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A Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados apreciou na quinta-feira a colaboração de Mariana Mortágua com o Jornal de Noticias e as implicações no regime de exclusividade de que goza a deputada. A Assembleia da República deu razão à bloquista, que celebrou o facto no Twitter, mas não deixou de censurar as colaborações da parlamentar com a televisão, dizendo taxativamente que estas violavam o estatuto de exclusividade. Porquê a diferença? E o que tem o Fisco a dizer sobre isto? O caso em cinco questões.

Mortágua pode colaborar com o JN e com a SICN?

Pode com o JN mas não pode com a SIC Noticias. O parecer apreciado na quinta-feira diz apenas respeito a uma queixa formulada pelo deputado André Ventura, sobre a colaboração da deputada com o Jornal de Noticias, mas não incide sobre a colaboração com a SIC.

No que diz respeito à colaboração com o Jornal de Noticias, a conclusão do parecer repete uma decisão que tinha sido já tomada em abril do ano passado – e analisada de forma genérica em fevereiro de 2020 –, quando um conjunto de deputados tinha colocado várias questões sobre incompatibilidades.

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Nesse documento de 44 páginas, redigido pelo então deputado André Silva (PAN), é dito que “é conforme com o regime de exclusividade a acumulação de funções mencionada pela senhora deputada Mariana Mortágua no seu registo de interesses” — uma colaboração remunerada com o Jornal de Noticias desde 2015.

Agora, o parecer assinado pelo deputado socialista Pedro Delgado Alves, presidente do Grupo de Trabalho de Registo de Interesses, aponta no mesmo sentido ao dizer que “a atividade desenvolvida pela senhora Deputada Mariana Mortágua no âmbito da sua colaboração com o Jornal de Notícias circunscreveu-se à elaboração da referida coluna semanal de opinião, pelo que não se verifica qualquer violação do regime de exclusividade no exercício do mandato com esse fundamento”, permitindo à deputada manter a colaboração paga com o regime de exclusividade, que representa um acréscimo de 10% no salário mensal.

Porque é que a colaboração com a SICN não foi apreciada?

O caso foi apreciado esta semana na Assembleia da República a pedido de André Ventura, com base nas notícias do semanário Novo e do jornal Inevitável, que deram apenas conta do erro de faturação de Mariana Mortágua na colaboração com o Jornal de Notícias. A notícia da violação do regime de exclusividade na colaboração com a SIC Noticias foi avançada pela revista Sábado e não foi integrada no pedido de esclarecimento do presidente do Chega.

Assim, a Comissão de Transparência analisou apenas os alvos das queixas apresentadas por André Ventura, solicitando a Mariana Mortágua que se pronunciasse sobre esta questão. A deputada bloquista fez chegar o esclarecimento por email, explicando em que consistia a sua colaboração com o JN e os detalhes do regime fiscal escolhido.

Ainda assim, e apesar de não ter sido alvo da análise deste parecer, o documento cita uma orientação geral aprovada em fevereiro de 2020 pela mesma Comissão de Transparência que esclarece que “as colaborações remuneradas com órgãos de comunicação social que revistam outra natureza (v.g. participação regular em programas de comentário ou debate televisivo) não se podem reconduzir à perceção de direitos de autor, não sendo por isso compatíveis com o exercício do mandato em regime de exclusividade”.

Ou seja, durante cinco meses, a deputada violou esse regime de exclusividade — tal como a própria já reconheceu publicamente, alegando desconhecimento da lei e prontificando-se a devolver os valores recebidos. Se dúvidas houvesse, este parecer volta a defender que “não é descortinável equivalente previsão para a participação em programas de comentário ou debate televisivo ou radiofónico” –

A deputada não recebe qualquer penalização?

Quando surgiu a notícia publicada pela Sábado, a deputada do Bloco de Esquerda respondeu à revista a dizer que iria abdicar de remunerações futuras na colaboração com a SIC, abdicando de qualquer remuneração por participar no programa “Linhas Vermelhas”. A bloquista pediu ainda à Assembleia da República para fazer o acerto de contas, ou seja, para retirar os 10% extra do salário durante os cinco meses em que manteve a colaboração irregular. Ainda no Twitter, Mariana Mortágua disse viver “bem com o escrutínio” e admitiu essa situação irregular, garantindo que tinha corrigido e acertado contas com o Parlamento.

De modo genérico, o parecer discutido esta semana aponta – na análise jurídica – que o regime de exclusividade representa apenas um acréscimo na remuneração mensal e, por isso, “determinando um eventual incumprimento do regime a reposição dos valores processados em excesso”.

Ou seja, a violação deste regime – situação em que Mariana Mortágua esteve durante cinco meses – acabou por ficar resolvida com a reposição dos valores recebidos indevidamente, não tendo qualquer outra penalização acessória dentro daquilo que é a intervenção da Assembleia da República.

A situação com a SIC Noticias está resolvida, desde que Mariana Mortágua mantenha no futuro essa colaboração gratuita – tendo em conta que o Bloco de Esquerda defende que os mandatos devem ser cumpridos em exclusividade.

Qual é o papel do Fisco nesta questão?

A Comissão de Transparência conclui que Mariana Mortágua agiu em conformidade com a lei, mas a deputada pode ter uma questão a resolver com a Autoridade Tributária. A deputada do Bloco de Esquerda faturou as colaborações como consultoria e não como “direitos de autor” — a tal prerrogativa que permite aos deputados em exclusividade acumularem estes vencimentos.

Em resposta à Comissão, Mariana Mortágua reconhece que colabora com o JN neste regime, optando, alegou, “pela modalidade fiscalmente mais conservadora, e logo, mais penalizadora”, facto não contestado pelo Parlamento. A Assembleia diz ainda outra coisa: para efeitos de exclusividade ou não exclusividade, a modalidade fiscal não tem qualquer relevância.

“A análise que cumpre realizar para efeitos da verificação do cumprimento do regime de exclusividade não se prende com o regime fiscal que possa eventualmente ser aplicável”, pode ler-se no parecer a que o Observador teve acesso,

Mais se lê: “É atividade material desenvolvida pela senhora deputada Mariana Mortágua que importa ter presente na verificação da conformidade com as normas estatutárias que regulam o regime de exclusividade e não o seu regime tributário”.

A Comissão de Transparência diz mesmo que “não tem competência para se substituir à Autoridade Tributária”. A existir algum problema com a colaboração da deputada do Bloco de Esquerda com o JN, esse terá de ser resolvido com o fisco e não com o Parlamento

Como é que outros deputado-comentadores gerem a questão?

Quando surgiram as noticias sobre o incumprimento de Mariana Mortágua, o Observador deu conta de que a deputada do Bloco de Esquerda estava isolada nesta condição.

Aliás, o autor do parecer desta semana, o deputado socialista Pedro Delgado Alves, integra também o painel do programa Linhas Vermelhas e por isso exerce o mandato sem exclusividade.

Também do PS, a deputada Isabel Moreira abdicou do regime de exclusividade depois de iniciar uma colaboração remunerada com a CNN Portugal. Mariana Mortágua alegou sempre que desconhecia a alteração introduzida em 2020, que passou a balizar estas questões.

O regime de exclusividade prevê um acréscimo de 10% à remuneração base dos deputados. Tendo em conta os valores tabelados e publicados no site do Parlamento trata-se de uma diferença mensal de 382,66€. Um deputado em regime de exclusividade recebe um valor base de 4017,94 euros, enquanto um deputado que abdique da mesma recebe um valor ilíquido de 3635,28 euros.

Deputados-comentadores. Mariana Mortágua isolada no Parlamento