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Owen Matthews: "Comparam-no a Hitler ou Mussolini, mas Putin é muito mais parecido com Salazar”

"Sol Negro" é uma ficção em volta de histórias reais de conspirações soviéticas e bombas nucleares. Falámos com o autor, o jornalista e historiador Owen Matthews, sobre o passado e o futuro da Rússia.

Quando a nuvem em formato de cogumelo se ergueu sobre os destroços de Hiroshima a 6 de agosto de 1945, julgou-se estar perante o estágio final do domínio da humanidade sobre a natureza. O poder nuclear deixou duas cicatrizes no Japão que puseram o mundo em sentido, revelando a mesma capacidade devastadora que já tinha levado o seu alquimista-mor a professar “a Morte, a destruidora de mundos” durante o seu primeiro ensaio em Los Alamos.

A citação das escrituras hindus, tornada infame pelos lábios de J. Robert Oppenheimer, omite, porém, qualquer sentimento de arrependimento que o físico norte-americano possa ter nutrido quanto à sua invenção. Em vez de palavras, o cientista tentou demonstrá-lo com ações, passando o resto da sua vida a combater a proliferação nuclear — sem sucesso. O problema das invenções é que são como o génio dos três desejos: quando saem cá para fora, não dá para enfiá-las de volta na lâmpada. Richard Jordan Gatling que o diga.

Se o nome acima lhe parecer familiar, é porque adorna outra das invenções mais malignas que o Homem ousou parir: a arma Gatling, precursora das metralhadoras. Chocado perante a mortandade que os conflitos armados impunham sobre os seus concidadãos, este inventor oitocentista da Carolina do Norte concebeu uma ferramenta tão mortífera que, decerto, tornaria a guerra obsoleta — ou, pelo menos, reduziria a necessidade de grandes exércitos e, consequentemente, evitaria mais mortes.

O que Gatling não conseguiu prever é que, em vez de impedir a guerra, inaugurou um novo patamar ao automatizá-la. Ao invés de fugir das metralhadoras, as nações fizeram fila para adquiri-las. Menos de um século depois, a mesma lógica instalou-se face às bombas atómicas, ainda as poeiras radioativas de Hiroshima e Nagasaki estavam a assentar. É aqui que entra Andrei Sakharov.

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Antes de ser um dissidente da União Soviética e do seu apelido batizar prémios humanitários, este físico moscovita esteve por trás da mais poderosa bomba termonuclear jamais concebida, a “Tsar Bomba”. Só que apesar do contexto da Guerra Fria, tal explosivo não foi criado para amedrontar o Ocidente, mesmo que esse pudesse ser o objetivo do Comité Central — Sakharov era mais Gatling do que Oppenheimer. Quando foi largado no Ártico em 1963, este dispositivo — 1570 vezes mais potente que as bombas largadas no Japão e capaz de varrer uma cidade do tamanho de Paris — pôs fim à escalada armamentista ao demonstrar o que estava reservado ao mundo caso continuasse por esse caminho.

“Os generais muito rapidamente começaram a encarar a bomba de Hiroshima como apenas outra bomba, isso não pôs fim às guerras. Mas a ‘Tsar Bomba’ e esta ideia de uma guerra termonuclear instituíram essa era da destruição mútua assegurada”, conta Owen Matthews. O jornalista, historiador e escritor conversou com o Observador a propósito do lançamento de Sol Negro (edição pela Minotauro) em Portugal, o primeiro volume de uma trilogia de thrillers passados em solo soviético.

O introito acima justifica-se porque, apesar de ficcional, a ação de Sol Negro decorre durante a criação bem real da “Tsar Bomba”. Este romance coloca Aleksandr Vasin, oficial de um departamento especial do KGB, a investigar a morte de um cientista na cidade de Arzamas-16 onde tal bomba foi concebida. Além das tramoias expectáveis de um mistério colocado no seio do poder soviético, acresce o secretismo de tal projeto chocar de frente com a procura pela verdade do protagonista deste livro.

O medo apocalíptico no cerne de Sol Negro é o mesmo que coloca hoje os grandes atores internacionais em sentido — mesmo que as tensões entre NATO e a Rússia cresçam de dia para dia no decurso da invasão da Ucrânia pelo regime de Vladimir Putin. O problema, afirma Matthews, é que “ninguém escreveu as regras quanto à utilização de armas nucleares táticas” e o seu uso, se “for normalizado, mudará a face das guerras e o decurso da história humana”.

É com sob esta premissa que Matthews — que assina uma coluna habitual no Spectator sobre a política russa e que publicou em 2023 Passar as Marcas (Edições 70) sobre o dealbar da invasão sobre a Ucrânia — entrou numa extensa conversa: sobre os possíveis desenlaces da guerra, os riscos do regime de Putin cair e a curiosa observação de que o presidente russo deve mais o seu autoritarismo a uma figura como António de Oliveira Salazar do que aos mais famosos ditadores europeus do século XX.

A capa da edição portuguesa de "Sol Negro", de Owen Matthews (Minotauro)

Sol Negro ficciona o desenvolvimento da bomba nuclear mais poderosa alguma vez criada — a RDS-220, também conhecida como “Tsar Bomba”. O que é que neste processo o interessou para escrever este romance?
O que achei incrivelmente fascinante foi quando me deparei com as memórias de Andrei Sakharov, o criador da “Tsar Bomba” — tornando-se, mais tarde, claro, o famoso dissidente soviético. O que é realmente fascinante nesse livro de memórias é o facto de Sakharov descrever um grupo de pessoas, de cientistas, que reuniu e que viveram numa comunidade com uma vida intelectual muito rica. Estranhamente, viveram numa espécie de bolha de liberdade, apesar de estarem no centro do projeto de armamento mais secreto da União Soviética. Só que, devido às suas próprias regras internas, foi-lhes efetivamente permitido o acesso a todo o tipo de materiais proibidos: livros, correspondência, jornais e assim por diante. Mas a questão a reter aqui é que esta comunidade de cientistas tinha como trabalho diário imaginar a destruição da espécie, da vida na Terra. E eu pensei que, a nível psicológico, este é um cenário extraordinário para qualquer tipo de drama humano. O que é que passou pela cabeça destas pessoas? E como é que elas lidaram com isso? Passaram os dias a pensar na morte, mas, apesar disso, viveram a vida de seres humanos normais.

E outra coisa que me marcou foi o facto de Sakharov, apesar de ter ajudado a criar a arma mais mortífera que a humanidade alguma vez fabricou, fê-lo por uma razão totalmente não bélica, com uma motivação pacifista. Isto parece algo louco, mas na verdade foi algo muito lógico. A ideia é que se criássemos uma bomba tão terrível que fosse capaz de destruir um país — e muitas delas juntas destruiriam o planeta inteiro — então, efetivamente, acabaríamos com as guerras. É por isso que ele ajudou a fazer isto. [Sol Negro] não começou propriamente com a história da “Tsar Bomba”, mas com o mundo em que esta foi criada, com a génese do projeto.

O ambiente de Sol Negro é o de um noir clássico. Vasim é um herói falível, mas também um idealista que tenta procurar a verdade contra todas as probabilidades. Porque é que acha que a União Soviética funciona bem para este tipo de história?
Bem, para começar, tem um vilão muito identificável. Sem chegar ao ponto de usar a palavra “maligno” para descrevê-lo, o seu sistema dedicava-se basicamente a esmagar o individualismo e a destruir o espírito humano — o que era um pouco paradoxal, dado que o comunismo, em teoria, assenta em princípios incrivelmente elevados e amigáveis. De qualquer forma, a União Soviética, tal como existiu, teve este estado todo poderoso e que é um antagonista extremamente bom. Sol Negro é o primeiro de uma trilogia e o estado securitário soviético é terreno muito fértil para ficção. É todo poderoso, todo omnipresente. Mas também, o que o torna mais interessante — a razão pela qual a União Soviética é um local tão interessante para situar um thriller noir —, é o facto de ter esta espécie de profunda ambiguidade moral. É um pouco aquilo a que aludi, temos uma sociedade dedicada a ideias de justiça e igualdade que, de alguma forma, consegue perpetrar grandes males. Além disso, tivemos pessoas dentro do estado securitário a tomar todo o tipo de decisões morais muito difíceis. Tornaram-se como os jesuítas, uma espécie de classe sacerdotal que decidia quem era castigado e quem não era. Na verdade, no centro de tudo isto, tivemos estas pessoas que se debatiam com todas estas formas pragmáticas de aplicar ou não o poder do Estado. E Vasim é uma espécie de herói noir clássico, porque é um tipo pequeno, mas com princípios — o que, ao mesmo tempo, é também uma coisa soviética muito real. Estive na União Soviética várias vezes, em criança e na adolescência, e foi espantoso ver como, apesar de muitas pessoas serem cínicas em relação ao regime, muitas outras eram também idealistas, estranhamente. Não sei como o conseguiam, mas eram. Portanto, é uma coisa real: as pessoas, apesar de terem de viver toda a sua vida no sistema soviético rodeadas de hipocrisia, conseguiram manter esta espécie de princípios morais idealistas.

O que está a dizer, no fundo, é que apesar de considerarem que o sistema não era perfeito, as aspirações do comunismo ainda lhes soavam bem, relativizavam tudo o que estava errado no sistema para perseguirem esse objetivo.
E é isso que faz de Vasim um polícia tão mau [risos]. A certa altura, os colegas gozam com ele. Do tipo: “Ainda acreditas que o sistema pode ser bom e que estamos a fazer o que é suposto fazermos?”. Eles riem-se, mas ele continua a acreditar.

Uma das características de Sol Negro é o retrato da luta pelo poder entre diferentes organizações soviéticas — por vezes, até dentro da mesma organização, como o KGB de Vasim — e os perigos que daí advêm. Fomos habituados a olhar para a Rússia como uma espécie de paraíso da traição e das políticas de bastidores — quão verdadeira é essa perspetiva nos dias que correm?
Continua a ser muito verdade — aliás, penso que é muito mais verdadeiro hoje do que era no tempo soviético, por uma razão muito importante. Quando o regime soviético se estabilizou, diria que no período do pós-guerra, houve de facto a formação de instituições bastante fortes. Nos anos 20, era tudo uma espécie violenta de política cortesã bizantina. Mas já na década de 30 assiste-se à criação de instituições — não propriamente da sociedade civil, mas sim burocráticas, que têm as suas próprias estruturas e as relações entre si definidas. Existe uma hierarquia, existe este comité e aquele.

"As inadequações do sistema são encobertas por esta interminável onda de dinheiro grátis. Mesmo que tenhamos um balde com fugas, se tivermos água a correr, o balde parece sempre cheio, não as vemos. Putin consegue manter esta ilusão de ordem inundando toda a gente, atirando dinheiro para todos os lados e melhorando a vida da maioria das pessoas comuns."

Mantendo toda a União Soviética em ordem? Através do poder centralizado?
Em parte sim, mas também porque significava que o poder não se exercia somente através de ligações pessoais. Só que após a queda da União Soviética, no regime de Putin, essas instituições deixaram de existir de facto. Embora ainda subsistam em teoria, na realidade, a dinâmica do poder depende inteiramente de redes de influência pessoal e de suborno, de fazer passar o dinheiro pela cadeia de comando acima. O poder depende inteiramente de um sistema feudal. Aliás, a Rússia de Putin é, de facto, muito mais parecida com a Rússia czarista pré-moderna do que com a União Soviética. É como uma espécie de sistema medieval tardio em que a segurança depende inteiramente das relações pessoais de poder com as pessoas que esperamos que não nos destruam ou matem. É um sistema de cortes.

A dada altura do romance, Arvo Javonich Laar, ex-colega estónio de Vasim, diz o seguinte: “Sabes o que é que nunca consegui perceber acerca dos russos? Vocês, todos vocês, adoram a anarquia […] Têm almas rebeldes. Individualmente, querem foder o sistema; coletivamente, têm pavor do caos. Fazem o que for preciso para o impedir. Nunca percebi porquê. Talvez seja por se conhecerem muito bem a si próprios”. É devido a esta mentalidade que a Rússia se deixou controlar por alguém como Vladimir Putin?
Bem, essa é uma daquelas perguntas sem resposta. Quero dizer, há claramente fortes indícios de que, nos períodos em que a autoridade central entrou em colapso na Rússia, toda a sociedade passou a roubar, no fundo. Instalou-se uma espécie de anarquia e caos. Todos os países europeus tiveram mais ou menos períodos de anarquia, de falência do poder político, mas estes tendem a resolver-se em lutas ideológicas. Como a Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial ou a Inglaterra durante a Guerra Civil, nem tudo se desmorona imediatamente e toda a gente começa a roubar tudo; é apenas uma espécie de conflito civil, não um colapso social total, ao passo que a Rússia… Bem, há várias razões óbvias para isso que os historiadores tendem a invocar, como o facto de a Rússia ter sido uma sociedade feudal altamente controlada até muito mais tarde do que a maioria das sociedades europeias, até 1861; foi aí que se deu a abolição da servidão, até então, cerca de 80% da população era propriedade pessoal de outra pessoa. Assim, foi negado o direito de ação às pessoas e, no século XX, voltou a ser-lhes negado o direito de ação. É sabido que o poder traz consigo responsabilidades e que a liberdade também as acarreta. Se uma sociedade nunca foi realmente livre, quando recebe a liberdade não tem consciência de que esta pressupõe um certo tipo de responsabilidades.

Ao mesmo tempo, esta é também uma espécie de sociedade singularmente fracionada, no sentido em que é geograficamente tão enorme… a vastidão da Rússia torna essencialmente impossível a ideia coesa de uma nação, de unidade nacional. Assim, todas as métricas da existência russa — quer se trate da relação entre o indivíduo e o Estado ou da relação dos concidadãos entre si —, por tratar-se de um lugar tão grande, tornam-se uma abstração. Não é uma coisa real, o Estado russo é algo tão gigantesco que nunca conseguimos estabelecer uma relação significativa com ele.

Excluindo aqueles que lhe tiveram afinidades ideológicas, penso que a perceção ocidental comum da União Soviética — e, em certa medida, da Rússia moderna, devido ao legado da URSS — é a de uma sociedade coletivista e cinzenta, o que tende a obscurecer alguns aspetos que desconhecemos. Que facetas da Rússia são-nos desconhecidas?
O que tende a ser esquecido é o quão fantasticamente criativa a Rússia é e tem sido ao longo da história, tanto a nível artístico como científico. A Rússia fez um enorme trabalho de autogenocídio ao longo dos últimos 130 anos — com a Primeira Guerra Mundial, a Guerra Civil, as repressões bolcheviques, as repressões estalinistas, a Segunda Guerra Mundial, a vaga maciça de emigração de todos os melhores e mais brilhantes cérebros nos anos 70 e depois outra vaga de imigração em massa nos anos 90. Com tudo isto, é espantoso que tenha restado alguém. No entanto, em cada um destes períodos, houve uma espécie de florescimento notável de arte e tecnologia brilhantes e capazes de mudar o mundo. Vejamos, os russos foram os primeiros a colocar um homem no espaço, por exemplo. É um tributo extraordinário ao espírito russo este facto de, apesar de o seu Estado estar constantemente a tentar assassinar e perseguir todas as pessoas inteligentes, estas terem conseguido persistir.

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"Sempre houve uma espécie de ultra-nacionalistas marginais que acreditavam na restauração do Império Russo, que a Ucrânia não existia, mas eram vozes marginais — até agora"

AFP via Getty Images

No que toca aos dias de hoje, as circunstâncias que rodearam a escrita de Passar as Marcas foram muito sombrias. Descreve nesse livro como a sociedade russa mudou quase de um dia para o outro após a invasão da Ucrânia. Pode relatar essa mudança?
Bem, foi uma espécie de momento de viragem em que tudo se solidificou no horror. Todos estes elementos já existiam antes: o Estado russo era repressivo, o espaço para a oposição e o jornalismo era limitado, as pessoas eram paranoicas. Mas a consolidação de todas estas coisas acelerou muito no início da guerra. Por outro lado, sempre houve uma espécie de ultra-nacionalistas marginais que acreditavam na restauração do Império Russo, que a Ucrânia não existia, que o Ocidente estava empenhado em destruir a Rússia, mas eram vozes muito marginais — até agora. A razão pela qual isto foi um ponto de viragem foi o facto de o equilíbrio se ter invertido de repente. Os atos de paranoia tornaram-se mainstream, a nova ortodoxia. E as pessoas da oposição, as pessoas racionais, de repente implodiram como um buraco negro. Subitamente, não havia espaço para elas. E isso aconteceu muito, muito rapidamente. Ninguém estava realmente à espera que a invasão acontecesse em 2022, todos foram apanhados de surpresa e todos entraram em pânico. E, num curto espaço de tempo, quase um milhão de russos fugiu do país.

A 30 de março fez um ano desde que o jornalista Evan Gershkovich foi detido na Rússia por acusações de espionagem. Visto que começou a escrever Passar as Marcas ainda na Rússia, alguma vez sentiu que estava em perigo ou sob algum tipo de vigilância?
Não, na verdade, não senti. Mas, se calhar, isso foi complacência da minha parte. Penso que agora é mais perigoso do que era há dois anos. Fui à Rússia três vezes em 2022, já durante a guerra, e não me senti particularmente ameaçado. Na verdade, o que mais me preocupava era meter as pessoas em sarilhos. Por outras palavras, ao falar com elas, podia causar-lhes problemas. Mas, mais uma vez, tudo isto é muito diferente da era soviética, no sentido em que, penso eu, o controlo é muito menos total do que era nesse período. É muito menos previsível, o que, infelizmente, torna tudo mais assustador. Porque ao menos na União Soviética da década de 1970 sabia-se exatamente onde se estava.

Havia regras básicas, certo? Agora o livro parece que foi atirado pela janela?
Exatamente. E toda esta história à volta de Gershkovich… Quero dizer, ele não está preso por criticar o regime. Ele está lá como refém, é muito simples. É um ato puro e cínico de tomada de reféns por parte do Estado russo.

Quem ler a sua trilogia de thrillers soviéticos, pode considerá-las obras de ficção demasiado fantásticas para estarem próximas da realidade. Mas depois olhamos para os últimos dois anos na Rússia: da invasão da Ucrânia à marcha de Yevgeny Prigozhin em direção a Moscovo, da morte prematura de Alexei Navalny ao recente ataque ao centro comercial Crocus City. O que é que este país tem que se presta a todos estes acontecimentos?
Deposita demasiada confiança em pessoas, como os seus líderes, desligadas da realidade. A obediência total ao regime é considerada pelos russos como a base da ordem, mas quando o topo do regime está profundamente desinformado, é paranoico e francamente incompetente, temos isto. Cada um dos erros e horrores que mencionaste vem do topo, isto é uma coisa que parte da base para o topo — a não ser, claro, que se considere o consentimento geral quanto ao governo de Putin como sendo algo que parta da base para o topo. Mas tudo vem do topo, de um homem e de um círculo muito pequeno de velhos que pensam que sabem tudo, mas que são uns idiotas (de merda) e estão profundamente mal informados.

No que diz respeito a essa noção de consentimento quanto ao governo de Putin, este ano celebra-se o 50.º aniversário da Revolução dos Cravos, que depôs a ditadura do Estado Novo em Portugal. Parte do discurso nacional está e estará a girar em torno da ideia de que um regime como esse resistiu durante décadas, não só devido à vigilância e ao controlo do Estado, mas também devido a uma espécie de conformidade do povo. Vê algum paralelo com a Rússia atual?
Sem dúvida. Curiosamente, o Portugal de Salazar é, de facto, uma das melhores comparações, diria eu. As pessoas, preguiçosamente, comparam Putin a Hitler ou Mussolini, mas essa é uma comparação muito má. Ele é muito mais parecido com Salazar, porque não faz esse tipo de discursos histéricos e gritados. Salazar era um professor de economia, era “um valor seguro” e o nível das suas repressões, tanto quanto sei, não chegou à escala de Hitler, Estaline e Mussolini. Apresentava-se como uma espécie de gestor sensato e sábio. Quanto ao ponto principal da pergunta, concordo plenamente que Putin manda com o consentimento do seu povo. Ele não governa por coerção, governa por consentimento.

Esse é realmente um ponto crucial a ter em conta, porque a razão pela qual Putin é capaz de fazê-lo deve-se a uma questão económica muito simples — como ele pode recorrer às reservas de petróleo e gás, as inadequações do sistema são encobertas por esta interminável onda de dinheiro grátis. Mesmo que tenhamos um balde com fugas, se tivermos água a correr, o balde parece sempre cheio, não as vemos. Só quando se fecha a torneira! Ora, foi exatamente isso o que aconteceu em 1983, quando a torneira foi fechada — os sauditas começaram a aumentar a sua produção de petróleo, o preço do petróleo quadruplicou e, em 1986, as insuficiências que tinham sido encobertas pelas receitas do petróleo e do gás tornaram-se subitamente evidentes na União Soviética. Putin consegue manter esta ilusão de ordem inundando toda a gente, atirando dinheiro para todos os lados e melhorando a vida da maioria das pessoas comuns.

O que importa, penso eu, é que em qualquer discussão entre um estrangeiro e um russo sobre o futuro da Rússia em geral, independentemente das métricas, o estrangeiro argumentará muito frequentemente que a Rússia poderia ser melhor e o russo responderá sempre que a Rússia poderia estar pior — e ambos, na verdade, têm toda a razão. Não sei em pormenor como eram as coisas em Portugal, mas o período salazarista parece ser um bom exemplo de como as pessoas estão dispostas a aceitar um regime assim porque têm medo do caos e da anarquia. Viram o que aconteceu em Espanha [com a Guerra Civil] e depois viram o que aconteceu na Europa na Segunda Guerra Mundial e Salazar manteve-os fora de tudo isso — nesse sentido, podia ter sido muito pior.

"É muito claro como é que a guerra vai acabar: com a divisão de facto da Ucrânia ao longo de uma linha de controlo e de garantias de segurança que incluam a não-adesão à NATO. É assim que termina. Mas isso não vai acontecer neste momento."

Algo que nos remete a Sol Negro — e é interessante que o livro tenha saído em Portugal meses depois de Oppenheimer ter chegado aos cinemas — é que no romance a bomba está a ser desenvolvida com esta ideia de destruição mútua assegurada. Estamos sempre a ouvir a ideia de que a invasão russa da Ucrânia prenuncia algo mais perigoso, a possibilidade de uma nova guerra com outros países ocidentais, mesmo que Putin continue a dizer que essa é uma ideia absurda. Quão credível é esse risco?
É compreensível que, por várias razões históricas, traumáticas e patológicas, os povos bálticos e os polacos sejam paranoicos quanto à possibilidade de serem invadidos pela Rússia, porque isso já aconteceu em várias ocasiões. Mas penso que as hipóteses de Putin invadir a NATO são completamente fantasiosas, em todas as métricas possíveis… O PIB dos países da NATO é 30 vezes maior do que o da Rússia — não é três vezes, é 30 vezes. A NATO tem seis milhões e meio de tropas, a Rússia tem talvez 1,3 milhões. A NATO tem 18 porta-aviões, a Rússia tem um. Não há literalmente comparação, não existe cenário onde a Rússia sobreviva durante dois segundos num conflito com a NATO. Putin é obviamente um idiota em muitos aspetos, mas não é assim tanto, não é suicida. Percebo porque é que é do interesse dos ucranianos fazer esse tipo de afirmação retórica, de que “estamos a lutar por vocês, estamos a manter as linhas da frente, vocês vão ser os próximos”, mas isso não é verdade. Além disso, do ponto de vista operacional, todo o poderio do exército russo demorou nove meses a tomar Avdiivka — eu já lá estive, é uma cidadezeca. Se demoraram nove meses a tomar um sítio destes e perderam quase cinquenta mil homens, quem pensaria que Varsóvia seria a próxima? Isso é completamente absurdo.

E, como referiu num artigo recente, a propósito do ataque ao City Crocus, a Rússia está tão espartilhada neste momento que nem sequer consegue controlar as ameaças à sua segurança interna.
Precisamente. O perigo quanto à Rússia não se prende no quão poderosa é, mas o quão fraca é. O que o motim de Prigozhin revelou e o que muitos decisores políticos a oeste temem não é uma vitória de Putin, mas sim a sua derrota e a consequente implosão do Estado russo. Isso é muito mais assustador para toda a gente. Regressando ao início da pergunta, quanto às armas nucleares, será que Putin vai usá-las? Bem, o princípio da destruição mútua assegurada mantém-se. Esse equilíbrio foi criado, curiosamente, não pelo Oppenheimer, mas pelos criadores da bomba de hidrogénio, por pessoas como Sakharov. Como menciono no livro, os generais muito rapidamente começaram a encarar a bomba de Hiroshima como apenas outra bomba, isso não pôs fim às guerras. Mas a “Tsar Bomba” e esta ideia de uma guerra termonuclear instituíram essa era da destruição mútua assegurada. O problema é que ninguém escreveu as regras quanto à utilização de armas nucleares táticas. Eu tenho um amigo próximo que trabalha junto dos altos escalões do governo chinês, fala pessoalmente com Xi Jinping, e a sua opinião é que os chineses se estão a “cagar” para a Ucrânia, não podiam estar-se mais nas tintas se esta ou aquela cidade é capturada, mas há uma coisa à qual dão muita importância: se o uso de armas nucleares táticas for normalizado, mudará a face das guerras e o decurso da história humana.

É como a metáfora da metralhadora Gatling que menciona no livro?
Sim, mas com uma diferença, porque contorna a questão da destruição mútua assegurada, abre uma janela à parte quanto ao escalar do armamento. “Não vamos usar armas termonucleares, mas vamos largar uma pequena bomba nuclear, o que é que tu vais fazer quanto a isso?” Ainda por cima estamos a falar do uso destas armas por parte de países com arsenal nuclear contra países sem essa capacidade. Assim que isso começar a acontecer, o mundo torna-se num lugar muito mais perigoso. Por outro lado, não vejo qual seria a estratégia de Putin em fazer algo assim — até porque, como referi, essa seria a altura em que a China…

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"A Rússia de Putin é, de facto, muito mais parecida com a Rússia czarista pré-moderna do que com a União Soviética. É como uma espécie de sistema medieval tardio"

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Intervém?
Sim, fomentando um golpe militar na Rússia. Isso é algo realmente possível de acontecer. Mas tal como invadir a NATO, ele [Putin] é burro e desinformado. Aliás, ele não é burro, esse é apenas um insulto fácil. Ele é tremendamente mal informado, acha-se muito mais inteligente do que realmente é e não se apercebe da extensão da sua ignorância. E isso é muito perigoso, mas se há coisa que ele não é, é ser ativamente suicida.

Primeiro deu-se a invasão russa, depois houve a contraofensiva ucraniana, seguiu-se o impasse e agora os recentes avanços russos. Por um lado, a UE mantém firme o apoio à Ucrânia, por outro, os EUA têm tido dificuldade para aprovar mais fundos. Na sua opinião, qual é o rumo que a guerra irá tomar?
Penso que é muito claro como é que a guerra vai acabar: com a divisão de facto da Ucrânia ao longo de uma linha de controlo e de garantias de segurança que incluam a não-adesão à NATO. É assim que termina. Mas isso não vai acontecer neste momento, porque Putin não tem qualquer incentivo para fazer qualquer coisa para pôr fim à guerra antes de saber o resultado das eleições presidenciais dos EUA. Basicamente, nada acontece este ano.

Então, o que está a sugerir é que o principal “e se” do conflito nem sequer está a ocorrer lá? É o facto de Donald Trump ser eleito ou não?
Não, nem sequer isso, de facto. Porque o acordo que Trump faria e o acordo que a administração Biden faria são o mesmo. Esse é o paradoxo louco, o facto de haver apenas um acordo a ser feito. Os pormenores podem ser diferentes, mas a dura realidade da Ucrânia é que a divisão já aconteceu. Tal como aconteceu na Índia em 1947, em que os hindus foram para um lado e os muçulmanos para o outro. Foi feio, foi sangrento, mas aconteceu. Essencialmente, já existe uma troca de populações, todos os habitantes pró-Kiev do Donbass e das áreas ocupadas na Crimeia já não estão lá, estão deslocados internamente. Por isso, a ideia de voltar ao status quo ante é basicamente impossível. Passei três semanas em Kiev, pouco antes do Natal, e isso é bastante claro para a liderança da Ucrânia. Falei com algumas pessoas muito importantes em torno de Zelensky e eles reconhecem isso também, que não vão recuperar esse território. Mas, ao mesmo tempo, não podem cedê-lo formalmente, porque no momento em que cede formalmente um território, a Ucrânia torna-se instantaneamente ingovernável, temos uma guerra civil nas mãos, porque muitas pessoas lutaram e morreram para recuperar esses territórios.

Os ucranianos não vão recuar e os russos não vão prescindir dos territórios ocupados. Não vão fazê-lo, não há forma de os obrigar a isso. A única solução viável — seja para Biden ou para Trump, é igual para qualquer um — é chegar a um compromisso, a uma manobra política. Tal como ocorreu com a Coreia — a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, recordemos, ainda estão formalmente em guerra uma com a outra. Mas o melhor exemplo é Chipre. A República de Chipre não reconhece a existência da República Turca de Chipre do Norte e não o faz desde 1974. Nem a Europa, nem a ONU, nem ninguém. Mas ela existe, mesmo que finjamos que não. Penso que será exatamente essa a situação, porque já há muita tensão a borbulhar na Ucrânia em torno da política do regime de Zelensky, que consiste em recrutar mais homens, enviar mais meio milhão de pessoas para as linhas da frente e continuar a lutar. Penso que há muita oposição a isso, até porque, a dada altura, manter a Ucrânia presa numa guerra eterna torna-se uma vitória para Putin.

Já começámos a ter pessoas como o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Zelensky, Vadym Prystaiko, que disse que precisamos de amputar o Donbass e a Crimeia como um membro gangrenado, que se eles não querem ser ucranianos, que não sejam, nada de bom resultará da tentativa de os obrigar a isso, deixem-nos ir. Mais recentemente, Alexey Arestovych, que era um dos conselheiros mais próximos e uma espécie de rosto público do regime de Zelensky, disse no verão passado que se a perda do Donbass e da Crimeia é o preço para a Ucrânia aderir à UE e à NATO, é um preço que devemos estar dispostos a pagar. Por isso, já existem figuras políticas ucranianas de topo que dizem basicamente que temos de reconhecer que a divisão aconteceu e seguir em frente.

"Ao contrário do que muitas pessoas no Ocidente pensam, a Rússia não é dirigida por elites financeiras ou oligarcas, é dirigida por um grupo muito restrito de antigos veteranos do KGB que, de facto, não são motivados pelo dinheiro [...] São homens paranoicos que pensam que estão a proteger a Rússia de uma ameaça existencial. É isso que é importante para eles."

Algo que pode ser depreendido do que disse é que, basicamente, a menos que um acordo seja negociado com condições muito específicas, pode criar problemas tanto na Rússia como na Ucrânia que poderão gerar um vazio de poder com consequências desastrosas, certo?
Sim, mas a questão é que todas as discussões sobre o fim da guerra partem do princípio de que a Rússia pode ser levada a fazer cedências. Mas a Rússia não se comprometerá a menos que seja forçada a isso. E a única maneira de obrigá-la é exercendo uma pressão esmagadora. O Ocidente já fez tudo o que podia com a pressão das sanções, e isso não resultou. Então, o que é que vamos fazer? Não podemos obrigar Putin a devolver qualquer território que tenha tomado. Por isso, temos de reconhecer que, se não estamos dispostos a iniciar uma guerra contra a Rússia por causa do Donbass e da Crimeia — e penso que não devemos fazê-lo —, então o melhor a fazer é, pelo menos, um cessar-fogo. Um cessar-fogo que permita à Ucrânia começar a reconstrução e impor reparações à Rússia, levantando obrigações a partir dos seus ativos congelados ou desviando o rendimento dos seus ativos estatais congelados para a Ucrânia, esse tipo de coisas. E depois cria-se a vitória através da redefinição da vitória. Por outras palavras, se a Ucrânia tornar-se um Estado europeu estável, próspero e democrático, e a Rússia ficar isolada numa espécie de culto de morte neo-soviético, então a Ucrânia ganhou e a Rússia perdeu.

Mas a Rússia já é considerada um Estado pária. Haverá algum cenário em que isso não aconteça ou não se agrave?
Não creio que Putin se preocupe realmente com o facto de a Rússia ser um Estado pária, porque desconfia fundamentalmente do Ocidente e está genuinamente convencido de que este está a tentar destruir a Rússia. Para uma grande parte da sua elite, a guerra tem sido um desastre total porque tem sido incrivelmente má para os negócios. Foi um duro golpe para o estilo de vida da elite, para os seus negócios, etc. Mas, ao contrário do que muitas pessoas no Ocidente pensam, a Rússia não é dirigida por elites financeiras ou oligarcas, é dirigida por um grupo muito restrito de antigos veteranos do KGB que, de facto, não são motivados pelo dinheiro. Não lhes interessa que os oligarcas percam todos os cêntimos que têm no Ocidente ou que a Rússia nunca volte a estabelecer qualquer tipo de laços económicos a oeste ou a ter qualquer investimento direto estrangeiro, não é assim que eles pensam. São homens paranoicos que pensam que estão a proteger a Rússia de uma ameaça existencial. É isso que é importante para eles. Mas todos estes homens estão na casa dos 70 anos. E, tal como os líderes da União Soviética, vão todos morrer em breve. E depois a Rússia vai ter de se recalibrar, vai haver uma tentativa de normalizar as relações com o Ocidente, de se reconstruir, e assim por diante. Mas, até lá, não estou a ver nenhum mecanismo real através do qual o Ocidente possa forçar a mudança dentro da Rússia.

Não só tem ascendência russa, como a sua mãe foi uma sobrevivente daquilo que descreve como as “leis dos lobos” durante os anos 30 e 40 na União Soviética. Foi isso que o atraiu para este tema ou houve outras razões?Sim, foi isso. A história da infância da minha mãe e da execução do meu avô por Estaline é a pedra de toque da minha relação com a Rússia e com o mundo. Este é um país que esteve muito perto de destruir a minha família e a minha mãe, e ela só sobreviveu por uma espécie de milagre extraordinário e pela sua própria força de carácter. Por isso, sim, sinto estas questões da violência do Estado e do esmagamento do indivíduo de forma extremamente pessoal, e isso informa por completo tudo o que penso ou escrevo sobre a Rússia, o facto de o Estado estar constantemente a tentar esmagar o indivíduo na Rússia. E o que torna a cultura russa grande é que, basicamente, todos os grandes escritores russos escreveram em oposição a isso e têm vindo a resistir. Por isso, a história da Rússia é esta história épica da luta dos indivíduos contra a repressão.

Mesmo que Putin supostamente tenha Dostoiévski como seu escritor favorito?
Sim, isso é hilariante. Não tenho a certeza de que ele tenha lido Dostoiévski.

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