Alegadas práticas ilícitas que não eram abrangidas pelo Código Penal nos anos 90, uma justiça mal preparada para o combate ao crime económico, ausência de cooperação judiciária por parte da Suíça e, finalmente, a lentidão do processo penal português quando entram em campo os melhores advogados da praça. Em suma, estas são as quatro razões principais para só agora, em 2019, Domingos Duarte Lima ter sido chamado a cumprir uma pena de seis anos de prisão efetiva pelos crimes de burla qualificada e branqueamento de capitais quando as informações sobre a origem ilícita da sua fortuna remontam ao princípio dos anos 90.
Foi nessa altura que Duarte Lima atingiu o auge do seu poder enquanto político. Líder parlamentar da maioria entre 1991 e 1994 e líder do PSD/Lisboa no mesmo período, o transmontano foi um dos homens mais poderosos do chamado cavaquismo. Bom tribuno, de verbo fácil e raciocínio à velocidade da luz, era, contudo, um parlamentar que se distinguia por fazer questão de se sentar à mesa do poder executivo e reclamava para si uma fatia bastante concreta de poder e influência junto do Governo de Cavaco Silva. Já nesses anos de ouro em que muitos social-democratas construíram fortunas que mais tarde foram explicadas com heranças, mais-valias astronómicas na bolsa e negócios obscuros, era muito comentada a proximidade de Duarte Lima aos empresários que mais ganhavam com um Governo que queria reconstruir o país: as obras públicas e a construção civil.
O cancro que venceu tornou-o um dos rostos de campanhas sobre a leucemia, dando-lhe ainda mais mediatismo.
Até que a sua estrela começou a esbater-se quando o semanário Independente, liderado pelo inimigo fidagal do cavaquismo Paulo Portas, abriu a manchete de uma das suas edições à mansão que Duarte Lima tinha em Sintra em nome de uma sobrinha. Foi precisamente aqui que começaram os problemas do advogado com a Justiça — que tiveram o seu epílogo com a entrada no estabelecimento prisional de Caxias para cumprimento de uma pena de prisão de seis anos.
A quinta maldita e a ausência do crime de tráfico de influências
É um imóvel cobiçado por gente conhecida. Chama-se Quinta da Encosta (mas também há quem lhe chame Quinta dos Muros Altos) e já passou pelas mãos de Duarte Lima, assim como, de acordo com a revista Visão, de José Paulo Bernardino Pinto de Sousa (primo de José Sócrates), de Carlos Santos Silva (o alegado testa-de-ferro do exx-primeiro-ministro) e de Joaquim Barroca (ex-vice-presidente do Grupo Lena) — todos arguidos da Operação Marquês. Foi precisamente o negócio da compra deste imóvel que iniciou o longo historial de Duarte Lima com a Justiça.
“Casa Cheia” — era a manchete do Independente de 9 de dezembro de 1994. O protagonista era Duarte Lima e o seu vasto e luxuoso património imobiliário. Saltava à vista um andar de 600 m2 num condomínio de luxo no centro de Lisboa que tinha sido comprado a um empreiteiro amigo por 230 mil contos (cerca de 1,1 milhões de euros ao câmbio atual) e declarado por apenas 45 mil contos (cerca de 224,4 mil euros ao câmbio atual). Mas a estrela da festa era a herdade de três hectares, avaliada em 140 mil contos (cerca de 700 mil euros ao câmbio atual), em Sintra. A cereja no topo do bolo era o facto de a quinta estar em nome de uma sobrinha com posses modestas, Alda Lima de Deus. Os jornalistas do semanário não tiveram piedade de Duarte Lima e revelaram todos os pormenores de como o social-democrata tinha escolhido a sobrinha para ocultar o seu património numa altura em que o PSD se opunha à divulgação dos rendimentos dos políticos.
A notícia do Independente levou à sua saída da liderança da direção da bancada parlamentar laranja, tendo sido sucedido por outra estrela do cavaquismo: José Pacheco Pereira.
O caso da quinta de Sintra levou o Ministério Público a abrir um inquérito e a Polícia Judiciária a investigar. O relatório final da PJ, a cargo de um dos dos inspetores mais experientes da época (Carlos Pascoal), é um documento histórico que comprova que a Justiça não estava preparada para combater a criminalidade económico-financeira que surgiu após a chuva de milhares e milhões de escudos de fundos europeus, como revelou a revista Sábado. Eis alguns factos relatados pela PJ:
- As contas bancárias de Duarte Lima, da sua então mulher Alexina Nunes, e de familiares próximos revelavam depósitos em ‘dinheiro vivo’ superiores a 750 mil contos (cerca de 3,7 milhões de euros) entre 1992 e 1994.
- Duarte Lima tinha ainda contas bancárias no Swiss Bank Corporation, em Basileia. Contudo, na altura, as autoridades suíças guardavam o sigilo bancário a sete chaves. Só em meados da década de 2000 é que a Confederação Helvética passou a fornecer informações bancárias após acordo com a União Europeia;
- Apesar de estar em exclusividade no Parlamento, Duarte Lima trabalhava com empresas como a Mota e Companhia (Obras Públicas) e com instituições de lobbying como a Associação Nacional de Farmácias. Só a Mota e Companhia, através de Manuel António da Mota e do seu filho António Mota (atual chairman do grupo que agora se chama Mota-Engil), pagou 150 mil contos (cerca de 750 mil euros ao câmbio atual) entre 1991 a 1993 ao político social-democrata. Os gestores justificaram estes pagamentos com compras de obras de arte a Lima e ao seu sogro na época e com remunerações pagas ao político por ser o consultor do grupo de Obras Públicas e Construção Civil para a área internacional, nomeadamente para Angola.
- Entre 1987 e 1995, Duarte Lima declarou às Finanças ter obtido um rendimento global de 182 mil contos (cerca de 907 mil euros ao câmbio atual) mas os fundos que passaram pelas suas contas bancárias nacionais ultrapassaram 1 milhão de contos (cerca de 5 milhões de euros ao câmbio atual). Só entre 1992 e 1994, período em que era líder parlamentar do PSD, Lima teve depósitos totais de 640 mil contos (cerca de 3,2 milhões de euros).
O problema, contudo, é que todas esses alegados ilícitos de Duarte Lima apontavam para o crime de tráfico de influências — crime que só veio a ser criado após 1995 por proposta do Governo de António Guterres. Ou seja, o Código Penal não criminalizava as práticas imputadas pela PJ a Duarte Lima. Logo, a investigação acabou por ser arquivada.
O caso BPN e a ligação ao Instituto Português de Oncologia
Apesar de uma presença discreta no Parlamento até 2009, a ligação aos negócios já era o foco essencial do advogado transmontano. E o Banco Português de Negócios (BPN) um dos seus parceiros financeiros — como acontecia com outros social-democratas destacados como Arlindo Carvalho (ex-ministro da Saúde), ou não fosse o BPN o banco de Oliviera Costa (ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Cavaco Silva) e de Dias Loureiro (ex-secretário-geral do PSD e ex-ministro da Administração Interna).
Foi precisamente por aqui que Duarte Lima voltou a cair nas malhas da Justiça. Com a crise financeira de 2007 misturada com a crise da dívida soberana na Europa em 2008, o sector bancário passou por dias negros. Nos Estados Unidos o histórico Lehman Brothers faliu, enquanto que um pouco por toda a Europa várias instituições financeiras necessitaram de ajuda financeira dos respetivos Estados — uns por má gestão, outros por incúria. Em Portugal, a nacionalização do BPN decretada em novembro de 2008 pelo Governo de José Sócrates foi a imagem paradigmática dessa tempestade perfeita devido ao buraco de mais de 4 mil milhões de euros deixado pela gestão de Oliveira Costa.
A queda do BPN, tal como aconteceu anos mais tarde com o resgate do BES, levou inevitavelmente à revelação de muitos segredos protegidos pelo sigilo bancário. Ao fim e ao cabo, um buraco daquela ordem não se explica apenas por incompetência.
O Ministério Público abriu as suas investigações e o Parlamento aprovou uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os factos que levaram à nacionalização. Muito se falou da supervisão inexistente do governador Vítor Constâncio, da gestão polémica de Oliveira Costa e de Dias Loureiro, das ações da Sociedade Lusa de Negócios (a principal acionista do BPN) compradas e revendidas por Cavaco Silva e e até dos créditos autorizados a empresas de Arlindo Carvalho (ex-ministro da Saúde). De Duarte Lima pouco ou nada se falou nesses trabalhos parlamentares.
Foi preciso esperar por 2009 para a Opinião Pública ouvir falar do caso Homeland — um dos inúmeros negócios ruinosos para o Banco Português de Negócios (BPN), que começou por ser revelado em pormenor através de diversos trabalhos da revista Sábado. Do que se trata? De um negócio realizado em 2007 em que Duarte Lima é suspeito de ter desviado fundos do BPN através de uma burla aos proprietários de terrenos onde deveria ter sido construída a nova sede do Instituto Português de Oncologia (IPO), mas não foi.
Tudo começou com a constituição de um fundo imobiliário fechado chamado Homeland. Criado por Duarte Lima, o seu filho Pedro e o igualmente advogado Vitor Raposo, o fundo conseguiu obter um financiamento de 43 milhões de euros para adquirir os terrenos junto ao IPO, sendo que o ex-líder parlamentar do PSD é apontado como o cérebro do negócio.
Uma parte de tais terrenos rústicos pertenciam à sociedade Neta Franco (representada pelos advogados João e Pedro Almeida e Paiva), sendo que a burla terá começado com um esquema bastante simples:
- O BPN começou por emprestar 13 milhões de euros a Pedro Lima e a Vítor Raposo (os sócios maioritários do fundo Homeland) no início da operação. Desse montante, 8,5 milhões de euros serviram para Lima e Raposo adquirirem 85% das unidades de participação do fundo, enquanto 4,5 milhões foram cedidos pelo BPN por conta de lucros futuros deste veículo onde o próprio banco tinha uma participação de 15% em termos de unidade de participação.
- O fundo Homeland informou o BPN que a aquisição dos terrenos em Oeiras custaria 22,8 milhões de euros quando, na realidade, o custo de aquisição foi muito diferente: 5 milhões de euros, foi o valor real da operação. Ou seja, os Lima (pai e filho) e Raposo ter-se-ão apropriado de cerca de 17,8 milhões de euros.
- O que aconteceu a esse montante? Cerca de 13 milhões de euros terão sido utilizados para pagar precisamente a primeira tranche de capital (igualmente 13 milhões de euros) que o BPN tinha adiantado ao fundo, enquanto que o remanescente terá sido dividido entre Duarte Lima, o seu filho Pedro e Vítor Raposo.
- Um dos cinco herdeiros, que também eram sócios da sociedade Neta Franco, garantiu às autoridades que apenas tinha recebido 276 mil euros do negócio
Houve ainda um segundo negócio que envolveu o fundo Homeland e a família de Francisco Canas — o cambista que era um dos principais operacionais da rede de lavagem de dinheiro da Operação Monte Branco e à qual Duarte Lima terá recorrido. Canas vendeu à Homeland 27 frações de terrenos vizinhos aos da família Neta Franco por 25 milhões de euros — montante que também foi financiado pelo BPN. Ou seja, no total o banco liderado por Oliveira Costa arriscou 47,8 milhões de euros no negócio da Homeland sem garantias apropriadas, sendo que hoje os terrenos valem cerca de metade desse valor.
As contas do filho e as transferências para a Suíça
Descrito pelo Ministério Público com o “cérebro” de todo este esquema — versão que foi aceite pelo tribunal de julgamento que condenou Duarte Lima à maior pena entre os arguidos –, o ex-líder parlamentar do PSD terá utilizado as contas do seu filho Pedro para receber os fundos do BPN e distribui-los pelas suas próprias contas e dos restantes sócios do alegado esquema: Vítor Raposo (também ele um antigo deputado do PSD pela mão de Duarte Lima) e os irmãos Pedro e João Almeida e Paiva, igualmente condenados pela Relação de Lisboa.
Foram precisamente as contas de Pedro Lima que receberam vários cheques bancários de cerca de 18 milhões de euros que deveriam ter como destino a sociedade Neta Franco, caso fosse esse o valor real da aquisição dos terrenos que estavam em nome daquela sociedade. Mas não só o valor real era muito inferior (cerca de 5 milhões de euros), como a diferença entre os dois valores (cerca de 13 milhões de euros) teve a seguinte utilização:
- Cerca de 4,2 milhões de euros, que lhe foram endossados por Duarte Lima, serviram para pagar um empréstimo do próprio Pedro Lima no BPN para financiar a aquisição de unidades de participação do fundo Homeland. Ou seja, o filho de Duarte Lima pagou o crédito cedido pelo BPN com fundos que o mesmo banco tinha disponibilizado num segundo financiamento;
- Uma segunda transferência de 2,2 milhões de euros realizada por Pedro Lima terá tido o mesmo propósito: abater uma segunda dívida que o filho de Duarte Lima tinha no BPN;
- Vários cheques no valor total de 750 mil euros terão sido ainda depositados nas contas de Pedro Lima no BES:
- Já Duarte Lima terá desviado cerca de 3,4 milhões de euros desses fundos para uma conta no banco suíço Union des Banques Suisses (UBS) e 500 mil euros para uma conta do Banque Privée Espírito Santo, em Genebra. Ou seja, Duarte Lima ter-se-á apropriado de um total de 3,9 milhões de euros de fundos que pertenciam ao BPN e deveria ter sido utilizados no financiamento de aquisições de terrenos.
- Vítor Raposo, o sócio de Lima que foi condenado a uma pena de prisão efetiva de quatro anos, ter-se-á apropriado de cerca de 3 milhões de euros — e ter-se-á comprometido a devolver os fundos recebidos.
No caso Homeland foram ainda identificadas uma série de sociedades offshore com contas na Suíça e no Dubai que eram controladas por Duarte Lima. Era o caso da Taylor Partners e da Birdwells — sendo que esta última era a proprietária formal da vivenda que o ex-líder parlamentar do PSD tinha na Quinta do Lago. A Danco Enterprises, Ltd, a Grossel Investments, SA, a Raymond, SA, e a Mirina Overseas são outras sociedades sedeadas em países fiscais de que Duarte Lima seria o último beneficiário económico. Todas elas foram utilizadas ora para ocultar a origem dos capitais através da circulação de dinheiro de Portugal para a Suíça e da Suíça para outros países como o Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, ora para deter imóveis ou outros bens.
A morte de Rosalina e a herança Feteira
Se as acusações (e condenações) por crimes económico-financeiros são algo que, atendendo o historial de Duarte Lima desde os anos 90, não surpreende, já a imputação da prática de um crime de homicídio qualificado a Lima foi algo que deixou a opinião pública espantada. O caso da morte de Rosalina Ribeiro, 74 anos, que foi assassinada em Saquarema (Estado do Rio de Janeiro, Brasil) a 7 de dezembro de 2009 com um tiro na cabeça e no peito, prendeu mesmo a atenção da comunicação social portuguesa, atenta à qualidade de suspeito que as autoridades brasileiras colocaram em Duarte Lima.
O caso, aliás, tem contornos de novela. Duarte Lima era advogado de Rosalina Ribeiro, ex-secretária que se tornou amante e a última companheira do milionário Lúcio Thomé Feteira, e defendia-a no meio de uma feroz disputa pela herança Feteira contra Olímpia, a filha mais velha daquele que foi um dos grandes milionários do Estado Novo. Olímpia contestava em Portugal o facto de o seu pai ter determinado Rosalina como sua herdeira, enquanto que Rosalina no Brasil lutava para que os tribunais a reconhecessem como viúva de facto de Lúcio, logo com o direito de ter um quinhão maior da herança do que aquele que lhe foi inicialmente atribuído. Estavam em causa valores superiores a 50 milhões de euros, sendo que só em contas na Suíça estavam depositados cerca de 34 milhões.
Uma herança, um homicídio e um ex-deputado. O processo que envolve Duarte Lima
A 7 de dezembro de 2009, Rosalina Ribeira foi morta no Brasil. O seu corpo foi abandonado na berma de uma estrada em Saquarema, Lagos (Estado do Rio de Janeiro) com dois tiros: um na testa e outro no peito e encontrado, por acaso, apenas dias mais tarde. O crime a investigar é óbvio para a polícia brasileira: homicídio qualificado.
Duarte Lima acabou por surgir como suspeito após serem recolhidas provas de que tinha sido a última pessoa a ver Rosalina viva. O advogado sempre contestou esta versão, garantindo que tinha deixado a ex-secretária de Lúcio Feteira na cidade de Maricá com uma amiga loira chamada Gisele — que nunca foi encontrada pelas autoridades brasileiras. Por outro lado, existia a suspeita de que Rosalina Ribeiro teria descoberto que Duarte Lima tinha desviado cerca de 5 milhões de euros da herança Feteira que estavam depositados na Suíça — motivo pelo qual, segundo as autoridades brasileiras, o ex-líder parlamentar do PSD teria assassinado Rosalina Ribeiro. O advogado contestou sempre, dizendo que o dinheiro tinha sido para pagar os seus honorários.
Foram precisamente esses indícios que levaram o Ministério Público brasileiro a deduzir acusação a 27 de outubro de 2011 contra Duarte Lima pelo crime de homicídio de Rosalina Ribeiro. Aberta a instrução criminal do caso, o juiz brasileiro a quem foi distribuído o processo quis ouvir o advogado e enviou no início de 2014 uma carta rogatória para Portugal. Era a segunda que era enviada e, desta vez, Duarte Lima aceitou responder para negar a prática do crime.
Com advogado constituído no Brasil para o defender no processo Rosalina, Duarte Lima sempre defendeu que deveria ser julgado no Brasil mas o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro determinou em novembro de 2016 o envio do processo para Portugal para a realização do julgamento da acusação formal pelo crime de homicídio de Rosalina. O que, a verificar-se, será um julgamento inédito.
Duarte Lima pode ser julgado em Portugal por um alegado homícidio ocorrido no Brasil?
Já se passaram mais de dois anos mas o julgamento em Portugal ainda não começou. De acordo com o que o jornal i, o Superior Tribunal de Justiça, o equivalente ao Supremo Tribunal de Justiça português, chumbou em dezembro de 2018 o último recurso de Duarte Lima para impedir o envio do processo para Portugal. Os autos já terão sido enviados para Lisboa mas ainda não há informação sobre quando começará o julgamento.
E a absolvição no julgamento por abuso de confiança
A vida judicial de Duarte Lima, contudo, não é só feita de derrotas. O início de 2019 trouxe-lhe uma grande vitória: a absolvição no julgamento em primeira instância do alegado desvio de 5 milhões de euros da herança Feteira — precisamente o móbil do crime de homicídio que lhe é imputado pelas autoridades brasileiras. Tendo em conta que o próprio Ministério Público promoveu nas suas alegações finais a absolvição do ex-líder parlamentar do PSD, é pouco provável que apresente um recurso da decisão da primeira instância.
O processo que teve agora sentença iniciou-se precisamente com o caso Rosalina Ribeiro. Na sequência do cumprimento da segunda carta rogatória das autoridades brasileiras, que solicitaram o interrogatório de Duarte Lima no âmbito da instrução criminal do processo de homicídio de Rosalina, o Ministério Público extraiu certidão das declarações do advogado prestadas perante o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.
É que uma das perguntas das autoridades brasileiras tinha precisamente a ver com o alegado móbil para o homicídio: o alegado desvio de cinco milhões de euros da herança de Lúcio Feteira para uma conta de Duarte Lima também aberta na Suíça. O advogado não negou que tivesse recebido esse valor, mas justificou que tal transferência correspondia ao pagamento antecipado de honorários. A juíza que o interrogou, Cláudia Pina, considerou a justificação de Duarte Lima como pouco credível. “Espanta-me que tenha sido pago, à cabeça, cinco milhões de euros, um terço do valor que ela [Rosalina Ribeiro] tinha direito na herança. É invulgar”, afirmou.
Daí à investigação do Ministério Público por abuso de confiança foi um pequeno salto. Uma das principais provas da acusação prendia-se com o testemunho Armando Carvalho, afilhado de Rosalina, que tinha garantido ao procurador que investigou o caso que a sua madrinha tinha transferido em 2001 cerca de cinco milhões de euros para Duarte Lima, por sugestão do próprio e com o objetivo de “esconder o dinheiro da herança”, de acordo com o Expresso. O problema é que em audiência de julgamento Armando Carvalho deu o dito por não dito e negou que tivesse feito tais declarações durante a fase de inquérito. Mesmo quando foi confrontado com o auto de inquirição por si assinado, manteve a nega — o que levou o Ministério Público a extrair certidão para instauração de um inquérito criminal por falsas declarações.
Seja como for, o testemunho de Armando Carvalho, a principal prova da acusação, teve uma consequência inevitável — que foi antecipada pelo Expresso: a absolvição de Duarte Lima.
Resta saber se esta absolvição será igualmente determinante no julgamento que se adivinha pelo alegado homicídio de Rosalina Ribeiro — ou se surgirá alguma daquelas surpresas que aproxima os julgamentos da vida real dos casos judiciais que são ficcionados na televisão e no cinena.
Artigo alterado às 18h16m