O dirigente de um órgão nacional do PSD — o tribunal do partido — que quer punir Rui Rio esteve no programa Vichyssoise da rádio Observador a falar do momento conturbado que vive no partido depois de ter visto o Tribunal Constitucional anular a advertência do seu Conselho de Jurisdição Nacional PSD ao líder parlamentar do partido sobre uma moção setorial aprovada em congresso (sobre a eutanásia) que não foi concretizada. Paulo Colaço considera um disparate o pedido de demissão que o atinge feito por Adão Silva e mostra estar distante de Rio.
Mesmo assim admite que gosta do atual líder do PSD, não quer falar de sucessores enquanto não houver calendário para isso, mas também não deixa de dar resposta pronta quando, na parte dos desafios do programa, é confrontado: preferia ser assessor do primeiro-ministro Paulo Rangel ou do primeiro-ministro Carlos Moedas? “Paulo Rangel”. A conversa com Paulo Colaço começou pelo episódio do momento que o põe em confronto com a direção do partido.
A sanção que propôs para o líder parlamentar foi anulada pelo Tribunal Constitucional. Adão Silva sugeriu que se devia demitir. Vai apresentar a demissão?
Isso é um disparate. Nenhum juiz se demite porque um juiz de uma instância superior diz uma coisa diferente, se não já não havia juízes. Não pode ser assim. Mas acho mais absurdo ter sido dito pelo Adão Silva, porque ele diz isso menos de uma semana depois de o Tribunal Constitucional (TC) ter dito que ele mandou os deputados do PSD votar uma lei inconstitucional.
Portanto, ele é que se devia demitir.
Não estou a dizer que ele é que se devia demitir; estou a dizer que é um absurdo as pessoas demitirem-se por causas das decisões do Constitucional. O Presidente da República devia ter-se demitido, então, porque o TC diz que promulgou uma lei inconstitucional. Os líderes de bancada que pediram aos seus deputados que votassem os apoios sociais deviam todos demitir-se. Se isso criar regra, quando sair uma decisão do TC, os jornalistas em vez de perceberem qual é a decisão vão tentar perceber quem tem de se demitir.
Acha que Rui Rio concorda com Adão Silva nesta ideia de que se devia demitir?
Não sei, não falei com o presidente do partido.
Mas não costuma falar?
Não, não costumamos falar. Só sou presidente do Conselho de Jurisdição desde o último congresso; era membro mas não era presidente e não sei que tipo de relações existiram entre os presidentes da Jurisdição anteriores a mim e os líderes do partido. Desde que eu sou presidente, não falei nessas condições com o líder do partido.
Anunciou ontem que vai apresentar recurso da decisão do Tribunal Constitucional. Há muita gente que tem dúvidas sobre como se recorre de uma decisão do TC. Já agora, em que é que se baseia essa decisão e o que leva a crer que os mesmos juízes vão votar de forma diferente sobre factos que sabem que são iguais?
As deliberações das secções do TC podem ter recurso para o pleno. Só pode ser alegada matéria de Direito e, daquilo que li e estudei, é possível fazer esse recurso e eu recorrerei. Porquê? Há duas causas de anulação da deliberação do Conselho de Jurisdição: o TC diz que quando eu notifiquei o presidente da direção do grupo parlamentar, na pessoa da secretária da direção do grupo parlamentar, não o devia ter feito assim — não se vê notificado na pessoa da sua secretária; é uma questão formal. O segundo argumento é que eu não devia ter reconhecido o caráter vinculativo da moção aprovado sobre a eutanásia através de uma moção de arquivamento, mas sim através de um parecer. Portanto eu devia ter dito que a moção era vinculativa; o TC considera que só o é porque o Conselho de Jurisdição lhe atribuiu esse caráter. Aquilo que preciso de provar ao TC, e se calhar não fui diligente ao ponto de o provar da primeira vez, é que a moção aprovada em congresso sobre eutanásia não é vinculativa porque o CJN disse que era; ela é vinculativa desde o momento em que é aprovada pelo congresso.
Pode dar-nos exemplo de uma moção setorial aprovada no Parlamento com a dimensão de um referendo à eutanásia que tenha sido aplicada no Parlamento?
Não me lembro de o Congresso ter alguma vez pedido ao partido para ouvir os portugueses em referendo sobre qualquer matéria. Mas o passado não me obriga a decidir como no passado. Havendo um pedido, não se espera que o Conselho de Jurisdição tenha uma decisão política.
Em 2016, por exemplo, o Congresso do PSD aprovou moções setoriais para que existissem eleições primárias e que defendesse a regionalização, que segundo a Constituição exige um referendo. Nessa altura, o líder Passos Coelho, o líder parlamentar Luís Montenegro ou o secretário-geral Matos Rosa deviam ter tido sanções similares?
A questão não está nas lideranças, está nos pedidos ao CJN. Não me posso pronunciar sobre coisas de outro tempo…
Mas não tem uma opinião sobre o que devia ter acontecido nesse caso?
Precisava de estudar. Mas quando sou confrontado com um pedido de atribuição de caráter vinculativo de uma moção, tenho de dizer que não sou eu que atribuo esse caráter e tenho de responder rigorosamente a esse pedido.
Mas na altura já tinha responsabilidades no Conselho de Jurisdição. Porque é que não defendeu as mesmas sanções?
Porque não há pedido.
Portanto se ninguém tivesse suscitado isto, o Conselho de Jurisdição não teria feito nada.
Nada.
Tinha ficado em silêncio.
Há mais de 20, 30 anos que o CJN adotou o princípio do pedido. Há pedido, há pronúncia. Porque é que não pode ser ao contrário? Porque é que não deve por sua iniciativa ir atrás dos militantes e dirigentes? Porque passaria a ser um órgão discricionário. Eu vou atrás deste hoje e não vou atrás daquele amanhã. Porquê?
Precisamente por dizer que a decisão política: há uns tempos tivemos aqui na Vichyssoise Adão Silva e ele dizia que isto era uma tentativa de diminuírem Rui Rio publicamente e até falava nos Brutus que lhe tentam meter uma faca nas costas. Identifica-se com essas críticas?
É curioso, porque o meu nome é Paulo César. E é contra os Césares que os Brutus aparecem…
Então quem é o Brutus nesta história?
Não faço ideia, mas posso dizer que nós só atendemos ao princípio do pedido. No dia em que eu, por minha iniciativa, começar a pôr processos a dirigentes e estruturas do partido, terei de ter um membro da Jurisdição atrás de cada militante, concelhia, distrital. É normal que quem está debaixo de fogo responda da forma como pretende responder… José Sócrates também diz que é a Justiça que está atrás dele. É livre a sua resposta. A minha atuação não é livre: é balizada pelas regras do partido. É assim que atuo faz treze anos na próxima sexta-feira. É a primeira vez que alguém diz que eu sou parcial, que tenho um interesse. É a primeira vez que alguém vem dizer que a Jurisdição se move por interesses políticos. Isto é de uma gravidade que não me lembro de ter visto no ano passado.
Foi alvo de bullying político no congresso, falou para cadeiras vazias e foi desvalorizado de alguma forma até pela própria direção.
Foi a primeira vez. Vou a congressos desde miúdo e é a primeira vez que me lembro que a mesa do congresso não anunciou as candidaturas alternativas à da liderança.
Mas o Conselho de Jurisdição não tem um espaço, portanto trabalha através da sede do partido. Sente-se bem tratado pela secretaria-geral, pelo partido?
Quando vou à sede, normalmente está um bocado vazia, mas estão lá os funcionários do partido, que me conhecem desde muito novo…
Vou reformular: há hostilidade da direção em relação ao Conselho de Jurisdição e ao seu presidente ou não?
Não sei porque quando lá vou não costumam estar.
Mas geralmente, da Comissão Permanente.
Vocês leram as coisas que foram escritas e ditas, os comunicados, leram que fui chamado de estalinista. Não conheço um insulto maior a um democrata do que chamarem-lhe estalinista.
Tendo em conta isso que nos está a dizer e essa dificuldade de relacionamento e que pouco ou nada fala com a direção, para haver tréguas alguém tem de sair de um lado ou do outro?
Nós temos todos saída marcada para o próximo congresso.
Até lá…
Até lá cada um cumpre as suas funções.
Portanto, pode continuar a haver aqui esta guerra aberta dentro do PSD até que mandatos terminem?
A guerra não é entre a jurisdição e as partes, é entre as partes. A jurisdição não está em guerra, decide sobre aquilo que as parte dizem.
Há pouco disse que quando vem à sede do PSD a encontra normalmente vazia. A direção de Rui Rio está ausente?
Não, não está ausente. Quando vou à sede não encontro é pessoas que me são hostis, mas funcionários do partido de quem gosto muito e que me alertam para erros que possa cometer e me ajudam. Com os funcionários, que são quem encontro quando lá vou, sinto-me bem acolhido. Não quer dizer que estamos órfãos de direção, bem pelo contrário: não estamos órfãos de direção. Mas na sede não sinto hostilidade porque só estão pessoas que me sorriem.
Em 2018 apoiou Rui Rio contra Santana Lopes, em que momento é que o deixou de apoiar?
Nunca, nem hoje. Nunca deixei de apoiar Rui Rio.
Votou Rui Rio nas últimas diretas?
O voto cada um dirá o que entende.
Apesar da discordância, apoia-o como líder do PSD, mas tal não significa que é o melhor líder do PSD, é isso?
Apoio Rui Rio, gosto do Rui Rio. Pode parecer estranho dizer isto mas eu gosto de Rui Rio. Gosto daquela personalidade, de um homem que sabe o que quer, do ponto de vista ideológico somos muito próximos, muito parecidos. O Rui Rio é o Sá Carneirista e eu também sou.
Mas chamaram-lhe estalinista, isso não mudou a sua opinião?
Não, o que os outros pensam sobre mim não determina o que eu penso sobre os outros.
Em 2018 estava na candidatura de Rui Rio e foi uma das pessoas que mais o ajudou nessa parte de preparação. Isso não aconteceu nas diretas seguintes e isso quererá dizer alguma coisa.
Não, não aconteceu mas não tem a ver com apoiar ou não o líder. Eu achei é que estava a fazer um percurso para me candidatar pela primeira vez a presidente do órgão e entendi que serviria melhor esse propósito se estivesse equidistante. O público geral não me conhece, quem me conhece são os militantes do PSD e quando Rui Rio foi candidato pela primeira vez eu era membro do CJN do PSD, estava num lugar chave para decidir qualquer coisa em benefício de Rui Rio se houvesse algum problema. O que é que eu fiz? Pedi escusa no CNJ. Disse aos meus colegas que queria apoiar Rui Rio e que qualquer assunto que venha à baila sobre o processo eleitoral para a liderança eu escuso-me de me pronunciar. Houve gente da candidatura que me disse “foste parvo, estavas lá ajudavas o Rui Rio em qualquer problema”. Não, não. Não posso. Por muito que eu quisesse que ele ganhasse, não pode haver uma única mácula em qualquer decisão.
Acha que Rui Rio vai sobreviver ao combate político das autárquicas de setembro?
Não sou uma figura política do partido, portanto a minha opinião é irrelevante sobre isso.
É um militante do partido também. Tem direito à sua opinião.
Tenho, tenho, até me faz lembrar uma anedota comunista que contei no outro dia.
Força.
Quer que eu conte?
Temos de seguir com mais perguntas, mas já la vamos. O que seria um bom resultado para o PSD?
Um bom resultado para o PSD é termos poder no dia a seguir das autárquicas. Isso não é mais câmaras. Ganharmos uma câmara muito pequenina não nos dá poder, dá-nos poder se influenciarmos a política nacional através das autárquicas.
Tem de ganhar Lisboa?
Não é preciso ganhar Lisboa. Temos Lisboa, Coimbra, Porto, temos Funchal — de que poucas pessoas falam mas eu acho que vamos ganhar o Funchal porque temos um grande candidato e está a ser feito um grande trabalho, enquanto o PS ali só faz asneiras. É preciso manter uma grande câmara como Ponta Delgada, onde temos um grande candidato que vai ganhar. Ganhar estes sítios é importante mas também é importante ganhar grandes câmaras no continente.
Mesmo que não seja após as autárquicas a sucessão de Rui Ruo vai voltar a colocar-se um dia. Descansa-o haver nomes como Paulo Rangel, Carlos Moedas?
São grandes dirigentes, militantes com muita qualidade, com muita capacidade que os portugueses conhecem.
Há algum de quem se sinta mais próximo?
Não é uma pergunta a que eu deva responder porque pode trazer alguma dúvida sobre qualquer decisão que eu venha a tomar. Mas neste momento não tenho candidato, porque não os há. Não há congresso, não há nada marcado, portanto não tenho candidato. E quando tiver, vai saber que eu apoio e que voto nele, mas não é o candidato que eu vou defender se houver algum problema.
Ainda tem tempo para contar a tal anedota comunista…
Um alto dirigente do partido comunista perguntou a um cidadão: olhe o que acha da situação política. E ele: olhe eu concordo com o editorial do Pravda desta semana. E o outro: muito bem, mas não tem uma opinião. E ele: tenho, tenho, mas não concordo com ela, concordo é com o editorial do Pravda.
Vamos para o Carne ou Peixe, a parte do nosso programa dos desafios. A quem daria a maior sanção: Adão Silva ou Paulo Mota Pinto?
Paulo Mota Pinto porque sabe o que faz.
Preferia ser assessor do primeiro-ministro Paulo Rangel ou do primeiro-ministro Carlos Moedas?
Paulo Rangel.
Sobre quem preferia contar uma anedota: Pedro Nuno Santos ou Fernando Medina?Fernando Medina, acho que é mais risível.
Quem convidaria a discursar numa Universidade de Verão do PSD: António Costa ou Catarina Martins?
Catarina Martins, o mais diferente é o que nos ajuda a perceber melhor onde é que estamos.