alegadamente se ter apropriado de fundos do Grupo Espírito Santo (GES), três crimes de fraude fiscal qualificada por alegadamente não ter declarado em sede de IRS todos os rendimentos recebidos do GES e de três crimes de falsificação de documento.
Zeinal Bava ofereceu visão alternativa sobre prova indiciária
A defesa de Zeinal Bava, a cargo do experiente José António Barreiros, atacou a acusação da equipa do procurador Rosário Teixeira com um requerimento de abertura de instrução de 305 páginas que tenta desmontar o caso de forma substantiva, oferecendo outra visão dos factos com recurso a provas indiciárias que deverão ter sido ponderadas pelo juiz Ivo Rosa.
Na prática, Barreiros recusa “a narrativa de um banqueiro corruptor (Ricardo Salgado, presidente do BES), que paga somas de milhões a Henrique Granadeiro e a Zeinal Bava [enquanto dirigentes da PT] e a José Sócrates [enquanto primeiro-ministro] para, durante cinco anos [2006 a 2011] conseguir:
- A derrota de uma OPA lançada pelo grupo SONAE sobre a PT e a Portugal Telecom Multimedia (PTM);
- A separação [spinoff] da PTM relativamente à PT;
- A venda à Telefonica espanhola da participação que a PT tinha na Vivo brasileira e aplicação de parte desse valor na aquisição de uma participação na Oi brasileira;
- A contratação por parte do grupo PT de serviços bancários do BESI, subscrição de títulos de crédito emitidos por empresas do GES [ações e notes BES, títulos ESI e Rioforte]
- E o financiamento a uma empresa alegadamente instrumental do BES, a Ongoing”, lê-se na contestação de Bava.
Zeinal Bava assume ter recebido 25,2 milhões de euros da ES Enterprises, acrescentando que tais valores foram transferidos em três tranches mediante um “convénio, outorgado verbalmente com Ricardo Salgado, em finais de 2006 e reduzido a escrito a 20 de Dezembro de 2010.” Qual o objetivo de tal contrato: a “aquisição pelo arguido ou pela equipa executiva que ele viesse a escolher, no quadro futuro, então previsível, da total privatização da companhia [PT]”, através de uma verba [25,2 milhões de euros] que foi “facultada a título fiduciário porque com cláusula de reembolso em caso de não aplicação, incluindo juros.”
Isto é, o valor de 25,2 milhões de euros nunca foi propriedade ou rendimento de Zeinal Bava nem tal constituiu qualquer pagamento de Ricardo Salgado, diz a defesa. Os fundos pertenciam ao GES e estavam simplesmente na posse de Bava com o objetivo de serem aplicados na compra de ações da PT, caso a empresa fosse privatizada a 100%.
Não tendo sido a privatização a 100% atingida até à data de saída de Zeinal Bava do Grupo PT em 2014, o gestor providenciou a devolução desses fundos ao GES, tendo para o efeito contactado Ricardo Salgado. Apesar dos contactos, não foi possível a devolução dos montantes devido ao avolumar de problemas do próprio Salgado no BES e no GES. Assim, foi o próprio José António Barreiros que tratou diretamente do assunto com a massa falida da Espírito Santo Internacional, holding do GES que detinha formalmente a ES Enterprises, para devolver 18, 5 milhões de euros mais os juros de mora. “O arguido não devolveu a verba de € 6,7M, porquanto aquela segurança jurídica não existiu, mas o arguido não nega efetuá-lo, antes afirmou em auto que o faria assim lhe fosse garantida tal segurança jurídica quanto à entidade legitimamente beneficiária da mesma”, pois a massa falida da ESI colocou essa dúvida, lê-se no texto de José António Barreiros.
Em suma, a defesa de Zeinal Bava entende o seguinte:
- O dinheiro recebido da ES Enterprises não corresponde a nenhum pagamento de ‘luvas’ por parte de Ricardo Salgado. É, pelo contrário, uma aplicação fiduciária que o GES fez em Zeinal Bava e num grupo de gestores da PT (que nunca são identificados) para investir na privatização da PT. Logo, a defesa entende que não há crime de corrupção;
- As transferências foram recebidas com transparência visto que a ES Enterprises foi escolhida por Ricardo Salgado e Zeinal Bava disponibilizou uma conta bancária em nome de uma sociedade offshore que era assumida perante o banco suíço como sendo sua. Logo, não se verificou nenhum crime de branqueamento de capitais;
- Sendo o contrato fiduciário verdadeiro, também não se verifica falsificação de documento;
- E também não há crime de fraude fiscal qualificada porque os 25,2 milhões de euros não são propriedade de Bava, daí não poderem constituir rendimento tributável.
Apesar de não invocar nulidades, nem chamar testemunhas, a defesa de Zeinal Bava não deixa de assinalar algumas questões formais que terão de ser apreciadas pelo juiz Ivo Rosa. O facto de Bava ser acusado de corrupção passiva por ser presidente executivo de uma empresa de serviço público [a PT, SGPS] quando a PT Comunicações (da qual Bava também era administrador) é que prestava tal serviço, é um dos argumentos formais apresentados por José António Barreiros.
O outro prende-se com um argumento igualmente apresentado por Ricardo Salgado: os alegados vírus informáticos que terão corrompido a integridade dos ficheiros que contém as escutas telefónicas do processo.
Granadeiro garante que prova foi obtida de forma ilegal
Com a estratégia de defesa de Henrique Granadeiro, voltamos ao habitual: nulidades. Acusado de ter sido corrompido por Ricardo Salgado para alegadamente beneficiar os interesses do Grupo Espírito Santo (GES) nos negócios da Portugal Telecom (PT), de dois crimes de branqueamento de capitais e de três crimes de fraude fiscal qualificada por alegadamente ter ocultado os capitais que recebeu do GES e de não os ter declarado à Autoridade Tributária, um crime de abuso de confiança e um crime de peculato, o antigo chairman da PT diz que as acusações não têm fundamento.
Granadeiro começa por argumentar que um das provas essenciais reunidas contra si, os extratos bancários das suas contas no banco suíço Pictet que foram enviados para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) pelas autoridades helvéticas por via de um pedido de cooperação internacional judiciária, foram obtidos de forma ilegal. O mesmo acontecendo com os documentos bancários que sustentam a acusação de que foi a sociedade offshore Espírito Santo Enterprises que, por ordens de Ricardo Salgado, transferiu cerca de 25,7 milhões de euros para Granadeiro — documentação que também foi enviada pelo Ministério Público da Suíça para Portugal.
O gestor invoca o alegado facto de não ter sido confrontado com outras provas que foram reunidas contra si durante a fase de inquérito, nem com alguns factos que lhe são imputados na acusação. Daí a nulidade que pede sobre todo o inquérito por terem sido violados os seus direitos de defesa.
Hélder Bataglia defende-se com amnistia em Angola e recusou “delação premiada”
Hélder Bataglia foi acusado de um crime de abuso de confiança, cinco crimes de branqueamento de capitais, dois crimes de fraude fiscal qualificada e dois crimes de falsificação de documento, mas ‘safou-se’ dos crimes de corrupção ativa de José Sócrates e de Armando Vara.
Visto numa primeira leitura como o líder do grupo de investidores de Vale do Lobo, Bataglia conseguiu provar aos olhos do MP de que não estava diretamente envolvido nas negociações com a Caixa Geral de Depósitos — papel que coube a Diogo Gaspar Ferreira e a Rui Horta e Costa. Mesmo na alegada corrupção do ex-primeiro-ministro praticada por Ricardo Salgado, aquele que foi um dos homens mais importantes da área não financeira do Grupo Espírito Santo (GES) testemunhou que tinha transferido 12 milhões de euros para Carlos Santos Silva a pedido de Salgado, mas que desconhecia que os mesmos eram destinados a José Sócrates pelos seus alegados benefícios ao GES.
Durante o debate instrutório, Paula Lourenço, advogada de Carlos Santos Silva, falou em “delação premiada” para se referir à forma como o MP avaliou a prova indiciária de corrupção contra Hélder Bataglia, insinuando que tal só teria acontecido devido às declarações de Hélder Bataglia de que só teria transferido cerca de 15 milhões de euros para as contas de Carlos Santos Silva a pedido de Ricardo Salgado — uma prova relevante nos autos que ligam Salgado a Carlos Santos Silva e a José Sócrates. Rui Patrício, advogado de Hélder Bataglia, refutou tais alusões.
Na ótica de Rui Patrício, também os crimes de branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e de falsificação documento devem ser arquivados, pois tais alegados ilícitos já foram investigados em Angola e devidamente arquivados. Ou seja, não só os supostos crimes não foram praticados em Portugal, mas também porque o empresário não pode ser investigado duas vezes pela mesma situação.
Conclusão: a defesa de Hélder Bataglia requereu ao juiz Ivo Rosa que decrete a nulidade da acusação por a lei e jurisdição penal portuguesa não se aplicar aos factos imputados ao seu cliente.
Resta o crime de abuso de confiança imputado a Hélder Bataglia em regime de co-autoria com Ricardo Salgado e que está relacionado com 2 milhões e 750 mil euros que foram transferidos pela sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises, por alegada ordem de Ricardo Salgado, para Bataglia e que este transferiu em novembro de 2011 através da sua offshore Green Emerald para a Savoices de Salgado. Ilícito que a defesa de Bataglia também assegura que não foi praticado.
Texto alterado e corrigido às 16h15 de 7 de abril sobre a defesa de Zeinal Bava ter ser sido a única a tentar desmontar os factos da Operação Marquês