Vencedores
Catarina Martins
Sai da convenção do Bloco sem uma “maioria norte-coreana” (para usar a expressão usada por Francisco Louçã no início dos trabalhos) — passou de 87,5% de votos há três anos para 67,5% agora. Mas, na verdade, isso é irrelevante. Não há ninguém que pense, discuta ou antecipe uma substituição de Catarina Martins. Ao contrário do que desejou na última convenção, o Bloco não conseguiu ter a força nas legislativas que lhe permitisse ir para o governo; ao contrário do que aconteceu anteriormente, o Bloco não conseguiu ter uma votação surpreendente (ou sequer boa) nas presidenciais; e, à semelhança do que sempre acontece, o Bloco não prevê nenhum resultado estonteante nas autárquicas. Mas isso não enfraquece o poder da líder do partido. Até ver, Catarina Martins é incontestável.
Mariana Mortágua
Na sua última Convenção, o Bloco tinha uma longa lista de ministros pronta a entregar a António Costa; na Convenção deste fim de semana, a lista desapareceu, com o Bloco a desistir de entrar no Governo e a passar decididamente à oposição. Mas, mesmo nessas circunstâncias, há uma proto-ministra que resiste: Francisco Louçã insistiu em tratar a sua discípula Mariana Mortágua como futura/eventual/inevitável ministra das Finanças. Louçã recebeu muitos aplausos ao falar em Mariana Mortágua; os vídeos onde apareciam imagens de Mariana Mortágua na comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco receberam muitos aplausos; e a própria Mariana Mortágua, ao discursar, recebeu muitos aplausos. O Bloco já não trata Mariana Mortágua como uma figura política — trata-a como uma figura pop. E, por natureza e definição, as figuras pop, façam o que fizerem, acertem ou errem, são sempre aplaudidas.
José Manuel Pureza
Coube a José Manuel Pureza representar a linha oficial do partido no discurso mais violento contra o Chega e contra a extrema-direita. Pelo tema, era difícil não ser dos discursos mais consensuais e aplaudidos, e o bloquista não desiludiu. Mas Pureza é muito mais do que isso: embora já fosse uma figura respeitada no partido em Coimbra, só chegou ao Parlamento em 2009, tornando-se mesmo líder parlamentar — cargo que ocuparia durante dois anos. É reconhecido pelos pares e uma figura agregadora no Bloco. Membro do círculo mais próximo de Catarina Martins, consegue ainda gerir bem a ideia de que é um senador (tem menos 2 anos do que Louçã), mas ao mesmo tempo um operacional que tem muito trabalho por fazer (o mais mediático deles a legalização da eutanásia).
Francisco Louçã
Há três anos, apareceu na XI Convenção a sonhar com um partido capaz de “ir ao infinito e mais além” na sua relação com o poder. O mundo do Bloco virou de pernas para o ar e o partido que ajudou a fundar passou de parceiro a adversário num piscar de olhos. O Bloco versão Matosinhos 2021, disposto a tudo para diabolizar António Costa e o PS, está a milhas do Bloco versão Lisboa 2018, que suspirava por um casamento perfeito. Francisco Louçã, no entanto, subiu ao palco disposto a… lançar Mariana Mortágua (a sua afilhada política) como futura ministra das Finanças. Nem é uma questão de se, é uma questão de quando, sugeriu o grande guia espiritual do partido. A tirada, em profundo contraste com o estado de espírito geral, lançou a confusão e obrigou o partido a sugerir que o discurso de Louçã não era literal. Mas o antigo líder do Bloco teve o mérito de condicionar o debate.
José Gusmão
Começa a assumir-se como a grande voz do partido na Europa, em grande parte porque tem liderado, à esquerda e no interior do partido, a defesa do levantamento das patentes das vacinas contra a Covid-19. Aproveitou esta convenção para voltar a atacar a posição do Governo socialista e da Presidência Portuguesa da União Europeia, mas foi quando se debruçou sobre a política de estratégias da esquerda que marcou mais pontos: “Queremos uma esquerda, BE e PCP, que fale melhor entre si para falar mais alto com o Governo”. Analisando o que foi dito antes e durante a convenção, por bloquistas e comunistas, em Matosinhos e fora de Matosinhos, José Gusmão parece ser o único a acreditar que ainda é possível reanimar a ‘geringonça’ e impedir António Costa de usar as velhas e renovadas tensões à esquerda como trunfo negocial. Mas valeu o esforço.
Pedro Soares
O ex-deputado juntou os principais críticos da direção na corrente Convergência e somou 21,5% dos votos. Dessa forma, Pedro Soares conseguiu forçar a direção a reconhecer que o Bloco de Esquerda não pensa todo da mesma maneira. E viu as principais figuras do partido e da direção a assumirem aquilo que tinha pedido: mais dureza perante o PS e maior concentração na área do emprego. Com um quinto dos lugares dirigentes, Pedro Soares pode continuar a obrigar Catarina Martins a ouvir o que tem para dizer.
Vencidos
Marisa Matias
A eurodeputada carregou para a convenção o peso dos escassos 3,95% de votos que conseguiu nas eleições presidenciais. No Bloco, ninguém culpa Marisa Matias pela votação, mas a própria admitiu, em entrevista ao Observador, que o resultado “não foi bom para o partido”. Não se tratou, por isso, de um fim de semana apoteótico para Marisa Matias. Sobrou-lhe um prémio de compensação: sempre que proferia a palavra “Palestina”, o congresso levantava-se. O conflito entre Israel e o Hamas foi o tema mais mobilizador desta convenção — no último dia, até foi colocada uma bandeira da Palestina na mesa que dirigia a convenção.
Manuel Grilo
Catarina Martins ainda falou na diferença que os 7% do Bloco de Esquerda fizeram em Lisboa para influenciar a governação de Fernando Medina, mas não foi capaz de dizer o nome do vereador que executou esse acordo na esmagadora maioria do mandato: Manuel Grilo. E muito menos do antecessor (Ricardo Robles). Apesar de ser o atual vereador na câmara do Bloco de Esquerda, houve apenas uma pequena referência a Manuel Grilo, já a convenção ia longa, às 18h40 de sábado. O mandato de Manuel Grilo teve momentos polémicos — fosse pela agressividade nas palavras (quando prometeu um “par de murros” a um membro de uma junta eleito pelo BE), fosse pela atribuição de apoios a uma associação que ajuda pessoas sem-abrigo — e, por isso, não será candidato. Podiam ter-lhe deixado uma palavra de agradecimento, mas parece não ter deixado saudades nos camaradas de partido.
António Costa
António Costa terá olhado com mais preocupação para o Congresso do PCP de novembro do que para a Convenção do Bloco de Esquerda. Ainda assim, entre os vários cenários possíveis do que podia acontecer na reunião magna dos bloquistas, o desfecho não foi o mais favorável para o Governo do PS. Ao não se definir, o Bloco torna-se mais imprevisível, o que dificulta o trabalho do Governo em negociações importantes, como a que se avizinha do Orçamento do Estado. Por outro lado, o Governo PS percebe que não tem aqui um aliado, mas sim um adversário que disputa eleitorado e que está concentrado num objetivo: não permitir que o PS tenha maioria absoluta, pois sabe que a sua influência depende desse pressuposto. E se são autárquicas que aí vêm, o Bloco de Esquerda traça como principal objetivo em várias autarquias (incluindo Lisboa) impedir uma maioria absoluta do PS. São sinais de que o Bloco tentará dificultar a vida a António Costa.
Jerónimo de Sousa
O secretário-geral comunista acabou por se transformar, a par de António Costa, num dos alvos privilegiados dos bloquistas. De forma mais ou menos subtil, vários dirigentes do partido lá foram sugerindo que o PCP entregou o poder numa bandeja o poder aos socialistas, hipotecando as hipóteses da esquerda de condicionar efetivamente o Governo. Por outras palavras: o Bloco acredita que o PCP se transformou num dócil compagnon de route do PS e que isso fragiliza ainda mais a já quase extinta ‘geringonça’. A narrativa já era mais ou menos sussurrada nos bastidores, mas os bloquistas parecem apostados em provar que são o único partido útil ao eleitorado de esquerda — e crescer a partir daí. Jerónimo que se aguente.
Rui Rio
Depois de uma convenção quase exclusivamente a olhar para dentro de casa — a esquerda e o papel do Bloco nessa correlação de forças, Catarina Martins reservou o discurso de encerramento para zurzir no líder social-democrata. “Rui Rio quer levar a extrema-direita para o governo”. Pim. “Perdeu capacidade de disputar o centro ao PS”. Pim. “O PSD já não sabe fazer de outra forma e não se atreve sequer a pensar nisso”. Pim. “O PSD é um fantasma que só vibra quando alguém grita ‘morte ao socialismo'”. Pim. O manifesto anti-Rio assinado por Catarina Martins tem o propósito óbvio de agitar o fantasma do regresso da extrema-direita e, com isso, tentar agregar o eleitorado bloquista em torno de uma causa comum. Rio foi usado como pretexto para falar-sem-falar de Ventura e saiu com as orelhas a arder.
O Grande Ausente
Luís Monteiro
O deputado bloquista e agora ex-candidato à Câmara Municipal de Gaia transformou-se numa dor de cabeça para o partido. Acusado de violência doméstica — uma acusação que já rebateu, recorrendo à Justiça para provar a sua versão dos factos –, Luís Monteiro abdicou da candidatura autárquica e abdicou de ir à convenção do Bloco de Esquerda por saber que se iria transformar, com alto grau de probabilidade, no centro das atenções. Mas a ausência foi devidamente notada: além de dirigente, Monteiro fazia parte do núcleo duro do partido e era próximo de várias figuras da direção. Ainda antes da reunião magna do partido, Catarina Martins deu uma entrevista à Agência Lusa onde classificou a decisão de “ajustada tendo em conta os factos” que se conhecem, falou do óbvio princípio de presunção de inocência e pouco mais. Em Matosinhos, o tema foi absolutamente ignorado. Monteiro, esse, já não faz parte da direção do partido.