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FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Paula Silva, diretora-geral do Património: "Fui exonerada. Não esperava"

Entrevista com a diretora-geral do Património que a ministra da Cultura exonerou de surpresa. Criação do Museu da Liberdade em Peniche foi um ponto alto do mandato. Sai incomodada? E o futuro próximo?

São as últimas horas de Paula Araújo da Silva como diretora-geral do Património Cultural. Sexta-feira de manhã, num gabinete com luz natural e meticulosamente arrumado, na ala norte do Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, a arquiteta e arqueóloga portuense explicou ao Observador os pontos altos e baixos de um mandato iniciado em janeiro de 2016, por indicação do então ministro da Cultura, João Soares.

A partir desta segunda-feira o maior organismo sob alçada do Ministério da Cultura, com um orçamento de 57 milhões este ano, passará a ser dirigido por Bernardo Alabaça, de 46 anos, gestor imobiliário que já teve cargos de chefia no Ministério da Defesa e no Ministério das Finanças – nome fortemente contestado por profissionais da museologia, que alegam falta de perfil. Com ele entram Fátima Marques Pereira e Rui Santos, mantendo-se João Carlos Santos como subdiretor.

Sobre as críticas ao sucessor, a ainda responsável não quis fazer comentários, mas em abstrato admitiu que a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) “pode perfeitamente” ser dirigida por alguém de fora da área do património.

A saída de Paula Araújo da Silva foi anunciada pelo Ministério da Cultura a 13 de fevereiro e tratou-se de facto de uma exoneração, disse agora a diretora cessante, acrescentando ter sido apanhada de surpresa. Estava desde o início em regime de substituição por um período mínimo de cinco anos, agora interrompido.

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Numa conversa mais virada para balanços do que para críticas, as relações tensas entre Paula Araújo da Silva e a ministra Graça Fonseca ficaram sem resposta, mas terão sido determinantes para o afastamento, como adiantou o jornal “Público”. Foi a fase final do mandato especialmente complicada na relação com a ministra? “Não vou comentar”, respondeu.

Como principais êxitos, destacou a criação do Museu Nacional Resistência e Liberdade, no Forte de Peniche, o restauro dos carrilhões de Mafra e a instalação definitiva em Xabregas do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática. Como dificuldades, apontou a crónica falta de funcionários e de orçamento.

Sobre a devolução de património e obras de arte a antigas colónias, tema que pode vir envolver a DGPC, disse tratar-se de “uma situação muito sensível” que deve ser analisada se houver pedidos nesse sentido, sugerindo algumas dúvidas pessoais, porque “o património é de todos”.

A propósito da coleção pública de arte contemporânea constituída em 1979, a chamada Coleção da Secretaria de Estado da Cultura, da qual desapareceram 112 obras ao longo das décadas, afirmou não esperar novos extravios ou roubos, porque as regras de controlo são hoje muito apertadas, e adiantou que a Polícia Judiciária já está a investigar.

Licenciada em arquitetura pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto e mestre em arqueologia pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, Paula Araújo da Silva gosta de desafios e não é uma pessoa fácil (nas palavras do antigo secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas). Tem 63 anos e antes de assumir funções na DGPC tinha sido chefe da divisão municipal de museus e património cultural da Câmara Municipal do Porto, diretora regional da cultura do norte e diretora regional do extinto Instituto Português do Património Arquitetónico. Regressa agora ao Porto e será reintegrada como funcionária do município. Só não sabe ainda que funções lhe reserva o presidente da Câmara, Rui Moreira.

Disse numa entrevista em 2017 que queria melhorar a comunicação desta casa, para que a DGPC aparecesse nas notícias por boas razões e não apenas por causa de polémicas. Conseguiu?
Não muito. A imprensa, ou se calhar as próprias pessoas, ficam mais atentas a questões polémicas do que a questões não polémicas. Temos alguma dificuldade em comunicar coisas óbvias, é difícil chamar jornalistas para coisas interessantíssimas. Por exemplo, os encontros que fizemos no Forte de Sacavém, onde estão os arquivos nacionais do património arquitetónico. Foi uma das minhas prioridades desde 2016, com  um protocolo de colaboração com a Casa da Arquitetura de Matosinhos. O que pega são coisas muito mediáticas, como o restauro dos carrilhões de Mafra, que voltaram a tocar no início deste mês. Nem se conseguia entrar na vila de Mafra, tal era a afluência de pessoas que queriam assistir ao concerto dos carrilhões. Aí a DGPC apareceu, mas a atividade quotidiana de exposições e conferências nos museus e monumentos tem muita dificuldade em passar.

A DGPC parece ter duas frentes: a comunicação com os especialistas e técnicos do património e depois com o grande público.
Pois, é a esse grande público que não conseguimos chegar. Ao público interno, chegamos e tenho muita satisfação com o que fizemos. A DGPC é uma estrutura muito grande e abrange todas as vertentes do património cultural, que são cada vez mais, e mais importantes para o nosso entendimento da memória coletiva. Além disso, editamos quatro revistas [científicas] a partir dos serviços centrais. São revistas extremamente importantes, porque Portugal é um país pequeno e há dificuldade em fazer edição de revistas [científicas]. Pode-se pensar que estou a falar apenas de umas revistas sem importância. Não. São as revistas de facto, sem desprimor para outras, que constituem uma referência para a comunidade profissional e para as universidades.

As atribuições legais da DGPC são excessivas face aos recursos humanos e financeiros que tem?
Não poria a situação dessa forma. Uma grande estrutura é perfeitamente possível. França fez isso, Itália também. Este serviço tem que ter mais verbas. Evidentemente, estamos suborçamentados.

Mas o orçamento tem crescido em muitos milhões.
Sim, tem crescido, mas nós também temos crescido. Temos agora a criação do Museu Nacional Resistência e Liberdade, em Peniche, o Museu de Évora passou para a nossa tutela, o mesmo aconteceu com o Forte de Sacavém. Isto implica um aumento dos custos.

E vem aí um novo museu no Palácio da Ajuda para as jóias da coroa portuguesa.
Este não implica necessariamente grandes custos, porque será gerido em parceria com o Turismo de Lisboa. Esperamos que seja um museu que dê lucro, esse é o objetivo.

A receita própria da DGPC também conta.
Mas não tem aumentado, tem-se estabilizado.

Ou seja, o aumento de milhões não significa que haja mais recursos.
Não significa, de facto. E há um fator que tem de ser tido em consideração: o aumento do afluxo de turismo, que aplaudimos, obriga também a mais recursos, porque temos de ter mais pessoas nas vigilâncias, mais manutenção.

Há dias, afirmou ao “Público” em jeito de balanço: “Podíamos ter chegado mais longe, mas acredito que estávamos no caminho certo.” Referia-se a algum obstáculo concreto?
O obstáculo é a nossa própria capacidade de desenvolver as coisas, que tem limites.

Paula Araújo da Silva e a ministra da Cultura visitaram em abril do ano passado o Museu Nacional Resistência e Liberdade, em Peniche

Quais foram as principais vitórias do seu mandato?
Posso citar algumas coisas que o público em geral percebe melhor e outras ficarão por citar. O restauro dos carrilhões de Mafra, por exemplo, uma obra de um milhão e 500 mil euros, que era difícil de arrancar e que começou, aliás, em 2015, antes de eu aqui chegar. Foi um trabalho que envolveu o esforço de equipas e que me levou a ganhar alguns cabelos brancos, um processo muito complexo. Já estão lançados os concursos para criação de novas portarias no Mosteiro de Alcobaça, no Mosteiro da Batalha e no Convento de Cristo em Tomar, que são dos três monumentos mais visitados do país, até pela proximidade a Fátima. Têm centenas de milhares de visitantes e têm portarias obsoletas, são as portarias que existiam há mais de 50 anos. Hoje a entrada faz-se nos mosteiros de Alcobaça e da Batalha através da igreja, o que não deve acontecer, porque perturba o culto. Passará a ser feita pelas antigas portarias. No caso de Tomar, entra-se hoje por um sítio esconso, que nem está pensado para pessoas com deficiência motora, e passará a ser pela fachada principal. Evidentemente, destaco também as novas instalações do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática, em Xabregas [Lisboa]. A obra tem demorado tempos infindos, por razões a que somos alheios, mas está pronta e o centro vai abrir ao público em abril, a seguir à Páscoa.

Que importância terá esse Centro?
O Centro foi criado pelo doutor Francisco Alves, não sei precisar em que ano [1996], nos terrenos onde em determinada altura o Ministério da Economia decidiu construir o novo Museu dos Coches [Belém]. Os terrenos estavam ocupados pelo Ministério da Cultura, houve alguma dificuldade de entendimento, penso, e foi então que o Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática, mas também o Laboratório de Arqueociências, tiveram que mudar rapidamente de sítio. O primeiro ficou instalado no MARL [Mercado Abastecedor da Região de Lisboa, em Loures] e o segundo foi para umas instalações aqui perto da Ajuda. Isso foi há mais de uma década. Quando cheguei, como as instalações não eram adequadas, tentou-se encontrar um espaço, que será agora em Xabregas. Pela primeira vez, vamos ter um Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática capaz de responder às necessidades do país nesta área. Vai recolher as peças, tratá-las e, na maioria dos casos, devolvê-las aos locais de origem, que os musealizarão. Não é um museu, é um centro para tratar peças, com boas condições tecnológicas. Até há 30 ou 40 anos, este tipo de património não era valorizado. Mas o projeto que me tem dado mais satisfação, que provavelmente foi o maior desafio, aquele de que gostei mais, se se pode dizer assim, foi o Museu Nacional Resistência e Liberdade.

Porquê?
Porque é fazer um museu de raiz e pegar num assunto pouco tratado. O distanciamento é pouco, o período que atravessámos até à revolução do 25 de Abril é muito recente, a poeira ainda anda no ar. A decisão do Governo de fazer este museu, no tempo do ministro Castro Mendes, foi excelente.

E, no entanto, o Forte de Peniche corria o risco de ser transformado em hotel. Depois o Governo recuou.
Havia um projeto muito antigo que previa que ali fosse instalado um hotel. Quando este Governo criou o programa Revive [de reabilitação de património público classificado], a hipótese voltou a estar em cima da mesa, mas rapidamente se concluiu que não seria o mais interessante.

"Não temos turismo a mais, temos é de conseguir desviar o turismo dos sítios onde ele está concentrado. É fácil dizer, concretizar é mais difícil, mas o país tem capacidade para fazer isto."

O Museu do Tesouro Real, na Ajuda, é para abrir este ano? A utilidade deste novo museu parece pouco clara.
A obra fica pronta este ano, mas o museu é para abrir em 2021. É preciso criar condições de segurança, será um edifício com condições especiais de segurança. Penso que vai ser um museu muito importante, essencialmente para o turismo. Haver aqui uma atração, numa quota mais alta, pode aliviar a pressão turística na zona ribeirinha de Lisboa e, espero eu, contribuirá para que o resto do Palácio da Ajuda tenha mais visitantes. Penso que vai ser muito importante para a cidade. Do ponto de vista das políticas patrimoniais, defendo que deve haver alternativas. Não temos turismo a mais, temos é de conseguir desviar o turismo dos sítios onde ele está concentrado. É fácil dizer, concretizar é mais difícil, mas o país tem capacidade para fazer isto. Deve ser uma política patrimonial objetiva, é o que preconizo e continuarei a preconizar.

O que é que é preciso para concretizar essas políticas?
É preciso dinheiro, que os fundos europeus, quando são distribuídos, sejam pensados dessa forma e não aleatoriamente. Tem de haver estratégias pré-definidas.

Essa visão estratégica tem existido?
Acho que existe e em alguns casos está a ser cumprida até. Poderia ser mais forte? Diria que sim.

Quais foram os principais problemas que teve de resolver nestes quatro anos?
O nosso principal problema é o envelhecimento dos trabalhadores do quadro.

Qual é a média de idades?
Agora baixou, era uma média assustadora. Baixou porque entraram mais de 100 pessoas que não tinham vínculo. O número de pessoas não aumentou, porque elas já cá estavam a trabalhar. O número de funcionários que se reformam é muito grande, são especialistas em determinadas áreas, difíceis de substituir. É preciso haver transmissão de conhecimentos e se não entrar gente nova estamos a perder isso. O outro problema, mais mediático, é a falta de vigilantes [nos museus].

Um problema que apareceu muitas vezes denunciado pelo antigo diretor do Museu Nacional de Arte Antiga, António Pimentel?
Mas é extensivo a quase todos os museus, palácios e monumentos.

Põe em risco o património?
Não põe em risco, porque se não há vigilantes, fecha-se uma sala ou duas. Compete aos diretores dos museus fazê-lo, para isso é que são diretores. Não entro em alarmismos.

Uma das questões que surgiram enquanto foi diretora-geral foi a da devolução de património às antigas colónias portuguesas. Faz sentido?
É um assunto que tem de ser muito bem pensado e ponderado.

A ministra da Cultura tem dito que se houver algum pedido de algum país ele será analisado. Há algum pedido à data de hoje?
Não. É uma situação muito sensível, que está a ser discutida por essa Europa fora, e não é fácil de resolver e decidir. O que são os museus? São uma coleta de coisas que estavam distribuídas por todo o lado. A desamortização dos mosteiros e conventos em 1834 fez com que os bens desses locais fossem mais tarde integrados em museus. Um grande conjunto dos bens que hoje temos em museus vieram desses mosteiros e não estão a voltar para os mosteiros. Os museus de história têm peças de várias proveniências, não quer dizer que vamos agora devolver as peças todas. O museu, em si, é um sítio onde estamos a guardar os objetos de forma correta, é património de todos nós, do mundo,  da humanidade. Existe a noção de que o património é de todos.

"Fui exonerada. Não esperava. É uma possibilidade, um ministro decidir a cada momento ter outras pessoas na direção dos serviços."

Relativamente à  chamada Coleção da Secretaria de Estado da Cultura, a DGPC concluiu recentemente que não havia regras de registo e empréstimo e isso explicará o desaparecimento de obras. Há condições para que não volte a haver falhas destas?
Hoje temos bases de dados informáticas e regras para a saída das peças. Há autos de saída e de entrada, está tudo informatizado. A partir de agora, penso que será impossível, a não ser que haja um roubo.

O que é que o desaparecimento das 112 peças diz sobre a forma como o Estado cuida do património?
É uma situação que me desagrada profundamente. Também já aconteceu a destruição de património arquitetónico. O assunto [das obras desaparecidas da Coleção SEC] está agora entregue à Polícia Judiciária, que irá fazer o seu trabalho. Algumas obras seguramente vão aparecer, outras se calhar não. Havia maneiras diferentes de trabalhar, eram outros tempos, não havia sistematização, havia a ideia de que as peças podiam sair e não havia a preocupação de que tudo ficasse formalizado. Não pode haver exceções, se uma peça sai da coleção tem de haver formalização, autorização, assinaturas.

Há muitos museus nacionais com diretores interinos.
É a maior parte, neste momento. Estão em regime de substituição.

Quem é que lança os concursos para diretores definitivos?
A decisão de abrir concurso é evidentemente da DGPC. Só não o fizemos mais cedo porque estava uma lei para sair [regime jurídico de museus, monumentos e palácios].

Mas essa lei já saiu em junho do ano passado.
Sim e já estamos a andar. Este processo obriga a pedir às universidades que indiquem membros para o júri. Isso está pronto para avançar.

É grave não termos diretores efetivos nos museus portugueses?
É preferível ter diretores de concurso, mas não é um problema. Já estive em regime de substituição em muitos serviços. Se quisermos arranjar um problema, isso pode ser um problema.

“Gosto muito do que faço, sinto o dever do serviço público cumprido”

Teve uma boa relação com a tutela nestes quatro anos?
Tive três ministros e penso que três secretários de Estado. As relações são umas vezes com mais entendimento, outras com menos entendimento, o que é natural.

A fase final do seu mandato foi especialmente complicada na relação com a ministra Graça Fonseca?
Não vou comentar.

Foi demitida?
Sim, fui exonerada.

Esperava?
Não.

Como é que reagiu?
É uma possibilidade um ministro decidir a cada momento ter outras pessoas na direção dos serviços.

Ao anunciar o novo diretor-geral, o Governo disse que vem aí “um novo ciclo de políticas públicas para o património cultural e para as artes” o que “exige perfis adequados aos novos desafios”. Viu aqui uma crítica?
Não.

A DGPC deve ser dirigida por alguém da área da cultura ou pode ser gerida por pessoas de outros contextos profissionais?
Pode perfeitamente ter alguém de outro contexto. Costumo dizer que um dos personagens mais interessantes que conheci foi nos dois anos em que estive na Câmara do Porto, o vereador da Cultura Paulo Cunha e Silva. Uma pessoa verdadeiramente extraordinária. E ele era médico.

Bernardo Alabaça, o seu sucessor, vem da área do imobiliário, o que tem sido muito criticado. Quer comentar?
Não.

Qual é o seu futuro profissional?
Sou funcionária pública e volto para o Porto, onde tenho casa e família. Vou para a Câmara Municipal do Porto, o meu lugar de origem, e aceito os desafios que existirem. Tinha o cargo de chefe de divisão do património e museus, o lugar naturalmente foi ocupado e serei agora integrada onde o senhor presidente da Câmara entender.

O que é que se vê a fazer?
Não faço ideia. O presidente da Câmara falará comigo na próxima semana.

Sai satisfeita?
Muito. Gosto muito do que faço, sinto o dever do serviço público cumprido e dei o meu melhor. Penso que a DGPC teve uma boa prestação durante estes anos.

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