Os agricultores são ambientalistas? Esta foi a questão que traçou a tarde do dia 19 de novembro onde todos os caminhos foram dar ao Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa. No seminário de apresentação do MAPA – Movimento Ambiente e Produção Alimentar, o destaque foi dado aos profissionais do mundo rural, sublinhando o papel do Agricultor/Produtor como agente ativo na preservação ambiental e numa produção responsável.
Mas afinal, que movimento é este? “Houve quem sonhasse este movimento e devemos dar o devido apreço e o devido agradecimento a quem o fez. A Ordem dos Médicos Veterinários, um dia, lembrou-se de juntar várias entidades, associações, até entidades privadas, que acreditavam que fazia sentido começar a trazer conhecimento. Não era informação, era conhecimento”, começa por dizer Graça Mariano, Porta-Voz do MAPA, acrescentando: “Este movimento foi criado por mais de 30 entidades que estão diretamente ou indiretamente ligadas ao setor de produção agrícola e da criação de animais. Para além disso, temos também entidades que nos apoiam técnico e cientificamente. O MAPA tem um objetivo: comunicar a uma só voz. Mas comunicar o quê? O que nós queremos, de facto, é transmitir mensagens verdadeiramente esclarecedoras. Queremos acabar com o ruído, queremos desmistificar estas ideias que vão sendo criadas nas redes, pré-concebidas, sobre a produção de alimentos, sobre o mundo rural e sobre o seu papel que é tão relevante na preservação do equilibro da natureza e do bem-estar animal”.
Para a porta-voz, ainda existe uma falta de conhecimento sobre aquela que é a realidade de quem produz e cria animais, sendo, cada vez mais, preciso sublinhá-la. “Os criadores de animais são os principais interessados no bem-estar animal. Se não fosse por mais nenhuma razão, seria por esta: se eu não tiver bem-estar animal, não tenho saúde. Acreditamos que os agricultores e os produtores de alimentos, na verdade, são ambientalistas por natureza, são eles que conseguem implementar as boas práticas. São eles que cuidam dos animais, são eles que produzem os alimentos que colocamos na mesa diariamente. Estes profissionais têm um conhecimento multidisciplinar”. Assim, torna-se fundamental envolver a sociedade civil neste debate e providenciar o conhecimento científico necessário para que exista uma mudança de paradigma. “Queremos trazer à luz evidências científicas, sociais e éticas, para justificar esses conceitos e, no fundo, trazer valor a todos aqueles que fazem do mundo rural a sua vida. Queremos humanizar, queremos mostrar quem são estes agricultores, estes produtores de alimentos, quem são estes ambientalistas, o que fazem e como fazem”, reforça.
MAPA: pontos a reter
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- Compromisso: transparência, conhecimento, verdade, credibilidade, ciência;
- Esclarecer. Desmistificar. Envolver a sociedade civil – para fomentar um debate positivo e educativo;
- Porquê? Acredita que os produtores e agricultores são ambientalistas por natureza. Possuem um processo multidisciplinar que lhes permite cumprir as regras que garantem equilíbrio e a sustentabilidade dos sistemas, a segurança dos alimentos e o bem-estar animal;
- Como? Humanizando. Valorizando e destacando, junto da sociedade, todos os que fazem do mundo rural e da produção alimentar uma realidade.
Ao longo da tarde, várias conclusões foram sendo salientadas. Uma delas proveniente da falta de informação: a realidade nem sempre é retratada da forma mais fidedigna e há evidências científicas que contrariam aquilo em que acreditávamos. Por exemplo, na apresentação do livro “Razões para ser omnívoro – Pela tua saúde e pelo Planeta”, Juan Pascual deu a conhecer vários dados que contrariam ideias concebidas até então. Como por exemplo, o facto de o gado reciclar e fertilizar as colheitas do mundo e do mundo precisar de mais carne.
Mas afinal, de que maneira são os Agricultores Ambientalistas? O debate da tarde foi moderado por Paulo Ferreira, Host da Rádio Observador, e teve como oradores Manuel Chaveiro Soares, engenheiro agrónomo, PhD, Susana Fonseca, vice-presidente da Associação Zero, Albano Beja Pereira, professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Gonçalo Rodrigues, professor do ISA e Helena Real, secretária-geral da Associação Portuguesa de Nutrição. Através das intervenções de cada um, foi fácil perceber – é preciso retirar o ponto de interrogação da pergunta e afirmar: “o agricultor é ambientalista. Porque aquilo que é o caminho percorrido por esse agricultor, é sempre feito no sentido não de ser sustentável, mas de ser mais sustentável. No fim do dia, se nós quisermos ser perfeitamente obtusos, nenhum agricultor vai gastar mais pesticida – o cida que for – só porque lhe apetece. Ele vai ser racional, não vai gastar mais do que aquilo que necessariamente teria de gastar. O agricultor hoje não é o agricultor do arado e da enxada, muito pelo contrário, e aquilo que é a sua marca no planeta é que efetivamente tenta deixar o ambiente melhor do que quando o encontrou. Mas lá está, o debate tem sempre de começar por tentarmos contrariar aquilo que são os chavões que normalmente existem, que a agricultura é a origem de outros males. Já estamos muito longe disso”, palavras de Gonçalo Rodrigues, acompanhadas pelas da colega Susana Fonseca, que afirma que neste caminho, onde se tem procurado produzir cada vez mais, nem sempre “se tem em conta outros valores, outras valências, que aquele território também tem. De facto, os agricultores são quem está com a mão na massa, são quem está diariamente a lidar com todos os recursos – a água, o solo, os alimentos que chegam até nós – e portanto, obviamente, é muito importante trabalhar no sentido de os apoiar. Ao nível das políticas públicas, parece-nos que não tem havido a visão de trabalhar o país para esses desafios”.
Uma das ideias muito presentes ao longo de todo o debate, lançada por Albano Pereira, foi a desinformação. Numa era em que as redes sociais representam uma ferramenta de troca de todo o tipo de dados, reforçou-se a importância de aprender a filtrá-los, sublinhando, cada vez mais, a necessidade de se ir em busca de um conhecimento sustentado e de um fomento de uma literacia alimentar. Para os oradores presentes, torna-se claro que um consumidor informado é um consumidor mais consciente na hora de escolher o que quer comer. É, também ele, um decisor.
“É muito importante termos vontade de conhecer a história do alimento que consumimos. Porque quando conhecemos a história, envolvemo-nos nela. Quando conseguimos ir até lá atrás, até ao produtor, percebemos o quão importante ele é. Ele é, provavelmente, o mais importante de toda a cadeia porque se ele não existisse, se ele não produzisse, nós não tínhamos nada para comer”, acrescentou Helena Real, partilhando ainda: “Acho que é importante olharmos para esta importância e responsabilidade do produtor, de uma forma partilhada. Na realidade, todos nós, dentro da cadeia, temos responsabilidades. O consumidor, possivelmente, é aquele que tem mais responsabilidade no meio disto tudo. Costumamos dizer que o consumidor é o decisor político, relativamente àquilo que come, só que muitas vezes não sabe. A verdade é que aquilo que se produz, muitas vezes, tem a ver com aquilo que o consumidor procura. Temos que, enquanto consumidores, enquanto prescritores de alimentos, onde eu me posiciono como nutricionista, ter noção dessa responsabilidade. É muito importante capacitar as pessoas para decisões mais conscientes. Essa capacitação traz responsabilidade não só ao consumidor, mas a todos os elos da cadeia”.
A tarde chegou ao fim com o discurso de encerramento do Secretário de Estado da Agricultura, João Manuel Moura Rodrigues, e com a certeza de que nunca antes a informação e o conhecimento foram armas tão valiosas para uma sociedade que se quer informada e, acima de tudo, bem alimentada. No caminho da sustentabilidade, os agricultores são agentes de mudança e essa mudança passa, também, por dar a conhecer a sua realidade. Sem pontos de interrogação, mas com afirmações.