A homilia integral do Papa Francisco
‘Senhor, é bom estarmos aqui.’ Estas palavras disse-as o apóstolo Pedro a Jesus no Monte da Transfiguração. E também as queremos fazer nossas depois destes dias intensos. É bonito o que estamos a experimentar com Jesus, o que vivemos juntos e é bonito como é bom rezar, com tanta alegria do coração. Então, podemos perguntar-nos: que levamos connosco quando regressarmos ao vale da vida quotidiana? A partir do Evangelho que ouvimos, quero responder a esta pergunta com três verbos: resplandecer, ouvir, não temer. O que levamos? Respondo com estas três palavras. Resplandecer, escutar, não ter medo.
A celebração final da Jornada Mundial da Juventude recebe o nome de “Missa de Envio” justamente porque pretende ser, mais do que um ponto final, um ponto de partida: depois desta semana de experiência espiritual em Lisboa, o que levam estes jovens para casa? E como fica a Igreja (em Portugal e no mundo) diferente depois deste encontro? O episódio bíblico da transfiguração de Jesus perante três discípulos, Pedro, Tiago e João, evoca justamente esta realidade: depois da profunda experiência espiritual que os discípulos vivem no cimo do monte, é hora de descer e voltar à realidade, mas transformados. A partir deste episódio bíblico, o Papa Francisco procurou — numa homilia em que misturou texto escrito com algum improviso — propor aos jovens um caminho a ter em conta no regresso destes 1,5 milhões de peregrinos aos seus países, às suas casas, aos seus estudos e trabalhos. Recorrendo a uma fórmula típica das suas intervenções, Francisco subdividiu a homilia em três partes, dedicadas a três palavras de ordem, e optou mais uma vez por envolver os jovens no discurso, para que, em vez de se limitarem a ouvir, se sentissem interpelados a responder e a repetir.
Resplandecer. Jesus transfigura-se e – diz o texto – ‘o seu rosto resplandeceu como o sol’ (Mt 17, 2). Recentemente tinha anunciado a sua paixão e morte de cruz, quebrando assim a imagem dum Messias poderoso e mundano, e dececionando as expectativas dos discípulos. Agora, para nos ajudar a acolher o amoroso projeto de Deus sobre cada um de nós, Jesus toma consigo três deles – Pedro, Tiago e João – condu-los ao alto dum monte e transfigura-se. Este “banho de luz” prepara-os para a noite da paixão.
Numa linguagem mais informal e menos marcada pela ritualidade da proclamação do evangelho que antecedera a intervenção, o Papa Francisco recorda aos jovens — cansados, depois de muitos terem passado a noite no Parque Tejo, dormindo ao relento — o texto que tinham ouvido e pede que cada pessoa busque a sua relação própria e pessoal com o texto. Como explica o Papa Francisco, aquele momento da história do evangelho tem um significado fundamental para a fé cristã: depois de Jesus anunciar que vai morrer, desfaz-se para o povo judeu a ideia de que ele seria o messias esperado, a figura mítica que iria derrotar os invasores do Império Romano e restaurar o Reino de Israel. Jesus desengana quem pensa assim quando diz que o seu reino não é deste mundo — e convoca os discípulos para, através da transfiguração, enquadrar a fé católica no contexto da descoberta do “projeto de Deus” para cada pessoa.
Amigos, também nós precisamos de um pouco de luz, de esperança, para enfrentar tantas escuridões que nos assaltam a vida, tantas derrotas quotidianas, para as enfrentar com a luz da ressurreição de Jesus. Porque é a luz que não se apaga, que brilha mesmo durante a noite. ‘O nosso Deus quis fazer brilhar os nossos olhos’, diz o sacerdote Esdras. Ilumina o nosso olhar, ilumina o nosso coração, ilumina a nossa mente, ilumina a nossa vontade de fazer algo na vida, sempre com a luz do Senhor.
Em vários momentos da JMJ, as celebrações centraram-se nas angústias e escuridões de cada um. O caso mais notável foi o da Via-Sacra, realizada na sexta-feira no Parque Eduardo VII, quando o Papa Francisco encurtou substancialmente o seu discurso para dar protagonismo aos testemunhos jovens que subiram ao palco para falar das suas inquietações mais fundas — incluindo a saúde mental, a guerra, o mundo digital, os abusos sexuais, o desemprego, entre outros temas. O pontífice tem insistido que é necessário dar atenção a estas “lágrimas ocultas”, reconhecer os problemas, assumir as quedas e procurar levantar-se. É essa a missão da Igreja que Francisco veio a Lisboa propor mais uma vez: uma Igreja que acolhe todos, em vez de excluir; uma Igreja que trata as feridas de quem precisa de ajuda, em vez de as afastar por causa dos seus defeitos e problemas. O primeiro verbo proposto pelo Papa aos jovens é “resplandecer”: e o Papa garante que todos, sem exceção, precisam de luz para enfrentar a escuridão, porque os problemas e os desânimos são inevitáveis, da mesma maneira que todos podem ser essa luz para os outros.
Quero dizer-vos que não nos tornamos luminosos quando nos colocamos sob os holofotes. Isso encadeia-nos, não nos torna luminosos. Não nos tornamos luminosos quando exibimos uma imagem perfeita e nos sentimos fortes e bem-sucedidos. Ainda que nos sintamos fortes e bem-sucedidos, mas não luminosos. Mas resplandecemos quando, acolhendo Jesus, aprendemos a amar como Ele. Amar como Jesus, isso torna-nos luminosos. Isso leva-nos a ser obras de amor. Não te enganes, amiga e amigo. Vais ser luz no dia em que faças obras de amor. Mas quando em vez de fazer obras de amor aos outros olhas para ti próprio como um egoísta, aí a luz apaga-se.
A noite de sábado, com a vigília noturna com os jovens, ficou marcada por uma mensagem central do Papa Francisco: “O único momento em que é lícito olhar uma pessoa de cima é para ajudá-la a levantar-se.” Num apelo ao amor altruísta e ao serviço aos outros, o Papa Francisco incentivou os jovens presentes no Parque Tejo a seguirem o exemplo de Maria e a partirem com pressa para ajudar os outros. No domingo, voltou a tocar neste assunto: tornar-se “luminoso” (no sentido de iluminar os outros) não é algo que se alcance ficando debaixo dos holofotes, centrando as atenções em si, mas sim através das obras de amor. Centrar as atenções em si próprio conduz ao egoísmo: é na atenção aos outros que está a virtude. O discurso pode aplicar-se, de modo abrangente, à globalidade de Igreja Católica: o Papa quer uma Igreja menos centrada em si própria e com maior capacidade para olhar para os outros, para aqueles que estão à margem, nas periferias. Em linha com a frase que se tornou o slogan da JMJ — “todos, todos, todos” —, o Papa Francisco falou também a todos os que preferem uma Igreja fechada em si mesma, sem capacidade para incluir quem está fora. Nesses, diz o Papa, “a luz apaga-se”.
O segundo verbo é ouvir. No monte, uma nuvem luminosa cobre os discípulos. E o que é que essa nuvem, de que falava o Pai, disse? Escutem-no. Este é o meu amado, escutem-no. Está tudo aqui: tudo aquilo que se deve fazer na vida cristã está nesta palavra. Escutem-no. Escutar Jesus. Todo o segredo está aí: escutar o que te diz Jesus. Alguém me disse: abre o Evangelho, lê o que diz Jesus, e o que diz o teu coração. Porque ele tem palavras de vida eterna para nós. Ele revela que Deus é pai e é amor. Ensina-nos o caminho do amor. Escutem Jesus. Porém, nós, com boa-vontade, escolhemos caminhos que parecem ser de amor, mas, definitivamente, são egoísmos disfarçados de amor. Escutem-no, porque ele vos vai dizer qual é o caminho do amor. Escutem-no.
O Papa Francisco passa para o segundo verbo, escutar, e usa-o para sintetizar numa só palavra a vida de um cristão: escutar Jesus. Numa referência que não é inocente, o Papa diz que quem escolhe os “caminhos que parecem ser de amor”, mas que são “egoísmos disfarçados de amor”, o faz com “boa-vontade”. É possível ler nestas palavras uma referência a todos os que se justificam com a fé para excluir: o Papa, em coerência com as próprias palavras, não condena esses setores da Igreja diretamente e até assume que o podem fazer com “boa-vontade”. Mas garante que esse não é o “caminho do amor” — e sublinha que basta “abrir o evangelho” para o descobrir.
Resplandecer — a primeira palavra, ser luminoso — escutar, para não se enganarem no caminho, e, por fim, a terceira palavra: não ter medo. Não tenham medo. É uma palavra que na Bíblia se repete tanto. Não tenham medo! Foram as últimas palavras que, neste momento da transfiguração, Jesus disse aos discípulos. Vocês, jovens, que viveram esta alegria, esta glória — há algo de glória neste nosso encontro —, vocês que cultivam sonhos grandes, mas às vezes ofuscados pelo medo de não os realizar. A vocês, que por vezes pensam que não serão capazes. Temos um pouco de pessimismo, por vezes. A vocês, jovens, tentados neste tempo pelo desânimo, pela ideia de se julgarem fracassados, talvez, ou por tentar esconder a dor com um sorriso; a vocês, jovens, que querem mudar o mundo – e é bom que queiram mudar o mundo –, a vocês que querem mudar o mundo e lutar pela justiça e a paz; a vocês que colocam vontade e criatividade na vida, mas parece não ser suficiente; a vocês, jovens, de que a Igreja e o mundo precisam, como a terra precisa da chuva; a vocês, jovens, que são o presente e o futuro. Sim, precisamente hoje, Jesus diz: não tenham medo! Não tenham medo.
Na terceira palavra de ordem — não ter medo —, o Papa Francisco sintetiza a grande mensagem do seu discurso à juventude católica em todo o mundo. Esta interpelação funciona a vários níveis. Por um lado, dirige-se aos jovens católicos de uma Europa crescentemente secularizada, que correm o risco de se deixar vencer pelo desânimo de se sentirem uma minoria nos seus contextos quotidianos, e a quem o Papa aproveitou a enorme mobilização da JMJ para garantir que não estão sozinhos e para lhes dar ânimo para testemunharem a sua fé no dia-a-dia. Mas também se dirige aos muitos cristãos dos países onde a fé cristã é efetivamente uma minoria violentamente perseguida. Por nunca ter havido uma JMJ no continente africano, a edição de Lisboa foi organizada com o cuidado de colocar em evidência a realidade do Cristianismo em África, onde muitos cristãos são perseguidos. A leitura de um testemunho por parte de uma jovem moçambicana natural de Cabo Delgado, região massacrada pelo terrorismo, durante a vigília da noite de sábado, deixou isso bem claro. Na manhã de domingo, o Papa Francisco quis transmitir a todos os jovens católicos oriundos de países onde a religião é perseguida uma mensagem de ânimo. Mas a mensagem, deixada por Jesus aos discípulos, é igualmente destinada a toda a juventude do mundo, aos “que cultivam sonhos grandes, mas às vezes ofuscados pelo medo de não os realizar”: não tenham medo.
Um pequeno silêncio e cada um repita para si mesmo, no seu coração, esta palavra: não tenham medo. Queridos jovens, quero olhar cada um de vós nos olhos e dizer-vos: não tenham medo. Não tenham medo. E digo-vos algo muito bonito. Já não sou eu, é o próprio Jesus que vos está a olhar neste momento. Ele conhece-nos. Conhece o coração de cada um de vós. Conhece as alegrias, as tristezas, os êxitos e o fracasso. Conhece o vosso coração. E ele hoje diz-vos aqui, em Lisboa, nesta Jornada Mundial da Juventude: não tenham medo. Não tenham medo. Animem-se. Não tenham medo.
Encurtando a homilia relativamente ao que estava escrito, o Papa Francisco terminou a intervenção com um pedido para que os jovens fizessem silêncio e repetissem, para si mesmos, o apelo a não ter medo. Sintetizando a mensagem que tinha apresentado durante a homilia, Francisco repetiu seis vezes o pedido, antes de ser aplaudido pelos jovens presentes no Parque Tejo.