Depois de ter ido visitar os pais a Oranienburg, em Brandenburgo, a cerca de 35 quilómetros de Berlim, Lukas Sewnlin regressa a casa feliz com as projeções dos resultados das eleições legislativas. Embora por uma curta margem, o Partido Social Democrata alemão (SPD) foi o mais votado e Olaf Scholz está em posição para tentar formar governo.
A importância dada pelos sociais-democratas às “questões sociais”, como a proposta para o aumento do salário mínimo, fizeram este estudante de medicina, de 24 anos votar no partido de Olaf Scholz e, enquanto na Alemanha se discutem as coligações possíveis, Lukas avança que a mais provável será a coligação Semáforo — SPD, Verdes e Partido Liberal Democrático (FDP). As inevitáveis exigências dos liberais, o partido amarelo, no entanto, deixam-no preocupado.
“Tenho receio que o SPD tenha de abdicar de muitas propostas para convencer o FDP”, explica Lukas ao Observador ao início da noite, durante uma viagem de comboio entre Oranienburg e Berlim, cerca de duas horas depois de terem sido conhecidas as primeiras projeções.
Atrás do SPD, da União Democrata-Cristã (CDU) e dos Verdes, o FDP, com 11,5%, assume-se como um dos grandes vencedores das eleições, com o líder do partido, Christian Lindner, a garantir que os liberais serão necessários para a formação do próximo executivo, seja este liderado por sociais-democratas ou democratas-cristãos.
Entre a estabilidade e a incerteza
Praticamente na mesma posição, estão também os Verdes, que conseguiram pouco mais de 14,5% dos votos e que também têm a presença no próximo governo praticamente assegurada. O resultado, no entanto, ficou àquem daquilo que o partido de Annalena Baerbock desejava, o que não surpreendeu o estudante de Biologia David Koch, de 24 anos, que, ao contrário dos amigos que anteviam “um grande resultado” dos Verdes, baixou as expectativas quanto ao desempenho do partido em que votou.
Agora, David aguarda ansiosamente pelas negociações entre os partidos, embora não acredite que a indefinição que saiu das urnas este domingo vá “afetar muito a vida das pessoas”. Pelo contrário, diz que a “Alemanha não vai mudar”, embora admita que vai sentir saudades de Angela Merkel, sublinhando que a chanceler — ao contrário do que aconteceu em outros países europeus onde as forças políticas mais radicais cresceram — “conseguiu manter a Alemanha estável”.
“É, de longe, a melhor política da CDU. Foi uma boa chanceler”, afirma David Koch.
Na carruagem ao lado, encostada à janela do comboio a ler um livro, Katja Westerman, de 63 anos, é apanhada de surpresa quando questionada sobre o rescaldo das eleições deste domingo. Depois de ter votado durante a manhã em Berlim — nos Verdes, “um partido virado para o futuro e para a ecologia” —, passou o dia com um grupo de amigos em Oranienburg, e admite que ainda não teve tempo para olhar para os resultados conhecidos até ao início da noite deste domingo.
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Depois de o Observador lhe mostrar os resultados, sorri, mas rapidamente acrescenta que nestas eleições foi muito difícil escolher em que partido votar. “Nenhum dos três candidatos a chanceler me entusiasmou”, admite a topógrafa, que não arrisca qualquer palpite quanto à composição do próximo governo, antevendo, no entanto, que o processo “vai ser muito difícil”.
Maior desafio para Scholz? “Criar pontes” com o FDP
A viagem do Observador entre Templin — cidade onde Merkel cresceu — e Berlim acabou na Friedrichstraße, já havia poucas pessoas a circular na rua. Além dos turistas com malas e à procura de indicações, alguns berlinenses seguiam em passo apressado, sem grande disponibilidade para comentar o resultado das eleições deste domingo. Eis que, também também com pressa para apanhar um comboio, surge o jornalista Jens Schneider, do Süddeutsche Zeitung.
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Enquanto o Observador o acompanha até à plataforma de embarque — “também tenho de ir escrever a minha reportagem!”, explica —, Schneider troca algumas considerações sobre os resultados eleitorais. “Ainda não é possível saber o que vai acontecer”, avança o jornalista de 58 anos, analisando que Armin Laschet e a CDU tiveram uma “derrota clara”, o que não significa que a vida do SPD e de Olaf Scholz esteja facilitada daqui para a frente.
“O maior desafio é chegar a acordo com os liberais. Há muitos pontos em comum entre o SPD e os Verdes, mas com o FDP existem muitas diferenças. O grande desafio vai ser criar pontes”, explica Schneider, acrescentando que a aparente vitória social-democrata foi uma surpresa dentro do próprio partido, que “há dez meses não acreditava” que Scholz poderia estar a um passo de suceder a Angela Merkel enquanto chanceler.
Saída de Merkel “não é dramática”. “Estava na hora de mudar”
Com a Alemanha a viver uma situação inédita, em que ao que tudo indica vão ser necessários três partidos para formar governo, adivinham-se longas semanas ou até meses de negociações, sendo que tanto Olaf Scholz como Armin Laschet garantiram ter condições para iniciar conversações com outros partidos com vista à formação de um novo executivo.
Até que tal aconteça, Angela Merkel, no poder há 16 anos, vai manter as suas funções e o cenário mais provável é que a chanceler alemã passe o Natal à frente dos destinos da Alemanha. Mas, mais dia menos dia, Merkel, a política mais popular da Alemanha e também da Europa, vai mesmo ter de abandonar o governo, para resignação dos alemães.
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“Há algum tempo que as pessoas se estavam a preparar para este momento. Não é dramático”, assume Jens Schneider. Prova de que a Alemanha parece disposta a mudar a página é o facto de nestas eleições, pela primeira vez desde 1990, a CDU perder o distrito de Bundestagswahlkreis 15, no estado da Meclemburgo-Pomerânia Ocidental, onde Merkel concorria, para o SPD, uma derrota pesada para Armin Laschet mas também uma mudança simbólica a fechar a saída do poder da chanceler. “É a democracia a funcionar”, remata o jornalista.
A topógrafa Katja Westerman concorda: “Angela Merkel fez um excelente trabalho. Vou ter algumas saudades, mas 16 anos é muito tempo. Estava na hora de mudar.”
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