O pai de Valentina continua a negar qualquer responsabilidade na morte da filha de nove anos. Interrogado pelo juiz de instrução esta terça-feira, à mesma hora do funeral da criança entre balões brancos e cor-de-rosa, Sandro Bernardo manteve, perante o tribunal, a mesma versão que apresentou aos inspetores da Polícia Judiciária (PJ) quando foi detido: a de que não é o responsável pela morte da menina. Uma versão idêntica à da sua mulher e madrasta da criança que, ao que o Observador apurou, também afasta responsabilidades no que aconteceu. Em tribunal, Márcia Bernardo, de 38 anos, terá dito mesmo que nada podia ter feito para evitar este desfecho.
As declarações prestadas pelos dois em tribunal vão no entanto acrescentando pormenores à história, ainda incompleta. Mas ainda são muitas as perguntas sem resposta. Desde logo, como é que Valentina morreu? O resultado final da autópsia ainda está por ser revelado. O que existe, para já, é um relatório muito preliminar que aponta de forma clara que foram agressões muito violentas que deram origem às lesões encontradas no corpo da criança, segundo avançou a agência Lusa e confirmou posteriormente o Observador.
Depois, por que razão a criança de nove anos foi morta? A tese de que a menina terá morrido na sequência de um acidente foi reforçada ao final do dia pelo próprio advogado do pai da criança. Ao jornal Público, Roberto Rosendo garantiu que “Sandro Bernardo não é um criminoso”. “Infelizmente algo correu mal lá em casa. Ele não queria nem previa aquilo que aconteceu. E a minha defesa irá por aí”, disse ao mesmo jornal. No entanto, na conferência de imprensa dada no domingo, dia em que o corpo de Valentina foi encontrado, a PJ recusou a hipótese dela ter morrido de forma acidental.
Independentemente do que aconteceu no interior da casa, na Atouguia da Baleia, ao final de quarta-feira, o corpo de Valentina só viria a ser encontrado no domingo: estava escondido num eucaliptal a cerca de oito quilómetros da residência, na Serra d’El Rei, tapado com ramos de arbustos. Foi o próprio pai que, depois de ter sido ouvido três vezes pela PJ, acabaria por dar informações aos inspetores que os levaram ao local onde estava o cadáver. Na tarde de domingo, Sandro Bernardo fez uma reconstituição da sua versão dos factos, em que ele próprio foi ao eucaliptal acompanhado pela PJ. Lá, entre o arvoredo ia levantando no ar e pondo no chão ramos de uma árvore, numa imitação do que terá feito na realidade, pelo menos, na sua — e que sugere que o suspeito terá escondido o corpo da própria filha.
Na reconstituição dos factos feita também nesse local, mais tarde e separada do marido, Márcia Bernardo, não saiu do carro da PJ — o que pode, em si, ser um detalhe importante para o caso. A madrasta pode ter acompanhado Sandro até ao local, mas não ter ajudado a ocultar o corpo. Em vez disso, pode ter aguardado dentro do carro que o companheiro deixasse o cadáver, a cerca de dez metros da berma. O que indica que os dois podem ter tido participações diferentes no alegado crime.
Certo é que nem o pai, nem a madrasta assumem responsabilidade na morte de Valentina — nem perante a PJ, nem agora, perante o juiz tribunal. Negam a responsabilidade na morte e Márcia Bernardo afirma mesmo que não podia ter evitado tal desfecho e que, segundo o Correio da Manhã, teria sido ameaçada. Fonte ligada à investigação já tinha dito ao Observador que ambos teriam tido responsabilidade em “graus diferentes” no alegado homicídio. Os dois suspeitos podem por isso vir a ser indicados de crimes diferentes, que ficarão a conhecer esta quarta-feira de manhã.
Madrasta foi ouvida durante mais de duas horas. Sandro durante uma hora
Os interrogatórios ao pai e à madrasta de Valentina Fonseca decorreram ao longo da tarde desta terça-feira — numa altura em que acontecia também o funeral da menina de nove anos, na vila do Bombarral, onde morava habitualmente com a mãe. O casal chegou ao Tribunal de Leiria muito antes — às 10h42 — em dois carros separados. À chegada, cerca de 50 de pessoas que os aguardavam começaram a correr para se aproximarem dos suspeitos, gritando insultos. A polícia teve mesmo de intervir para afastar o grupo.
O interrogatório só viria a começar por volta das 15h00 uma vez que, antes disso, os suspeitos foram identificados — uma fase que é obrigatória e à qual não podem recusar responder. Aqui, forneceram ao juiz os seus dados pessoais, como nome, idade, morada, profissão e estado civil.
Depois da identificação e apesar de terem direito ao silêncio, os dois arguidos optaram por prestar declarações e responder às perguntas do juiz — o mesmo que conduziu a fase de instrução do processo que investigou eventuais crimes por negligência nos incêndios de Pedrógão Grande. A madrasta da criança foi ouvida em primeiro lugar e abandonou logo de seguida as instalações do Tribunal de Leiria, rumo à Polícia Judiciária, por volta das 17h30. O pai foi interrogado depois e só saiu do tribunal por volta das 18h30. Os advogados de ambos só saíram do tribunal cerca das 19h00, mas recusaram prestar quaisquer declarações aos jornalistas.
Valentina terá morrido na quarta-feira. O seu corpo foi encontrado no domingo
Sandro e Márcia Bernardo foram detidos no domingo por suspeitas dos crimes de homicídio qualificado e profanação de cadáver. Segundo a investigação, terão matado a criança no interior da casa, na Atouguia da Baleia na quarta-feira. Na quinta de manhã, o pai foi ao posto da GNR dar conta do seu desaparecimento e contar a versão de que toda a família (havia mais três crianças em casa) se tinham deitado por volta das 23h00, mas ele lhe tinha ido aconchegar os lençóis por volta da 1h00 da manhã. Nos dias que se seguiram, mantiveram a simulação do desaparecimento de Valentina, com o pai a acompanhar de perto as buscas das autoridades para a encontrar. Três dias e três interrogatórios depois, Sandro acabaria por dar as pistas que levaram a GNR a encontrá-la, num terreno onde as buscas ainda não tinha chegado. Ele e a mulher eram os suspeitos principais do crime.
De acordo com a investigação, a menina terá sido morta em casa na tarde dessa quarta-feira e o corpo transportado para o local onde foi encontrado nessa mesma noite, “possivelmente de carro”. Na origem do crime, segundo a PJ, terão estado “questões internas do funcionamento da família”.
O Ministério Público já pediu prisão preventiva para o casal — uma decisão que só será conhecida esta manhã. O juiz irá anunciar se o casal se mantém detido, ficando a aguardar os próximos passos judiciais em prisão preventiva — a medida de coação mais grave —, ou se pode ser libertado com outras medidas de coação. No entanto se o juiz considerar que os dois suspeitos tiveram intervenções de grau diferente no crime, pode decretar medidas de coação igualmente diferentes para os dois.