Os acionistas da EDP aprovaram a distribuição de quase 700 milhões de euros em dividendos relativos aos lucros do ano passado. Sendo a maior empresa portuguesa em lucros, é também a que entrega mais aos acionistas e premeia melhor os seus gestores.
O tema é “controverso”, reconheceu esta quinta-feira o presidente do conselho geral e de supervisão da elétrica, no quadro da pandemia e da recessão mundial que, segundo o Fundo Monetário Internacional, será a maior desde a Grande Depressão dos anos de 1930. Mas para Luís Amado,”seria totalmente incompreensível do nosso ponto de vista” que uma empresa que estivesse bem não pagasse os dividendos relativos aos resultados e objetivos atingidos em 2019, dando a a sua contribuição quando outras não o podem fazer.
O epicentro da pandemia na Europa e Estados Unidos apanhou a época alta das assembleias gerais das empresas e das aprovações da remuneração acionistas e dos gestores. E a discussão está a acontecer em vários países, mas para já, o travão aos dividendos tem sido acionado nas empresas e setores mais afetados pela crise do Covid-19 e como contrapartida pelo acesso a apoios do Estado. Por cá, o impedimento de pagar dividendos aplica-se às companhias que entrarem em lay-off. Outro setor no olho do furacão, muito pelas ajudas que recebeu no passado, mas também pelo papel central que terá de desempenhar na saída desta crise, é a banca.
A proposta de dividendos da EDP foi assinada a 20 de fevereiro, tal como a proposta relativa a remunerações que prevê a atribuição de prémios de gestão até 15,4 milhões de euros à gestão executiva, incluindo até 2,6 milhões de euros ao presidente executivo da elétrica. As duas foram aprovadas por mais de 90% dos acionistas que representavam cerca de 67% do capital e maioria dos quais são estrangeiros.
Em conferência realizada depois da assembleia geral, os gestores da elétrica foram buscar vários argumentos para justificar esta decisão esmagadora dos acionistas que aliás são os beneficiários dos dividendos de 0,19 cêntimos por ação. O cumprimento das metas e do plano estratégico, a solidez financeira da empresa que mantém o emprego e os investimentos, apesar da crise, o compromisso com os mais de 100 mil acionistas e até a responsabilidade de contribuir para a economia por parte de uma empresa que está bem e que tem capacidade de pagar.
A EDP admite sentir já alguns impactos da crise da Covid, sobretudo no consumo de eletricidade em alguns mercados, mas também garante que assegurou liquidez e tem cobertura de risco para a sua oferta. Não é dos setores mais expostos. A política seguida na elétrica está, aliás, em linha com a que tem sido adotada na maioria das grandes empresas da bolsa portuguesa, mas há casos mais delicados.
A Galp, apanhada no colapso do preço de petróleo e das vendas de combustíveis, e ainda por cima com o Estado ainda presente no capital, tem sido o alvo preferencial do Bloco de Esquerda que tentou fazer passar no Parlamento um diploma a proibir a distribuição genérica de dividendos, mas que foi chumbado com o voto do PS.
Catarina Martins pressiona Governo a impedir Galp de distribuir lucros
Com a generalidade dos gestores a chutar as responsabilidades para os acionistas — que afinal decidem os dividendos que vão receber — a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) fez avisos à navegação sobre este tema.
Eventuais propostas sobre distribuição de dividendos ou recompra de ações, algumas definidas em circunstâncias significativamente diferentes das atuais, devem ser acompanhadas de fundamentação bastante, designadamente sobre a suficiência de disponibilidades de capital para o efeito num contexto de elevada incerteza, demonstrando alinhamento com os interesses de longo prazo da entidade e dos seus stakeholders.
Estas propostas devem assentar em elevados padrões de qualidade informativa que, de forma clara e compreensível, proporcionem aos acionistas um aprofundado conhecimento sobre os seus fundamentos e o seu enquadramento perante os desafios de médio prazo colocados pelas atuais circunstâncias.
Também as políticas de remunerações de membros dos órgãos sociais e dirigentes deve ser apresentada em conformidade com preocupações acrescidas de adequada fundamentação quanto ao seu alinhamento com os interesses de longo prazo da sociedade e de todos os stakeholders, devendo ser apresentadas e explicitadas nos documentos de suporte e nas próprias assembleias gerais.
Primeiro foi a banca a recuar
A necessidade de travar o pagamento a acionistas arrancou na banca, com o Banco de Portugal e o BCE a recomendar a não distribuição de dividendos, o que levou os bancos como a Caixa, BCP e Santander — uma decisão tomada a nível da casa-mãe em Espanha — a recuar nas intenções iniciais de remunerar os acionistas. Mais resistente, o BPI acabou por anunciar esta terça-feira a decisão de suspender a remuneração ao espanhol La Caixa de mais de 100 milhões de euros.
“Com esta suspensão, o Banco BPI reforça a sua capacidade para colocar à disposição da economia, das empresas e das famílias portuguesas os recursos necessários para responder aos exigentes desafios que se apresentam.” Entretanto já esta quinta-feira o banco controlado pelo La Caixa anunciou que a sua comissão executiva ia renunciar aos prémios de gestão a que teria direito, em valor ainda por definir, relativos ao exercício de 2020. Esta renuncia não inclui os bónus de 2019, a pagar em 2020.
Já antes, a Caixa, o BCP e o Santander tinham desistido de pagar dividendos que, no caso do banco público seria o segundo ano em que eram entregues em linha com o plano de recapitalização aprovado na Comissão Europeia.
As reservas públicas à distribuição dos lucros no setor bancário surgiram também por causa da possibilidade de as instituições virem a ter ganhos nas linhas de crédito atribuídas para apoio às empresas e nas moratórias do pagamento de empréstimos.
Faria de Oliveira: Ataque à banca é “injusto” e tem “porta-vozes inesperados”
O presidente do PSD fez da banca um alvo, sobretudo pelas ajudas que o setor recebeu no passado e o presidente da APB (Associação Portuguesa de Bancos), Faria de Oliveira, veio a público defender as instituições financeiras, com o argumento de que até estão a fazer mais do que o Estado obriga para ajudar empresas e famílias. Faria de Oliveira admitiu ainda que o setor, que só há pouco tempo recuperou da crise financeira e estava a dar lucros, vai voltar aos prejuízos por causa da crise económica.
Gestores passam a bola para os acionistas
Mas a banca nem é o setor mais apanhado no imediato pela paragem da economia. O Bloco de Esquerda trouxe ao palco político a suspensão dos dividendos da Galp Energia e por mais do que uma razão. A Galp é uma das empresas da bolsa mais castigada pelas medidas de restrição aplicadas a nível mundial que fizeram o petróleo afundar, bem como as vendas de combustíveis, para já não falar no seu valor em bolsa.
Galp suspendeu produção de combustíveis em Matosinhos. Sines pode parar se armazenamento esgotar
A empresa já anunciou cortes no investimento de mil milhões de euros nos próximos dois anos, sobretudo em exploração e produção, e teve de parar a produção de combustíveis na refinaria de Matosinhos por queda na procura de combustíveis. A refinaria de Sines também poderá fechar quando se esgotar a capacidade para armazenar produto. E neste processo, algumas dezenas de trabalhadores contratados a subempreiteiros que estavam a trabalhar nas refinarias foram mandados para casa. E num cenário de paragem das unidades industriais, a Galp, que também está a sofrer com a queda abrupta das exportações, poderá vir a equacionar o lay-off.
Por outro lado, assinala o deputado do Bloco de Esquerda, Jorge Costa, a Galp é uma empresa onde o Estado ainda é acionista e tem assento na assembleia geral. Razões que levam o partido a exigir a travagem no pagamento de dividendos da ordem dos 300 milhões de euros, relativos a lucros do ano passado que não se vão repetir este ano. O principal acionista da Galp com 33,34% é família de Américo Amorim — Paula Amorim é presidente não executiva da empresa — mas também indiretamente a Sonangol e Isabel dos Santos. Mesmo que a a posição de 7% detida pela Parpública pouca diferença possa fazer na votação final, um voto contra do Estado aos dividendos seria um sinal político importante também para outras empresas.
Na quinta-feira, numa audição do ministro das Finanças no parlamento, o Bloco insistiu: o acionista Estado vai ou não votar contra a distribuição de dividendos na Galp? Mas ficou sem uma resposta conclusiva de Mário Centeno.
Para já, a gestão da petrolífera mantém a proposta de remuneração acionista feita pela gestão liderada por Carlos Gomes da Silva, remetendo qualquer alteração para os acionistas que irão reunir em assembleia geral a 24 de abril.
A mesma resposta foi dada esta quarta-feira por Cláudia Azevedo, a presidente executiva da Sonae, depois de sair de um encontro com o Presidente da República, passando a palavra aos acionistas, mas mantendo a proposta da comissão executiva. Pedro Soares dos Santos, CEO da Jerónimo Martins, adiantou que o tema ainda está em discussão com os acionistas, a assembleia geral foi adiada também por causa das restrições da pandemia.
Os dois grupos têm em comum uma concentração acionista grande, sobretudo na Sonae, onde as famílias Azevedo e Soares dos Santos têm posição de controlo e na prática nomeiam as administrações, que, aliás, são lideradas nos dois casos pelos filhos dos empresários que lançaram os grupos.
Quem já suspendeu dividendos e as limitações do lay-off
Sonae e Jerónimo Martins não estão seguramente no clube das empresas mais penalizadas pelos efeitos económicos do Covid-19, sobretudo na área do retalho alimentar. Ainda assim, a Sonae está mais exposta em alguns negócios como centros comerciais e cadeias de retalho não alimentar. Já a Sonae Capital, empresa com acionistas comuns e que tem negócios no imobiliário e turismo, foi uma das primeiras a travar o pagamento de dividendos previstos.
Também a NovaBase recuou na intenção de distribuir 26,7 milhões de euros e os CTT retiraram a proposta de pagar 11 cêntimos por ação, em resposta à forte queda do negócio na área das entregas internacionais e subscrição de dívida pública. A empresa de correios também não vai distribuir ações como prémio por gestores e colaboradores. Os CTT no passado foram muito criticados por irem às reservas buscar fundos para remunerar acionistas, num valor superior aos lucros, e estão numa fase decisiva para a renegociação do contrato de concessão do serviço postal,
A retenção de dividendos e eventual travagem dos prémios dos gestores não surge apenas por uma questão de prudencial económica e financeira ou porque neste contexto pode ser visto como politicamente incorreto. Há empresas que podem enfrentar um travão legal à remuneração dos acionistas, no caso de recorrerem ao regime do lay-off simplificado.
Os termos desta legislação criada para apoiar emprego e, em que o Estado assegura o pagamento de 70% dos dois terços dos salários a que os trabalhadores terão direito, impedem que as empresas beneficiadas possam pagar dividendos. Está impedida a “distribuição de lucros durante a vigência das obrigações decorrentes da concessão do incentivo, sob qualquer forma, nomeadamente a título de levantamento por conta”. Questionado pelo Observador, o Ministério da Segurança Social não esclarece que esse impedimento se aplica ao resto do ano, no caso de estarem em causa a distribuição de lucros do ano anterior.
Até agora, algumas empresas com títulos cotados já revelaram o recurso ao lay-off, como foram os casos da Vista Alegre, Ibersol (restauração) e da Estoril Sol (casinos). O caso mais mediático é o da TAP, que colocou em suspensão os contratos de trabalho de quase todos os 10 mil colaboradores. A transportadora já tinha travado o pagamento de prémios e anunciou entretanto a redução de 35% nas remunerações dos administradores. Há ainda grandes empresas industriais multinacionais, bem como operadores de transportes e cadeias de loja internacionais a recorrerem a este regime que já cobre quase um milhão de trabalhadores.
O regime do lay-off não é a único mecanismo legal que pode travar a distribuição de dividendos. O decreto presidencial que aprova o estado de emergência abre a porta à criação de legislação que possa reduzir reduzir ou diferir, sem penalização, a perceção de rendas, juros, dividendos e outros rendimentos prediais ou de capital”. Mas até agora, o Governo não legislou sobre esta matéria, para além do que está previsto no quadro do lay-off.
Alemanha e França impõem cortes de dividendos a empresas que recebam ajuda
Há governos que estão mais ativos nesta matéria. O Ministério alemão da Economia sinalizou que as empresas alemãs que negoceiam na bolsa vão ser chamadas a suspender a distribuição de dividendos para se candidatarem aos apoios públicos montados para aliviar o impacto do coronavírus.
Uma parte da ajuda prometida para reforçar a liquidez será concretizada através do banco público KfW. As condições impostas deverão ainda passar por cortes nos salários e bónus dos gestores seniores das empresas que pediram ajuda, afirmou o ministro da Economia, Peter Altamaier, em entrevista ao jornal Frankfurter Allgemeine.
“É importante para mim que os conselhos de administração e que os altos quadros executivos contribuam em emergências, em especial no que diz respeito ao pagamento de prémios de gestão”.
A Alemanha anunciou um pacote de 750 mil milhões de euros de apoio à economia, a que somam linhas de crédito a conceder pelo KfW de 500 mil milhões de euros para reforçar a liquidez das empresas. Na linha da frente dos cortes na remuneração dos acionistas estão os bancos e empresas de setores mais afetados como a aviação e os operadores turísticos.
Também a França já avisou as companhias que estão a pedir ajuda para deixarem cair a remuneração aos acionistas. Se insistirem em pagar dividendos serão penalizadas, afirmou o ministro das Finanças Bruno Le Maire, e deixaram de ter acesso aos 300 mil milhões de garantias para empréstimos.
Portugal também disponibilizou várias linhas de crédito ao apoio da tesouraria das empresas em valores que já passam os seis mil milhões de euros, mas os principais destinatários têm sido as pequenas e médias empresas — o financiamento máximo pode chegar a dois milhões de euros por empresa, mas apenas para algumas entidades. Já as garantias concedidas aos créditos a dar pela banca são asseguradas pela Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua, uma entidade controlada pelo Estado. Não há contudo indicação de que as entidades que venham a beneficiar destes apoios estejam limitadas na distribuição de dividendos ou pagamento de bónus de gestão.
Apoios à tesouraria, isenções de taxas e impostos. Ajuda do Estado à TAP vai impor condições
No entanto, apoios de maior dimensão como aquele que está em cima da mesa para a TAP terão certamente contrapartidas mais exigentes, em termos de dividendos (que a transportadora nunca pagou), mas também de remunerações de gestores.