Os vencedores
João Oliveira
Num Congresso particularmente cinzento, com muitos discursos sem história, pouco otimistas e muito queixume à mistura, fez, a larga distância dos demais, a intervenção mais galvanizadora dos três dias de reunião magna do PCP. Como líder parlamentar, foi, durante muitos anos, a cara mais reconhecida do partido a par de Jerónimo de Sousa. Em 2022, ficou fora do Parlamento. O partido repescou-o para as europeias e garantiu a sobrevivência do PCP em Bruxelas, quando as expectativas não eram as melhores. Como João Ferreira, era apontado como possível sucessor de Jerónimo. Com alguma surpresa, a tarefa foi entregue a Paulo Raimundo, um perfeito desconhecido fora do partido. Ainda assim, em cima do palco, João Oliveira provou, mais uma vez, ser um dos poucos que consegue despertar algum tipo de paixão. Para lá de todos os lugares-comuns a que recorreu para atacar a União Europeia, conseguiu o mais eficaz e mais mobilizador toque a rebate: “Queriam-nos calados, encolhidos, isolados mas encontraram-nos inconformados.” Num raro momento genuíno, os militantes saltaram como se tivessem molas. Não se pode dizer que todos estejam no comprimento de onda de Oliveira (pelo contrário); mas não se pode dizer que não tenha tentado.
João Ferreira
Três vezes candidato às europeias, uma vez candidato à Presidência da República, duas vezes (a caminho da terceira) candidato à Câmara Municipal de Lisboa. Tempos houve em que a pergunta que mais se fazia no PCP era sobre “quando” é que (e não “se”) sucederia a Jerónimo de Sousa. (Ainda) não aconteceu. No entanto, mostrou, outra vez, um dos dirigentes mais respeitados no partido. É — e isso não é difícil perceber mesmo num partido que diz privilegiar sempre o coletivo e rejeitar “carinhas larocas” ou figuras “providenciais” — considerado o maior ativo eleitoral do PCP. Em Lisboa, nas eleições de 2025, será o ponta de lança da renovada estratégia do partido: (voltar) a fazer dos socialistas os principais adversários, rejeitar qualquer diluição em grandes plataformas de esquerda e reforçar a autonomia e o peso eleitoral do PCP. Em 2025, numas eleições autárquicas que se perspetivam muito difíceis para o partido, muito do sucesso ou do insucesso do PCP passará pelo resultado que João Ferreira conseguir ter em Lisboa. Será o primeiro a tentar provar que o partido consegue inverter o caminho de decadência eleitoral.
Jerónimo de Sousa
O ex-líder do PCP foi uma espécie de Fantasma do Natal Passado. Reconhecendo que este é “um momento exigente” e “de resistência”, Jerónimo de Sousa tentou dar aos congressistas a tranquilidade da História: “Desde a fundação, nunca tivemos uma vida fácil, mas nunca desistimos. A História diz-nos que nas maiores dificuldades o PCP arranjou sempre forças.” Lembrou a ilegalização do partido, a militância na clandestinidade e a força da contra-revolução para construir uma narrativa de continuidade que traz uma conclusão de serenidade e confiança: as dificuldades do presente não devem desanimar os comunistas porque os mais de 100 anos do partido foram sempre feitos de dificuldades. Ou seja: nada mudou nas dificuldades externas. E, se nada mudou nas dificuldades externas, nada há a mudar no funcionamento interno: o PCP pode continuar a ser como sempre foi, sem tentações reformistas. O discurso de Jerónimo resultou: a militância gostou de ouvir o antigo líder e ficou aparentemente convencida de que, como se dizia há uns anos, #vaificartudobem.
Os vencidos
Pedro Nuno Santos
O atual líder do PS sempre olhou para a geringonça como se fosse o equivalente português da Sierra Maestra castrista. Basta ouvi-lo: “Fizemos uma grande revolução, quando felizmente e finalmente superamos bloqueios e conseguimos trabalhar com o PCP e com o BE. E foi uma vitória muito importante que não pode ser um parênteses na História do país”. Se depender do PCP atual, a geringonça não será, de facto um parênteses — será mais um ponto final. No congresso deste fim de semana, os comunistas dedicaram-se a, vou citar, “tirar a máscara” a Pedro Nuno Santos. Paulo Raimundo, no discurso de abertura, divertiu-se com a “abstenção violenta” do PS no Orçamento; Bernardino Soares, com indisfarçável paternalismo, reconheceu que Pedro Nuno “disse umas coisas interessantes” sobre ser de esquerda no passado, mas depois cedeu às forças da direita; e João Oliveira falou, com frieza, do “oportunismo” dos socialistas. Sem sentimentalismos, o eurodeputado único do PCP constatou que “só pode ficar desiludido” com tudo isto “quem alimenta ilusões”. Tendo “alimentado” durante anos a “ilusão” de que ia ressuscitar a verdadeira esquerda logo que pisasse o Largo do Rato como líder, Pedro Nuno Santos só pode ter acabado este fim de semana muito “desiludido”. Afinal, como se constatou, o PCP não o vê como o novo Léon Blum.
Mariana Mortágua e Rui Tavares
Os dois, com intensidades diferentes, é certo, têm defendido recorrentemente plataformas de convergência à esquerda para derrotar Luís Montenegro — ainda a nova legislatura dava os primeiros passos e já Mariana Mortágua iniciava um périplo para tentar convencer os partidos à esquerda a juntar forças. O PCP lá aceitou o encontro e diria sobre este, com um contagiante e indisfarçável entusiasmo, que… foi uma “reunião normal”. Daí para cá, Pedro Nuno já deu a mão a Montenegro, Mortágua e Rui Tavares lá se foram afastando do PS, ainda que mantenham o flirt em Lisboa para tentar derrotar Carlos Moedas, e o PCP está onde sempre esteve: contra “falsas saídas” à esquerda, contra “soluções inconsequentes”, contra a ideia de “inventar frentes e elaborar proclamações”, como resumiu Raimundo no seu discurso de abertura. Como demonstrou várias vezes ao longo da sua História, em particular em 2015, o PCP é um partido pragmático e, se um dia tiver de se aliar ao PS para impedir a direita de governar, assim o fará. Mas a estratégia que saiu deste Congresso é clarinha: provar que à esquerda só há uma força que conta e todos os outros partidos são meras bengalas do PS.
O líder morno
Paulo Raimundo
No discurso de abertura do congresso, Paulo Raimundo falou longamente sobre os “tempos difíceis” que o partido atravessa. No discurso de encerramento, tentou transmitir confiança. Mas, em certo sentido, neste segundo momento fez o papel do “otimista irritante”. Porque, aparentemente, acredita que a solução para os problemas do PCP são dois e surgirão muito em breve, como uma aparição: a 14 de janeiro, os comunistas vão “realizar 100 ações” para conseguir reunir 100 mil assinaturas com o objetivo de “aumentar salários e pensões”; e quatro dias depois vão realizar a milésima manifestação “pela paz”. É difícil imaginar que mesmo o mais fervoroso militante (por exemplo: Albano Nunes) se mobilize com tão pouco.