Os desafiados

Francisco Rodrigues dos Santos

Francisco Rodrigues dos Santos venceu, para já, a primeira batalha

Tremeu, mas não caiu. Francisco Rodrigues dos Santos teve esta noite a maior provação da sua liderança. Costuma dizer-se que o poder não se ganha, perde-se. E o líder do CDS conseguiu não o perder. O líder centrista seguiu a papel químico a estratégia de Rui Rio quando quiseram derrubá-lo do PSD: moção de confiança, imbróglio do voto secreto, defesa do voto secreto ao contrário dos seus apoiantes e, por fim, vitória no aparelho que lhe permite evitar eleições. O velho “Chicão da jota”, mais agressivo, viu-se na primeira intervenção em que disparou contra os críticos. Já o novo Francisco Rodrigues dos Santos, mais institucional, apareceu na hora de apresentar a moção. No misto dos dois Franciscos que apresentou, conseguiu não cometer um erro que virasse as contas — que lhe eram a priori favoráveis — contra si. Não poupou os críticos, fez o trabalho de casa no cacique e na calculadora — tal como os adversários — e levou a melhor. Vai-se deitar com uma vitória no bolso, mas com um partido dividido. Metade do partido, incluindo a esmagadora maioria dos notáveis (e dos que têm espaço mediático), e toda a bancada parlamentar estão contra si. Como, aliás, já estavam antes. Francisco Rodrigues dos Santos ganhou a batalha, mas a guerra continua. Venceu com 54% dos votos, mas foi uma vitória de Pirro: sem inerências, não ganharia.

Filipe Anacoreta Correia

Filipe Anacoreta Correia aproximou-se de Cristas nas legislativas de 2019, mas preferiu o lado de Francisco Rodrigues dos Santos no Congresso de 2020

O mestre-de-cerimónias, que tinha o dever de ser o árbitro, não conseguiu que o vissem com a imparcialidade que o cargo exige. Começou por dizer que lhe era irrelevante haver ou não voto secreto na moção de confiança do líder, mas dando muitos argumentos contra: disse que o hábito era o braço no ar, que não podia dar “segurança jurídica” à votação por não ser presencial e que a decisão da jurisdição lhe dava a ele o poder de decidir. Explicou então que quem ia decidir sobre o método de votação eram os conselheiros. Depois de ter dito que essa era a única forma justa de tomar a decisão, o líder do partido falou para defender o voto secreto. Ora, depois de Francisco Rodrigues dos Santos ter pedido o voto secreto, Filipe Anacoreta Correia fez tábua rasa de todos os argumentos que tinha dado até então e estabeleceu que o voto ia ser secreto. Assim, sem mais: Anacoreta Correia contrariou Anacoreta Correia. Ele que era um dos críticos do portismo nos tempos de um CDS governativo incontestado, que Portas acabou por suportar e dar lugar no Parlamento e que atingiu o cargo mais alto com a atual direção, acaba o dia a ser visto com o que repetiu não ser: um presidente da Mesa de fação. Além de ser criticado por vários notáveis, ficou a ideia de ambos os lados de que inclinou a mesa. Filipe Anacoreta não seguiu os estatutos, seguiu a estratégia de Francisco Rodrigues dos Santos. Isso dificilmente lhe sairá da pele.

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Miguel Barbosa

Miguel Barbosa representa a ideologia de Francisco Rodrigues dos Santos antes de o atual presidente chegar à liderança. Francisco Rodrigues dos Santos era um líder da Juventude Popular que era associado à direita conservadora, que comprava guerras como o ataque à ideologia de género. O antigo líder da distrital do Porto da Juventude Popular, associado a uma ala conservadora do partido, manteve-se fiel ao atual líder. E atirou à ala que mais despreza: a ala mais liberal do partido. Miguel Barbosa, que é vice-presidente de Francisco Rodrigues dos Santos, acusou Adolfo Mesquita Nunes de andar a “brincar os partidos” e de querer “mascarar o CDS de Iniciativa Liberal”. Protagonizou a ironia de fazer parte daqueles que não querem um congresso, mas ao mesmo tempo acusar os críticos da atual direção de “falta de coragem” por não terem avançado com uma moção de censura (que tinha a particularidade de ter de ser aprovada por maioria de dois terços).

Sílvio Cervan

É um dos reabilitados de Francisco Rodrigues dos Santos e um dos membros da sua direção mais conhecidos em virtude de ter sido comentador desportivo durante alguns anos. Manteve-se ao lado do atual líder e foi um dos atiradores furtivos do atual presidente na reunião, entre muitos outros. Sílvio Cervan acusou os adversários internos de serem “demagogos populistas” e pediu “paz durante um ano” para que o partido possa fazer o seu trabalho. Depois de Adolfo Mesquita Nunes ter feito algumas críticas à condução dos trabalhos e ter até abandonado a reunião (à qual acabaria por voltar), Sílvio Cervan lembrou que quem vai à guerra, dá e leva: “O Adolfo não se pode queixar que lança bombas e depois há feridos. Esta é uma altura de cerrar fileiras”.

Francisco Tavares

Apesar de ser um dos indefetíveis de Francisco Rodrigues dos Santos tentou sempre manter a imparcialidade. O desafio logístico era grande, já que tinha de implementar não só o voto eletrónico, como o voto eletrónico secreto. Preparou o sistema, antes da reunião, para todos os cenários possíveis. Apesar da primeira das votações demorar muito tempo, essa e as restantes acabaram por correr bem, embora lentas. Sempre que foi interpelado (inclusive pelo próprio Adolfo Mesquita Nunes) explicou tudo com serenidade e competência. Fez o que um secretário-geral deve fazer: resolver problemas. Nesse aspeto, deu uma lição a Filipe Anacoreta Correia durante quase toda a reunião. Apesar disso, ao cair do pano, não resistiu a apontar o dedo à anterior direção nem a lamentar-se sobre a situação financeira que encontrou. Resvalou até para frases que podem ser mal compreendidas como: “Sem dinheiro, não há política.”

Paulo Duarte

O também vice de Francisco Rodrigues dos Santos, e do seu inner circle, foi um dos mais duros para com Adolfo Mesquita Nunes. “Qual é a novidade, Adolfo? É mais do mesmo. Tem de se propor algo diferente. Qual é a proposta de ruptura? Não estamos a falar de uma brincadeira. A proposta do Adolfo é voltar para trás”, insistiu Paulo Duarte. Estará ao lado do líder nas próximas batalhas.

Os críticos

Adolfo Mesquita Nunes

Adolfo Mesquita Nunes não se candidatou em 2020, mas quer agora ir a votos em Congresso

O antigo secretário de Estado do Turismo assumiu finalmente o embate contra Francisco Rodrigues dos Santos, há muito escrito nas estrelas. Em 2020, ficou fora da corrida e deixou que a ala ‘portista’ fosse representada por João Almeida. Antes do verão, ameaçou romper com a direção do partido depois da candidatura-não-candidatura a Belém. Desta vez, exigiu a realização de um congresso extraordinário e de eleições internas. Francisco Rodrigues dos Santos não lhe fez a vontade e levou a votos uma moção de confiança. No meio do braço de ferro com a Mesa Nacional presidida por Filipe Anacoreta Correia, chegou mesmo a abandonar a reunião em protesto. Voltou e voltou para pedir o que já tinha escrito num artigo de opinião publicado no Observador: “O CDS está numa crise de sobrevivência. O pior que podemos fazer é negar isto. Precisamos de mudar a imagem de declínio. Precisamos de uma liderança credível e que olhe para o país. Temos de mudar agora. É a minha convicção de que se o CDS desistir de mudar será o país a desistir do CDS”, apelou. Não é ainda claro o que fará depois deste sábado; mas os apoios que reuniu ao longo destes últimos dias não o deixarão cair tão facilmente.

Nuno Melo

Nuno Melo pegou-se com Filipe Anacoreta Correia

O eurodeputado do CDS foi um aliado importante de Adolfo Mesquita Nunes. Apesar de uma entrada em cena cautelosa (em entrevista ao Público/Rádio Renascença, sugeriu que Francisco Rodrigues dos Santos tinha legitimidade para continuar, lançando-se como alternativo apenas para 2022), Nuno Melo acabou por aparecer um dia depois a dizer que o tempo de Rodrigues dos Santos tinha chegado ao fim e a pôr-se ao lado de Mesquita Nunes. Muito interventivo ao longo de todo o Conselho Nacional, em particular no braço de ferro com Filipe Anacoreta Correia, acabou a acusar Rodrigues dos Santos de se entricheirar. “Este clima de guerra interna não cessará amanhã. Um congresso matará mais cedo esta litigância”, disse. Sendo Melo, ao contrário de Mesquita Nunes, da linha mais conservadora do partido, sendo ele um eterno candidato à liderança do CDS, sendo também líder da distrital de Braga, este apoio dá conforto ao antigo secretário de Estado do Turismo. A base de apoio de Mesquita Nunes para futuros embates depende também de Nuno Melo.

Telmo Correia

Telmo Correia, apesar de ser líder parlamentar, criticou a intervenção do líder pela agressividade demonstrada

Como líder parlamentar, Telmo Correia tinha aqui um papel importante a desempenhar neste Conselho Nacional: ser a voz de uma bancada parlamentar que há muito entrou em rutura com a direção do partido. Telmo Correia não poupou esforços nesse sentido e confrontou Rodrigues dos Santos com as promessas que fez quando chegou a líder. “Temos sido a nova direita? Uma direita sem medo de ser chamada de radical? Uma direita sexy?”. Telmo Correia correu todas as perguntas retóricas e acabou com uma síntese: “Somos vistos como a direita boring”.

João Almeida

João Almeida, Nuno Melo e Telmo Correia no último Congresso do CDS

O candidato derrotado nas últimas eleições internas foi e tem sido um dos críticos mais vocais de Francisco Rodrigues dos Santos. Foi um dos apoios mais importantes de Adolfo Mesquita Nunes (de quem chegou a ser um grande rival nos tempos da JP) no lançamento da estratégia para este Conselho Nacional. Já depois de ter rompido em definitivo com o líder do CDS ainda em dezembro, atirou tudo o que tinha contra a direção de Francisco Rodrigues dos Santos. “Nas seitas é que somos obrigados a acreditar. Tenham noção do rídiculo”, atirou. Apesar de no último Congresso ter sido ao seu lado muitos dos que hoje apoiam Adolfo Mesquita Nunes, esforçou-se por fazer de pára-raios assumindo como sua e só sua a derrota nas eleições internas de há um ano.

João Gonçalves Pereira

Gonçalves Pereira tem sido um dos protagonistas do ataque ao líder do CDS

Acabou por ser, a par de Filipe Anacoreta Correia, o protagonista da primeira metade do Conselho Nacional: foi ele, enquanto líder da distrital de Lisboa, que apresentou um requerimento junto do Conselho de Jurisdição Nacional para que a votação da moção de confiança fosse secreta. O também deputado tomou a palavra para dizer que as “coisas não estão efetivamente a correr bem” e a pedir uma alteração do rumo. “Ainda vamos a tempo de virar a página. Adolfo Mesquita Nunes quer chegar à liderança do partido para mudar o país”, insistiu Gonçalves Pereira. Depois da noite deste sábado, estará, em definitivo e em permanência, no pólo oposto ao de Rodrigues dos Santos.

Cecília Meireles

Cecília Meireles não poupou nas críticas à atual liderança

O destino de um está intimamente ligado ao destino do outro: a saída de cena de Cecília Meireles significaria a entrada de Francisco Rodrigues dos Santos no Parlamento. O tema voltou a ser abordado neste Conselho Nacional, com alguns apoiantes de Rodrigues dos Santos a apontarem a porta de saída à democrata-cristã, mas nem isso fez com que Cecília Meireles se retraísse nas críticas: “Acho que é sinal de amizade dizer cara a cara que as coisas não estão a correr bem. As coisas correram pior até do que eu esperava”, lamentou a deputada. Resta saber o que fará no dia de amanhã.