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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Os irredutíveis gauleses que passaram a Abel e Caim mas atiram ao pódio na Madeira

Élvio tentou almoço com o irmão, mas Filipe mostrou-se sem agenda. Estiveram juntos na procissão, como a função exige, mas longe de entrevistas. A zanga fraterna não abalou a fé do JPP na Madeira.

Chamam-lhes os irredutíveis gauleses. A partir da Gaula, no concelho de Santa Cruz, Filipe e Élvio Sousa começaram a desafiar o jardinismo e fizeram mossa: primeiro conquistaram uma junta, depois uma câmara, fizeram um partido (o Juntos Pelo Povo) e elegeram cinco deputados nas regionais com dois meses de vida. Oito anos depois, Élvio Sousa, novamente candidato na Madeira, puxa pela metáfora do Astérix de Urdezo que o popularizou e diz ao Observador: “Já ando aqui a tomar a poção mágica“. Mas a ameaça que os JPP enfrentam é pior que a formação em tartaruga: vem de dentro. Há uma zanga entre irmãos que pesa que nem um menir e o PSD já o aproveita para transformar a história em tragédia bíblica: chama agora aos “manos” gauleses “Abel e Caim“.

Élvio não perde o sorriso até porque, apesar das brigas familiares, uma sondagem do Jornal da Madeira desta segunda-feira dá o JPP como terceira força nas regionais do próximo domingo. E a crescer. O Observador tenta medir a zanga e propôs-se assistir a um almoço de família entre os dois irmãos. Élvio aceitou, tentou marcar, mas Filipe informou o JPP que não tinha agenda para esse convívio. O almoço tranformou-se em lanche-entrevista a “solo” só com Élvio — com poncha e sandes de gaiado — logo a seguir a uma festa religiosa na Gaula, com procissão incluída. Resultado: Filipe esteve sempre a poucos metros onde o irmão, Élvio, conversava com o Observador, mas nunca se aproximou.

Os dois irmãos Sousa, ambos autarcas, ao centro da fotografia, na procissão

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Élvio aponta para o irmão, a escassos metros, e justifica-se: “O Filipe foge neste momento porque está a representar a câmara”. Sobre a zanga, Élvio atribui os conflitos internos a “toupeiras do PSD que estão a minar a tentar sabotar o JPP”. A procissão deu-lhe jeito para ter uma aproximação pública ao irmão e desvalorizar a zanga: Filipe é presidente da câmara de Santa Cruz e Élvio presidente da assembleia de freguesia da Gaula. “Se estivéssemos zangados não estávamos ali juntos”, justifica. Mas há um pormenor: como autarcas nenhum deles podia falhar uma das mais importantes festas da freguesia que lhes deu uma vida política. E onde nasceram.

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Ainda sobre a guerra familiar, o candidato do JPP diz que às vezes são tomadas “decisões mais emotivas, mas a coisa arrefece, vamos ali ao Porto Novo, tomamos um banho de água salgada e mata a bicharada.” Élvio confessa ainda que ficou “melindrado” por o secretário regional da Agricultura (equivalente a ‘ministro’ no governo regional) os chamar de “Abel e Caim, a dizer que um traiu um outro”. É que Roma, já se sabe, não paga a traidores.

A banda continua a tocar à volta, a vila está em alvoroço e Filipe lá continua a 20 metros, mas sem se aproximar. Élvio prossegue as declarações ao Observador e atira a Miguel Albuquerque por ter puxado pela zanga entre irmãos no debate televisivo entre candidatos na RTP/Madeira. “Ele vai buscar coisas familiares e eu não vou buscar quantas mulheres ele já teve. Ou que porque a mulher viajou com ele à Venezuela à custa do contribuinte. Ou porque os bilhetes foram emitidos nove dias antes do procedimento concursal, que é crime”, atira.

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O candidato do JPP não perde o ânimo e vai explicando que é vizinho do irmão e que não há como se darem mal. E volta a fugir a falar sobre a zanga: “Não vou falar de questões internas”. Afinal, porque se zangaram? Filipe, o irmão mais velho, nunca falou diretamente sobre o assunto, mas tomou uma decisão pública que confirmou a zanga familiar e partidária: demitiu-se de presidente do JPP.

Tudo começou em julho, na formação de listas para estas eleições, quando Filipe Sousa terá sido relegado para 5º lugar da lista do Juntos Pelo Povo às regionais. O presidente da câmara de Santa Cruz termina o mandato em 2025 e poderia assumir o lugar de deputado regional entre 2025 e 2027. Apesar de não ter dito nada publicamente, houve quem falasse por ele: Miguel Alves, que era vogal da direção, também se demitiu e acusou os dirigentes (leia-se, Élvio) de fazerem listas de “traição, conspiração e desprestígio”.

A mulher de Filipe Sousa, igualmente fundadora do partido, também não poupou o cunhado. Célia Mata reivindicou, pelo menos, o segundo lugar da lista para o marido (“nunca o quinto”) e disse mesmo que não ia votar no JPP. A cunhada de Élvio Sousa falou mesmo em “vergonhice descomunal” e confirmou que o marido não aceitou ir na lista por “não aceitar a vergonha que lhe queriam fazer”. Apesar de tudo isto, Élvio mantém o discurso inicial: “Não estamos brigados”.

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Quanto vale o JPP e porque é um alvo do PSD

A zanga não diminuiu as ambições do Juntos Pelo Povo. A sondagem do Jornal da Madeira dá ao JPP uma previsão de 6,7%, cinco deputados no Parlamento regional (recuperando os dois perdidos em 2019) e aponta-os como a terceira força na região — até à frente de um Chega em fulgurante crescimento.

Os Juntos Pelo Povo é particularmente forte no concelho de Santa Cruz, que é liderado pelo irmão mais velho, Filipe, num município em que todas as juntas de freguesia têm as cores do JPP. A Madeira reduziu ligeiramente o número de eleitores, mas o município de Santa Cruz manteve-se estável e, logo a seguir ao Funchal, é o concelho com mais eleitores (39.705), ficando até à frente de Câmara de Lobos (32.402). Em Machico, concelho vizinho, o JPP também particularmente forte e, mesmo nas menos-famosas regionais de 2019, foi a terceira força.

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Quanto a metas, Élvio, que duvida das sondagens, assume que “o objetivo é sempre crescer” e diz ser o partido que lidera no “setor primário, na agricultura, pesca e afins”. As bandeiras do partido, que se diz “sem ideologia, mas de base humanista”, é “realizar um concurso público internacional para movimentação de cargas no Caniçal, um ferry entre a Madeira e o continente, a redução progressiva de impostos, a redução da despesa pública até 20% e a criação de um limite máximo de cinco secretarias para o Governo”.

Num claro ataque ao PSD e aos grupos económicos da ilha, o JPP defende ainda “disciplina nos grupos monopolizantes, a redução de institutos e observatórios utilizados para empregar boys e a limitação de nomeações políticas”.

Sobre ser uma solução de governabilidade no caso de não haver maioria, Élvio Sousa exclui o PSD pelos “vícios de governação”. Quanto a uma coligação pós-eleitoral com o outro bloco (com o PS e os outros partidos à esquerda), o candidato do JPP diz que “logo se verá”. Mas desconfia dos socialistas: “Estão cheios de vícios. Era preciso arranjar uma máquina de lavar para lavá-los bem lavadinhos”. Apesar de ter a ambição de “um dia vir a governar a Madeira”, Élvio diz que o JPP só conta com ele próprio e segue uma máxima: “Vale mais manjar uma côdea de pão em paz, do que estar num banquete em ansiedade”.

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Como os gauleses viraram fenómeno regional

Élvio Sousa diz que não foi o irmão, Filipe, que o convenceu a ser político. “Foi a minha mãe, a consciência crítica dela, mesmo que primeiro ela quisesse que eu fosse para padre”, recorda ao Observador. O candidato do JPP é, na verdade, arqueólogo de profissão, embora nos últimos anos se tenha tornado num político a tempo inteiro.

Na origem do JPP esteve, no entanto, o passado político de Filipe Sousa. O irmão mais velho foi militante do PS até 2007, tendo sido presidente da junta de freguesia de Gaula nos 10 anos anteriores. Dois anos depois, aventura-se então nos movimentos de cidadãos e consegue ser eleito vereador da câmara já como independente — tirando pela primeira vez na história a maioria ao PSD. Nas mesmas autárquicas,  ainda com o movimento percursor do JPP, o Pelo Povo de Gaula, o irmão Élvio torna-se presidente da junta de freguesia de Gaula.

Quatro anos depois, Filipe Sousa é eleito presidente da câmara de Santa Cruz, a segunda maior da Madeira, e vence a autarquia ao PSD. Por esta altura (2013), o grupo de cidadãos recusa-se a ter apenas um número e um nome e apresenta um símbolo. “Os movimentos de cidadãos não têm símbolos, têm numeração romana, e se é romana é algo que gauleses não podem aceitar.”

Em 2015, alguém — o JPP desconfia que foi o PSD-Madeira — tenta promover um partido, “A Voz do Povo”, com um símbolo parecido ao JPP. Élvio foi alertado para isso e acelerou a constituição do JPP como partido, no Tribunal Constitucional. Filipe (que viria a ser o primeiro presidente, em 2015) era contra. “Já tinha estado nos partidos e sabia bem o que a casa gasta”, conta o irmão.

Dois meses depois, o JPP candidata-se a regionais e surpreende tudo e todos: 10,28%, 13.114 votos (só menos 1400 do que o PS) e cinco deputados regionais. Foi uma estreia de sonho. Em 2019, o JPP caiu com a bipolarização Cafôfo-Albuquerque e elegeu apenas três deputados. A nível nacional, em legislativas, o partido nunca conseguiu afirmar-se (mesmo quando concorreu a vários círculos), mas na Madeira o JPP nada na piscina dos grandes. Perdão, no caldeirão dos grandes.

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