No discurso de entronização como líder do partido, em junho, Inês Sousa Real deixou claro que nas legislativas “daqui a dois anos” apresentaria um partido com a ambição de “ser governo”. Ora, as legislativas são dentro de dois meses e o partido deixa claro: apoiar governos em soluções pós-eleitorais só com lugares na governação. Coligações pré-eleitorais estão fora de questão. Soluções tipo geringonça são de descartar e apoio só mesmo com lugar no Executivo. Mas há condições: “partidos não democráticos” ou “esquerda radical” estão fora de questão nesse Executivo, sejam eles o Chega, o Bloco de Esquerda ou o Partido Comunista Português.
Albano Lemos Pires foi uma das vozes mais ativas no último Congresso do partido, integra a Comissão Política Nacional (CPN) e é claro: “sem participar na solução seria irresponsável”. Esta é aliás a posição maioritária na direção do partido, mas que carece ainda de validação na reunião da CPN.
“A geringonça devia ter o PCP e Bloco de Esquerda a participar no governo, não faz sentido um partido minoritário [sozinho] no governo. Não se pode ser oposição e governo ao mesmo tempo”, diz o dirigente ao Observador, considerando “irresponsável” o PAN suportar um executivo sem participar.
Esta é, aliás, uma posição transversal à Comissão Política Nacional do partido. A porta-voz e membro também da CPN Inês Sousa Real diz ao Observador que, consoante o peso que os portugueses atribuam ao partido, o PAN estará disponível para assumir a “responsabilidade governativa”. Posição que deverá ser revalidada este domingo, ao final da tarde, em nova reunião da CPN.
Nesse eventual governo não caberão partidos não democráticos ou de esquerda radical e o PAN identifica-os: se Chega, Bloco ou PCP estiverem com um pé no Executivo, o PAN não contará para a solução. “A esquerda radical também é uma solução com a qual não nos identificamos. Há uma cegueira ideológica da esquerda que obstaculiza o diálogo mais sério ao nível da resposta que tem de existir”, explica a porta-voz do PAN ao Observador.
Depois do posicionamento de PCP e Bloco de Esquerda nas negociações e no chumbo do último Orçamento, que levou à dissolução do Parlamento e à marcação de eleições antecipadas, o PAN põe-se fora de uma solução de governo que estes partidos integrem, garante Sousa Real.
De resto, a líder do partido vai levar para a campanha a imagem de um partido que adotou sempre uma “posição responsável” em todo o processo, que queria a todo o custo evitar a crise — ao contrário dos partidos à esquerda do PS — e que será sempre parte da solução, assim os portugueses o entendam. É a forma encontrada pelo PAN de furar a lógica do apelo ao voto útil (PS ou PSD) ou a possível ascensão dos extremos (BE, PCP e Chega).
Se o PAN se afirmar como partido útil e capaz de dialogar e condicionar os dois partidos do centrão, pode ser o repositório dos votos dos eleitores que queiram garantir um quadro de governabilidade que não passe por um PS maioritário, nem dependa da influência dos extremos.
“PS e PSD não fazem uma grande diferença”
Depois da abstenção do PAN na votação do OE, Albano Lemos Pires rejeita que o partido se tenha aproximado dos socialistas. “Se estivesse o PSD no governo a situação seria exatamente a mesma. O PAN absteve-se porque conseguiu que uma série de medidas fossem aprovadas. Seja com PSD ou com PS temos que negociar com quem está no poder“, diz.
Albano Lemos Pires entende que em Portugal ainda há a “política do partido único“, um modelo quase esgotado na Europa, e só vê um futuro possível: o de governos com várias forças políticas. “Ser oposição não é só votar contra, é tentar ser parte da solução e das respostas de que o país carece”, nota o dirigente do partido fundamentando a oposição do PAN a soluções como a da geringonça.
Por isso, o PAN está disposto a apoios pós-eleitorais, sejam eles com “PS ou PSD”. Aos olhos do PAN, “PS e PSD não fazem uma grande diferença”. Linhas vermelhas só nos extremos, sejam eles à esquerda ou à direita.
Saída de André Silva, o erro em apoiar Ana Gomes e o programa eleitoral para as legislativas
Além das saídas de uma das deputadas eleitas em 2019 e do único eurodeputado que o partido conseguiu colocar em Bruxelas, este ano o PAN viu sair a cara que os portugueses associavam imediatamente ao partido. André Silva deixou a liderança do partido em junho, no Congresso que elegeu Sousa Real como porta-voz da causa, mas nos corredores do partido ainda há quem tema os efeitos de algumas decisões que foram tomadas durante o último mandato à frente do partido.
O apoio do PAN a Ana Gomes nas eleições presidenciais causou incómodo há um ano e agora há quem tenha por certo que se irá “pagar o preço de algumas ligações à extrema-esquerda”. “É um peso, uma carga”, diz um dos dirigentes do partido ao Observador.
Para Albano Lemos Pires, a mudança de liderança permitiu recentrar o PAN nas causas que o formaram e na sua vertente inicial: “ecologista, humanista e animalista”. Adaptar o discurso para capturar mais eleitorado nas legislativas? Está fora de questão.
“Não houve um retrocesso, voltámos aos valores que fundaram o PAN. Somos fiéis àquilo que nos fundou, é difícil conciliar estas três vertentes, mas esse é o nosso esforço, temos de saber comunicar”, afirma.
E essa estratégia de comunicação já está a ser delineada. Apurou o Observador que o partido já tem uma coordenadora do programa eleitoral em mente, que deverá ser validada já este domingo pela Comissão Política Nacional e os grupos de trabalho para desenhar esse programa também já estarão a trabalhar. Ainda que com o recentrar nos valores fundacionais, Inês Sousa Real vê nestas legislativas e na campanha uma necessidade de ajustar “a estratégia comunicacional e prioridades do partido“.
“Precisamos de ter uma visão do PAN adaptada à visão social do nosso tempo. Não tem havido um debate sério sobre temas estruturais do país, matérias de classe média ou a discussão de salário médio. Precisamos de ter crescimento económico e sustentável para um país mais resiliente”, diz a líder do partido.
Inês Sousa Real aponta temas concretos: “combate à pobreza; retoma que seja ao mesmo tempo responsável ambientalmente; sustentabilidade da Segurança Social; demografia no país; investimento e fixação no SNS; coesão territorial e a necessidade de não termos Portugal a duas velocidades; um turismo responsável e sustentável”. Sousa Real não tem dúvidas: nos últimos anos o PAN “deixou bem claro o que o diferencia” na condição de um partido “verdadeiramente progressista que traz respostas diferentes para o palco político”.
Com a composição das listas já em andamento, a porta-voz do PAN Sousa Real deverá ser a cabeça de lista por Lisboa já que é vista como a “natural candidata a primeiro-ministro” do partido; e a líder parlamentar Bebiana Cunha deverá ser cabeça de lista pelo Porto. Com o prazo inicialmente considerado pelo partido (16 de janeiro) dilatado em duas semanas o Pessoas-Animais-Natureza consegue duas semanas de folga para deixar a máquina pronta para a campanha.
Artigo atualizado às 20h40 clarificando que o PAN entende o Chega como um “partido antidemocrático” e PCP e Bloco de Esquerda como “esquerda radical”