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Uma imagem de um dos vários cadernos escolares do então infante D. Manuel, futuro rei D. Manuel II, com excertos de “Os Lusíadas” escritos pela sua mão.
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Uma imagem de um dos vários cadernos escolares do então infante D. Manuel, futuro rei D. Manuel II, com excertos de “Os Lusíadas” escritos pela sua mão.

Uma imagem de um dos vários cadernos escolares do então infante D. Manuel, futuro rei D. Manuel II, com excertos de “Os Lusíadas” escritos pela sua mão.

"Os Lusíadas é a bíblia do português". Em busca de Camões na biblioteca de D. Manuel II

Edições de “Os Lusíadas” de 1572, a 1ª edição da poesia lírica, de 1595, e ainda o caderno do futuro rei D. Manuel II, com escritos à mão da epopeia de Camões. Uma mostra para ver em Vila Viçosa.

Não há registo de ordem superior, que aquele que viria a ser o último rei de Portugal, então ainda infante, estivesse a seguir as indicações do professor quando se lançou na empreitada. Facto é que “tem, pelo menos, dois cadernos cheios de transcrições dos cantos de Os Lusíadas. Portanto, isso mostra já algum interesse desde criança”, enquadra Vicente Fino, Historiador do Museu Biblioteca da Fundação da Casa de Bragança, que nos guia à distância pela extensa biblioteca do antigo monarca, que passou os últimos anos de vida a biografar volumes à exaustão.

À data da morte de D. Manuel II, faltavam apenas dois exemplares na sua extensa camoniana que, entretanto, foram adquiridos pela Fundação da Casa de Bragança: a edição de 1633 de Os Lusíadas, e a de 1800 da Imprensa da Universidade de Coimbra. A Fundação, que “detém atualmente uma camoniana com todas as edições das obras de Luís Vaz de Camões, publicadas em Portugal e no resto do mundo até 1800”, associa-se às comemorações dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões com várias iniciativas, como um concerto do barítono Rui de Luna e a Banda da Armada, e uma exposição que irá inaugurar dia 22 de junho no Paço Ducal de Vila Viçosa e se estende até final do ano.

"Embora a camoniana faça parte da biblioteca de Dom Manuel II, a sua importância e complexidade obriga a que ela seja olhada, em termos de tratamento bibliográfico, de forma independente. É como se fosse uma coleção dentro da grande coleção."

Com quatro núcleos distintos, a mostra bibliográfica conta com uma Comissão Científica constituída por académicos das áreas da Literatura, História e História do Livro, casos de Ana Isabel Buescu, Hélio J. S. Alves, Isabel Almeida, João Alves Dias, João Luís Lisboa, Mafalda Soares da Cunha, Maria do Céu Fraga e Vítor Serrão. “Camões no Alentejo”, “Camões e o seu Tempo”, “A imagem de Camões” e “História das Edições” são as diferentes etapas a descobrir até 31 de dezembro, pelas quais nos orienta Vicente Fino.

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Que apresentação nos pode fazer desta exposição?
Bom, a exposição é essencialmente bibliográfica, sobretudo da camoniana que nós temos do rei Dom Manuel II. Contudo, outras peças irão entrar. Iremos ter alguns quadros, com um núcleo dedicado só à iconografia, ao retrato de Camões. Iremos ter a armadura também, dois pratos de majólica do século XVI. Portanto, alguns elementos, para não ser só uma exposição bibliográfica. Agora, a natureza da exposição é essencialmente bibliográfica. Teremos à volta de 70 obras expostas, quase todas nossas, mas nem todas.

Quando fala, por exemplo, da armadura e desse material iconográfico, algumas dessas peças eram também espólio de D Manuel II ou têm outras proveniências?
Não, tem outras proveniências, embora algumas dessas peças estejam aqui no Museu Biblioteca, em Vila Viçosa. São peças que fazem parte de outras nossas coleções, mas como têm uma relação com o tempo de Camões, enfim, ou com a iconografia, fazem sentido estar lá. Vamos ter também uma pintura original de Júlio Pomar, cedida por um particular. Vamos ter um desenho também do Almada Negreiros.

Centrando-nos nessa componente mais bibliográfica, Dom Manuel é obviamente aqui uma figura de referência pela sua biblioteca. Que peso é que a camoniana assume nesse acervo?
É um peso enorme. O melhor exemplo que lhe posso dar é que, embora a camoniana faça parte da biblioteca de Dom Manuel II, a sua importância e complexidade obriga a que ela seja olhada, em termos de tratamento bibliográfico, de forma independente. É como se fosse uma coleção dentro da grande coleção. Porque há o grande núcleo dentro daquela coleção, que tem um tema muito específico, trata sobretudo da tipografia portuguesa do século XVI,  sobre a história de Portugal, biografias de reis, crónicas de reis, mas depois tem este elemento que ganha alguma independência em relação à restante coleção. Desde logo devido à sua completude.

Abrangia praticamente na totalidade o que havia disponível?
Quando Dom Manuel II falece faltavam apenas dois exemplares. Entretanto já foram adquiridos pela Fundação, a edição de Os Lusíadas de 1633, e a de 1800. Mas era, já à época, uma das grandes, talvez a maior camoniana, de uma coleção particular. E, portanto, só por aí já tem a sua importância.

1ª edição das Rimas, que reúne a poesia lírica, de 1595

Que tem vindo a ser reforçada?
Sim, a importância tem vindo a crescer na medida em que a própria Fundação continua a adquirir exemplares que entende que são importantes para completar essa camoniana. Nós temos as duas primeiras edições do século XVI, mas também temos as últimas obras que saíram ainda agora há meses, são importantes sobre a obra de Camões ou sobre o próprio Camões.

Entre o que foi colecionado por D. Manuel e este reforço ao longo dos últimos anos estamos a falar de quantos exemplares?
Os que foram colecionados por Dom Manuel II, até 1800, devemos estar a falar já de 120, 130 livros, por aí. Neste momento, temos uma coleção com mais de mil, sendo que a coleção, a biblioteca de Dom Manuel II, no geral, contando com os exemplares que fazem parte dessa camoniana, andaria à volta de 2800.

"Dom Manuel II começa a colecionar livros porque tem um interesse particular no período da história do seu homónimo, Dom Manuel I, porque quer escrever uma biografia de Dom Manuel I e, portanto, quem melhor do que Camões escreveu, ainda que em forma poética e literária, os feitos daquele período?"

Como devemos enquadrar este interesse particular de Dom Manuel II por Luís de Camões? Pela obra e também pela figura.
Eu creio que este interesse do rei não é muito diferente do interesse que ainda hoje se mantém. Ou seja, não é muito diferente da interpretação que se faz da obra e, consequentemente, da figura do poeta. Porque, na verdade, a epopeia é o poema épico que melhor retrata os feitos dos portugueses num período muito importante da história de Portugal. Período esse que subjaz ao início da coleção de Dom Manuel ter começado a colecionar livros. Dom Manuel começa a colecionar livros porque tem um interesse particular no período da história do seu homónimo, Dom Manuel I, porque quer escrever uma biografia de Dom Manuel I e, portanto, quem melhor do que Camões escreveu, ainda que em forma poética e literária, os feitos daquele período?Ninguém. Camões acaba por ser uma escolha óbvia, ainda que nós saibamos, através da consulta dos cadernos de escola do Dom Manuel, que já havia esse gosto.

"Os últimos anos de Dom Manuel são dedicados aos seus catálogos, onde escreve não apenas sobre o conteúdo dos livros, não apenas sobre o livro propriamente dito, sobre questões de história do livro, mas também sobre os impressores, sobre os antigos proprietários, enfim, sobre uma série de elementos."

Há registos de que ainda infante transcreve cantos de Os Lusíadas. 
Ele fazia transcrição de cantos de Os Lusíadas sem que nós consigamos entender se isso era pedido ou não pelos professores. Nós não temos, em parte alguma, o professor a pedir a Dom Manuel que transcrevesse cantos dos Lusíadas. Ele tem, pelo menos, dois cadernos cheios de transcrições dos cantos de Os Lusíadas. Portanto, isso mostra já algum interesse. E teve como professor d’Os Lusíadas um dos grandes teóricos d’Os Lusíadas de início do século XX. É um interesse que já vem de criança, e que eu acho que, pela natureza da coleção que ele procurou constituir, acabou por ser uma escolha evidente, uma escolha óbvia.

Temos alguma indicação de outro monarca que tenha tido um interesse semelhante ou não há paralelo ao nível da dedicação?
Eu creio que é uma coisa sem paralelo. Nós temos exemplares d’Os Lusíadas nas coleções de Dom Carlos, nas coleções de Dona Amélia, nas coleções de Dom Fernando, Dom Pedro V, mas lá está, quer dizer, era quase obrigatório. Hoje, na nossa biblioteca, temos de ter um exemplar d’Os Lusíadas.

Quase como uma bíblia?
É a bíblia do português. Com aquele cuidado que o cuidado de Dom Manuel teve, aquela incessante procura, sobretudo por escolher os melhores exemplares, aqueles que estavam em melhor estado, isso não tem paralelo. Eu, pelo menos, não conheço.

Boa parte desta coleção de Dom Manuel já é feita no exílio, em Richmond?
Já exilado, sim. A indicação que nós temos, a mais tardia, dá conta de que Dom Manuel terá iniciado a sua coleção em 1920. No ano de 1920 é quando há registo do primeiro contacto que ele tem com um dos seus vários contactos e que diz uma coisa do género: “eu ando a comprar alguns livros antigos portugueses porque me interessa muito pela questão do reinado de Dom Manuel I e pela questão dos judeus, a disputa que Dom Manuel I teve com os judeus”, e quer estudar afincadamente. Ele nunca o chegou a fazer, porque foi de tal forma apanhado por esta paixão pelo livro antigo que ficou completamente imbuído daquela tarefa de reunir livros antigos e escrever sobre os livros. Portanto, acabou por não levar avante esse projeto.

Acabou por ele próprio produzir mais material?
Exato. Tanto assim é que escreve os dois catálogos da sua biblioteca, o catálogo tem a mesma denominação de Livros antigos portugueses de sua majestade el rei Dom Manuel II. Não acaba o terceiro, porque entretanto falece.

Na verdade, entre começar a coleção e a data da morte não tem muito tempo.
Exatamente, ele morreu em 1932, com 42 anos, e, portanto, já não foi a tempo de escrever esse seu terceiro volume. Os anos finais da vida de Dom Manuel II eram quase exclusivamente dedicados aos catálogos, a escrever sobre os seus livros, e não é uma escrita como aquela que nós percebemos hoje. Dom Manuel, nos seus catálogos, escreve não apenas sobre o conteúdo dos livros, não apenas sobre o livro propriamente dito, sobre questões de história do livro, mas também sobre os impressores, sobre os antigos proprietários, enfim, sobre uma série de elementos.

É toda uma categorização exaustiva.
Dizia o Joaquim de Carvalho que Dom Manuel II fazia uma biografia dos livros, que eu acho que é um termo muito feliz, porque é muito verdade, sim.

Foi no seu exílio inglês, no rescaldo da implantação da República, que D. Manuel II (1889-1932) começou a alimentar a sua camoniana. Em 1920 terá comprado os primeiros volumes

Que outros temas predominam na sua coleção pessoal, para além da camoniana?
Tem uma coleção de livros impressos, de romances de cavalaria, também muito forte, o que é curioso. Essa sim parece se calhar mais estranha, ou mais difícil de conseguir justificar o porquê daquela coleção, mas ela existe, incluindo alguns manuscritos. E depois a questão da história, as crónicas dos reis, as crónicas de Damião de Góis, que fez questão de comprar todas assinadas pelo próprio Damião de Góis. Portanto, a temática geral da coleção tem muito a ver com a história de Portugal. E depois, pequenos aspetos que ressaltam deste grande aspeto, a questão dos relatos de naufrágios, também tem muitos e alguns únicos no mundo, mas é muito por aí.

Mas podemos dizer que Camões era a obsessão maior?
Eu acho que sim, até pela dimensão da coleção e pela sua quase completude na altura da sua morte.

Falando na sua morte. Dom Manuel deixa muito claro também no seu testamento o destino quer dar à sua biblioteca.
Sim, exatamente. Eu sou tentado a dizer que o Museu Biblioteca da Casa de Bragança e, antes ainda, a Fundação da Casa de Bragança, existem por causa da Biblioteca do Manuel II. Teve essa preocupação no testamento, sobretudo por causa dos livros. Porque, evidentemente, tendo  aquilo ocupado os últimos anos de sua vida, ele queria garantir que os livros não tomavam outro andamento. A dada altura, fala no seu testamento também dos outros bens da família, que quer a construção do museu, para que as pessoas possam usufruir de tudo o que a família teve. Mas o que iniciou esta ideia e esta necessidade para ele foi a biblioteca, sem dúvida nenhuma.

Olhando para os quatro núcleos que norteiam esta mostra, quando pensamos em “Camões no Alentejo”, estamos a falar concretamente do quê?
Esse é o núcleo que mais problemas deu desde o início. Até porque o título dele ainda não é definitivo. Tem que ver com o facto de haver sinal de estudiosos da obra de Camões no Alentejo. Estamos a falar do Manuel Severim de Faria, entre outros, que estavam localizados aqui no Alentejo, e que escreveram sobre o Alentejo, e que tiveram essa curiosidade também por estudar a obra de Camões e, sobretudo, a vida de Camões. O Manuel Severim de Faria escreve uma das primeiras biografias que existem de Camões e, portanto, é um bocadinho ir buscar isto. É um núcleo mais pequeno, mas entendemos que, sendo a exposição em Vila Viçosa, e estando o Museu Biblioteca aqui em Vila Viçosa, faria sentido ter um outro componente do Alentejo na exposição.

E quando destaca “Camões e o seu tempo”, sobre este núcleo o que é que para si é mais fascinante?  
Tenho que puxar a brasa à minha sardinha, porque é a área da literatura, o mais fascinante é a existência de outros grandes génios, se calhar não à altura de Camões, mas, em muitos casos, muito lá perto, no período em que ele viveu. Estamos a falar de Sá de Miranda, entre outros, mas sobretudo de Sá de Miranda. É um bocadinho essa relação da obra de Camões com a obra dos outros. Até que ponto é que a obra dos outros influenciou a de Camões ou vice-versa.
Para além dos aspetos históricos, porque esse núcleo também tem uma componente histórica muito forte. Nós não nos ficámos apenas pela literatura, fomos bastante para a história de Portugal e há elementos que têm a ver com aspectos históricos da época, e que decorreram durante o período de vida de Camões.

Quando pensamos na “Imagem de Camões”, como é que ela é trabalhada aqui na exposição?
Tentámos apresentar um panorama da imagem de Camões ao longo dos séculos. Portanto, aqueles que são os fundamentais e que são os mais conhecidos e os mais antigos, a sanguínea da Torre do Tombo, o retrato na prisão de Goa, enfim, uma série deles, até chegarmos um pouco aos nossos dias com o Júlio Pomar, com o Almada Negreiros, com o Bordallo Pinheiro e o “Trinca-fortes”. Foram os possíveis, porque tivemos que lidar com a dificuldade que vem do facto de este ser o ano dos 500 anos de Camões e toda a gente está a fazer exposições. Houve muitas solicitações que nos foram negadas pelo simples motivo de que já tinham sido requisitadas. Ainda assim, e tendo em conta todas estas condicionantes, o espaço e esta última que falei, acho que conseguimos dar uma ideia daquilo que é a evolução da imagem de Camões, ou as diferentes interpretações da figura de Camões, que é um outro tema excecional quando falamos de Camões.

Até porque a biografia do Camões está cheia de buracos por preencher. Muitas vezes é mais o que não se sabe do que aquilo que sabemos com segurança.
Exato, porque se calhar aquilo que sabemos com segurança daria para três ou quatro páginas de biografia. Qualquer biografia de Camões tem elementos que vão muito da experiência do próprio biógrafo, da interpretação das biografias já existentes, que é um trabalho que é fundamental e que eu creio que tem estado a ser feito, sobretudo pela Isabel Rio Novo. É obrigatório ler as biografias, mais que não seja para percebermos que em períodos de tempo muito curtos os biógrafos de Camões diziam coisas completamente diferentes uns dos outros. O que dá para ver a dificuldade de escrever sobre a vida de Camões.

Quando é que a vida do Camões começa a ser tratada pelos biógrafos? É um interesse que conta ainda com um certo distanciamento face ao século XVI?
Não, de forma alguma, é no início do século XVII. O primeiro livro de Camões, não consigo dizer se são Os Lusíadas, mas penso que sim, em que o próprio impressor do livro  tem um pequeno texto inicial sobre a vida de Camões, creio que é de 1613. Portanto, estamos a falar logo ali dos inícios do XVII. E entretanto aparece Manuel Severim de Faria, o Faria e Sousa, outro grande biógrafo de Camões, e a partir daí sucederam-se. Mas isto surge logo muito numa fase inicial do século XVII.

"No século XVI não havia best-sellers. Talvez com exceção do Quixote, do Cervantes, que é impresso logo no início do século XVII, 1605 e 1610. Esse, sim, talvez possa ser considerado um best-seller. Os Lusíadas, não, de forma alguma, até porque a impressão, o tempo que demorava a imprimir livros naquele período, e a capacidade financeira que uma pessoa tinha que ter para os adquirir era muito rara."

Por fim, e voltando aos eixos da exposição,”A história das edições”, que também vai ao encontro do trabalho desenvolvido pelo rei Dom Manuel II.
Sim, esse é um tema polémico. Nesse núcleo nós vamos ter aquelas que para nós, Comissão Científica e Fundação da Casa de Bragança, são as principais edições da obra de Camões. E não apenas Os Lusíadas, da lírica, do teatro e das obras completas, assim como das traduções. É importante nós reforçarmos a ideia de que em 1582 saem, no mesmo ano, duas traduções para espanhol d’Os Lusíadas. Estamos a falar de 82 e 84, uma diferença muito curta em relação a 1572, que é o ano em que sai essa primeira edição. Nesse núcleo nós vamos ter isto.

E que inclui edições contrafeitas. Fale-nos um pouco sobre elas.
Nós chamamos de contrafeita, mas é um termo que soa mal. É uma variante da primeira impressão. E que se sabe hoje, de acordo com o estudo que foi feito ao papel e às marcas d’água do papel, é o facto de ter sido uma edição que terá sido impressa depois de 1584. O que faz com que, na verdade, essa que se entendia ser também uma primeira edição, seja a terceira. Temos a princeps , que é a primeira, de 1572, com o pelicano virado à esquerda, e que sabemos, essa sim, que é impressa durante esse período, porque o papel, assim, o mostra. E depois temos a edição que foi publicada em 1584, e que era entendida como a terceira edição, mas que neste momento já se sabe que essa sim é a segunda devido à tal contrafeita que foi publicada depois de 1584.

Subtilezas determinantes nesta história.
Sim, pequenos apontamentos como uma ter o pelicano voltado para a esquerda, outra ter o pelicano voltado para a direita, pequenas diferenças no texto. E durante muito tempo elas foram conhecidas como a edição E, e a edição EE, só porque um dos versos, numa edição, começava entre tal, tal, tal, e na outra começa e entre tal, tal, tal, tal, tal. Há estas pequenas variantes que a definem e provou que fosse estudado ao longo dos anos. E ainda há um tempo saiu uma edição crítica da obra da professora Rita Marnotto em que ela fala muito sobre isso, e estuda precisamente esta questão. Estudos esses que também já foram avançados pelo investigador André Penafiel, que fez uma sobreposição das duas edições, que nunca havia sido feita, e isso prova melhor do que qualquer outro estudo que não são a mesma impressão, ou que não saíram da mão do mesmo impressor.

Não é só a questão do conteúdo, há todo um interesse e valor formal num acervo como estes?
É, sim, e durante muitos anos, esse foi um dos grandes problemas. Se calhar até finais do século XX, início do século XXI já, olhava-se para isto só do ponto de vista do texto, das características textuais, não se olhava para a forma do livro. Quando nós começámos a ter historiadores da história do livro, bibliotecários, enfim, especialistas em livro antigo, que começaram a estudar a questão da tipografia, dos tipos, a questão do papel, sobretudo, foi uma explosão de conhecimento e descobertas que redundaram no estado em que estamos agora, felizmente.

Até porque convém lembrar que Os Lusíadas não foi propriamente um best-seller na altura.
Sim, sim, no século XVI não havia best-sellers (risos). Talvez com exceção do Quixote, do Cervantes, que é impresso logo no início do século XVII, 1605 e 1610. Esse, sim, talvez possa ser considerado um best-seller. Os Lusíadas, não, de forma alguma, até porque a impressão, o tempo que demorava a imprimir livros naquele período, e a capacidade financeira que uma pessoa tinha que ter para os adquirir era muito rara, muito escassa.

Até para Luís de Camões?
O próprio Luís de Camões teve que ter contacto com mecenas só para ter acesso às bibliotecas desses de mecenas. O Camões escreve Os Lusíadas e hoje é mais do que provado que ele tinha um conhecimento absolutamente incrível, quase enciclopédico, daquilo que é a literatura clássica, grega e latina, e teve que ter acesso aos livros, de alguma forma. E, portanto, ele teve muitos contactos com mecenas, com pessoas que pagavam as impressões das edições dos livros, fosse de quem fosse, só para aceder às suas bibliotecas, para ganhar o conhecimento que ganhou e que lhe permitiu escrever Os Lusíadas, com um monte de referências da literatura clássica. Ainda estávamos um bocadinho naquele período de bibliotecas dos conventos, que, entretanto, passam a constituir bibliotecas particulares com alguma valia, mas não era para toda a gente, nem pensar nisso.

Exposição “500 Anos de Luís de Camões” no Paço Ducal de Vila Viçosa, entre 22 de junho e 31 de dezembro. O concerto de Rui de Luna e a Banda da Armada decorre na Igreja dos Agostinhos, às 21h de dia 22, e a entrada é aberta ao público.

 
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