Depois da intuição, a confirmação. A pandemia e o ensino à distância deixaram marcas nos alunos portugueses e perto de metade deles não atingiu as aprendizagens esperadas. Depois de realizar testes de diagnóstico a alunos de 1.338 turmas, do ensino público e privado, a conclusão é que nos anos analisados (3.º, 6.º e 9.º ano) nenhum aluno saiu ileso do primeiro confinamento. E, apesar de maior autonomia no estudo, os alunos mais velhos, de 14 anos, estão piores do que os colegas de 8 que frequentam o 3.º ano.
“Não podemos achar que depois de dois anos de pandemia está tudo igual”, sublinhou João Costa, secretário de Estado Adjunto e da Educação, durante a apresentação dos resultados do “Diagnóstico nas Aprendizagens”, realizado pelo IAVE — Estudo do Instituto de Avaliação Educativa. As perdas são muitas e até mesmo nos níveis mais básicos de conhecimento, lamentou o governante. Assim, João Costa acredita que as escolas terão de atuar, fazendo um “trabalho específico” com os seus alunos.
A um nível mais estrutural, o Governo está a preparar um plano de recuperação das aprendizagens que é ainda “prematuro antecipar”. Para já, o secretário de Estado anunciou a constituição de um grupo de trabalho que terá a missão de desenhar caminhos a seguir. Essas recomendações para recuperar aprendizagens “não são vinculativas” e devem começar a ser apresentadas durante o mês de abril.
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“Qualquer medida tem de ser considerada de forma global, integrando aprendizagens, competências emocionais e vendo também questões como o aumento da carga horária que poderá reduzir a produtividade dos alunos. Este trabalho implica medidas curriculares pedagógicas, organizacionais e territoriais nas escolas”, esclareceu o secretário de Estado.
O estudo, feito em janeiro, avaliou apenas os efeitos do primeiro confinamento, estando previsto que o IAVE continue a recolher dados para obter uma análise mais fina e já considerando os efeitos do segundo lock down.
Nível 1. Metade dos alunos não sabe o básico
Os impactos da pandemia e do ensino à distância estão à vista, embora o secretário de Estado frise, desde logo, que há problemas que são anteriores à chegada da Covid-19. “Há dificuldades já antes identificadas, nomeadamente na resolução dos problemas de níveis de complexidade mais elevada, mas temos também uma percentagem muito grande de alunos que não consegue ser bem sucedida nos itens mais simples”, afirmou João Costa.
É no 6.º ano que se encontram os piores resultados globais, segundo o governante, embora todos os estudantes fiquem longe de alcançar as aprendizagens esperadas, até mesmo no nível de conhecimento mais básico, onde cerca de metade não aprendeu o que devia. “Há dificuldades que andam na ordem dos 50%, por vezes, logo no nível 1 de complexidade, que não podem ser ignorados”, acrescentou o secretário de Estado, o que vai “obrigar a um trabalho específico nas escolas”.
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O melhor cenário é entre os alunos do 3.º ano, já que, entre estes, desce para 40% o valor de crianças que não respondeu acertadamente às tarefas mais básicas, número que, apesar de ser inferior ao dos colegas, continua a ser bastante elevado.
A explicação desta “maior resiliência” entre os alunos da primária, arriscou o presidente do IAVE, Luís Pereira dos Santos, poderá estar ligada ao apoio que tiveram dos pais durante o primeiro confinamento, maior do que o que foi dado aos estudantes mais velhos, segundo revelam os dados obtidos no questionário de contexto, realizado na mesma altura que os testes de diagnóstico.
Leitura e informação
Quando se olha para a literacia da leitura e informação, quase 60% dos alunos do 6.º ano não conseguiram responder aos exercícios propostos no nível mais básico — aquele em que devem ser capazes de identificar uma informação explícita e o assunto de um trecho de um texto.
Os valores descem nos outros dois anos de escolaridade avaliados, não deixando de ser elevados: mais de metade (53%) dos alunos do 9.º ano também não conseguem acertar nas respostas e, no 3.º ano, são 49% de estudantes que não detêm o nível mais básico de conhecimento.
Matemática
A Matemática, são os alunos do 9.º ano que têm piores resultados: 60% não conseguiram resolver as tarefas de nível 1, ou seja, mobilizar procedimentos, técnicas e conceitos na resoluç̧ão de situações elementares.
No 6.º ano, o número de alunos que não consegue resolver problemas rotineiros que envolvem apenas uma área da Matemática é menor (56%) e, no 3.º ano, o valor desce ainda mais, ficando nos 38%.
Ciência
De novo, na literacia científica, os alunos mais velhos são os que menos respostas certas dão no questionário, quando se olha para as perguntas de nível 1, embora a diferença seja pequena entre os resultados do 6.º e do 9.º (51,3% e 55,9%, respetivamente).
As crianças do 3.º ano voltam a superar os mais velhos. Entre os alunos do 1.º ciclo, são 37,7% os que não são capazes de utilizar conhecimento científico para descrever ou classificar entidades, fenómenos e acontecimentos naturais ou do quotidiano, valor bastante inferior ao dos colegas mais velhos.
Ter um sítio tranquilo para estudar foi a maior dificuldade dos mais novos
O que mais faltou aos alunos do 3.º ano foi sossego para estudar. Aos mais velhos, foi motivação. Esta é uma das perguntas do questionário complementar e foi nestas respostas que o IAVE encontrou maiores diferenças entre alunos de diferentes anos de escolaridade
Entre os alunos do 1.º ciclo, as três respostas mais apontadas foram a dificuldade em encontrar um sítio sossegado para estudar (20,3% dos inquiridos escolheram esta opção), ter acesso a um computador, tablet ou telemóvel (17%) e não conseguir aceder à internet (15,2%).
Entre os alunos do 2.º e do 3.º ciclo, a dificuldade mais apontada é outra: falta de motivação para estudar, dificuldade com valores mais altos entre os jovens de 14 anos (33,4% no 9.º ano versus 21,9% no 6.º ano). Quando se olha para o segundo maior obstáculo dos alunos adolescentes e dos seus colegas de 11 anos, as respostas já divergem. Para os alunos de 6.º ano foi encontrar um local sossegado para estudar (16,3%), para os colegas do 9.º ano foi perceber as tarefas escolares (20,1%).
Na terceira dificuldade mais apontada volta a haver convergência e tanto os alunos do 6.º ano como os do 9.º ano se queixam de ter tido dificuldade em ter quem os ajudasse a fazer as tarefas escolares (16,2% e 15% respetivamente).
Usar o computador não assusta os alunos
Usar o computador (a partir do momento em que ele existe) não foi problema para as crianças. Entre os alunos da escola primária, 96,9% consideraram ter sido fácil usar o computador para as tarefas escolares e garantem não ter tido dificuldade em aprender sozinhos (96,4%), mesmo estando fisicamente longe dos professores. Já a esmagadora maioria dos mais velhos (85,5% no 6.º ano e 82,6% no 9.º) afirmou ter melhorado a capacidade de utilizar o computador para fazer tarefas escolares e aprender.
Todos os jovens dizem ter sentido falta do desporto e de outras atividades físicas organizadas pela escola.
Quanto aos recursos mais utilizados para a aprendizagem, o inquérito mostra que o rei foi o manual escolar e a rainha a aula síncrona. A diferença é que entre os alunos de 8 anos os manuais escolares e as fichas em papel aparecem em primeiro lugar e as aulas síncronas, através do computador, em segundo. Entre os alunos de 11 e de 14 anos deu-se a situação inversa.
Os resultados apresentados esta segunda-feira foram obtidos através de testes de diagnóstico feitos, em janeiro de 2021, a um total de 23.340 alunos dos 3.º, 6.º e 9.º anos (através de uma plataforma eletrónica) para determinar o estado da sua literacia científica, matemática e a leitura e informação.
Os estudantes — 4.708 do 3.º ano, 3.300 do 6.º ano e 4.592 do 9.º — tiveram meia hora para responder a cada uma das três tarefas propostas (uma por cada literacia avaliada), considerando-se resultado positivo um valor de respostas corretas acima dos 67%, ao invés dos habituais 50%.
Cada tarefa apresentava quatro níveis de perguntas, desde as mais simples de nível 1 até mais complexas de nível 4.
Depois desta primeira análise preliminar, segundo explicou o presidente do IAVE, os dados das tarefas e dos questionários de contexto serão objeto de um estudo mais detalhado para identificar áreas de maior fragilidade e para caracterizar as condições em que decorreu a atividade letiva durante o período do primeiro confinamento.