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KIMMY SIMÕES/OBSERVADOR

KIMMY SIMÕES/OBSERVADOR

Pedidos de silêncio e informações falsas. Como os inspetores do SEF terão ocultado o bárbaro homicídio de Ihor

Ucraniano esteve fechado numa sala, após ter sido brutalmente agredido por três inspetores do SEF, durante oito horas, segundo as provas recolhidas pela PJ. E foi encontrado já morto.

O corpo de Ihor Homeniuk, o ucraniano que terá sido assassinado no aeroporto de Lisboa, apresentava tantos hematomas e tantos sinais de ter sido barbaramente espancado que quase não seria necessária uma autópsia para perceber qual tinha sido a causa da sua morte. É esta a imagem que uma fonte da Polícia Judiciária deixa ao Observador sobre o estado do homem de 40 anos, cuja morte está a ser investigada e em que os suspeitos do crime são três inspetores de um órgão de polícia criminal: o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

A investigação está em segredo de justiça, mas uma das grandes dúvidas dos investigadores é como é que entre tantas pessoas que trabalham no aeroporto, incluindo outro órgão de polícia criminal como é o caso da PSP, se conseguiu retirar de lá um cadáver sem ninguém levantar qualquer questão.

A Polícia Judiciária só foi avisada da existência desta morte dias depois pelo médico que autopsiou o corpo, quando percebeu estar perante um crime violento. E mesmo assim a ligação ao aeroporto não foi imediata. É que na informação entregue ao Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), e assinada por um inspetor do SEF que não está entre os detidos, está registado que o corpo de Ihor tinha sido encontrado na via pública, como se lê no mandado de detenção emitido em nome dos três inspetores e que a revista Sábado divulgou esta tarde de quarta-feira. Esta pode ser a justificação para o tempo decorrido entre o alegado homicídio, a 12 de março, e o dia da detenção, a 30 do mesmo mês — ou seja 18 dias depois.

Dois inspetores do SEF fiscalizam um cidadão estrangeiro no aeroporto

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Ao mesmo tempo que os inspetores da PJ entregavam o cadáver ao INML, porém, enviavam uma informação ao Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), ou seja, ao Ministério Público, dando conta que naquele dia 12 de março tinha ocorrido uma morte no Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária (EECIT) do Aeroporto de Lisboa. “Algo comum no aeroporto por motivos de doença”, disse uma fonte do SEF ao Observador. Na informação enviada às congéneres ucranianas, para que a informação fosse comunicada à sua família, dizia que Ihor tinha sido vítima de um ataque epilético fulminante. Ainda agastada por um óbito recente na família, a mulher da vítima estranhou a justificação. O marido nunca teria tido qualquer problema de saúde até então.

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Tinha passado uma semana da morte quando o Presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal,
Pavlo Sadokha, recebeu um telefonema anónimo de alguém que precisava da ajuda da associação. Um cidadão ucraniano que teria morrido, aparentemente com um ataque epilético no aeroporto, precisava ser trasladado para a Ucrânia e a família não tinha como pagar. Não estranhou. “Perguntou-me quais os meios para transportar o corpo para a Ucrânia, dissemos que trabalhávamos com a Servilusa, onde trabalha uma ucraniana e ajuda com a documentação. Ele já tinha contactado: era 3500 euros para o transporte e mais de 2 mil para o resto”, disse ao Observador.

O SEF entregou o corpo do cidadão ucraniano ao INML, por intermédio do INEM, com a informação de que tinha sido encontrado na via pública. À hierarquia comunicou que o cidadão tinha morrido com um ataque epilético.

Pavlo disse, ainda assim, que estaria disponível para ajudar, recolhendo donativos junto da comunidade ucraniana — como, aliás, fazem tantas vezes — mas que ele teria que ter os dados do Instituto Nacional de Medicina Legal e a certidão de óbito para poder avançar. O que não seria fácil, não sendo um familiar direto. Pavlo não sabe quem foi a pessoa que lhe ligou, mas nunca mais ouviu a sua voz. Só no domingo, quando a TVI dava conta do caso, fez contas e percebeu que seria o caso da pessoa que lhe tinha ligado.

Antes desta notícia, no entanto, já a Polícia Judiciária andava discreta no terreno a investigar. E o que descobriu nos dias até à detenção dos três inspetores está vertido no mandado de detenção. Ihor Homeniuk chegou a Lisboa a 10 de março, dois dias antes da sua morte, vindo de Istambul. Ao Observador, Pavlo diz que trabalhava na construção civil, na área de isolamentos do prédios, e que nos últimos tempos dividia-se entre a Bélgica e a Polónia em trabalho. Terá sido na Bélgica, porém, que conseguiu um contrato com uma empresa portuguesa, mas tinha que vir a Lisboa assiná-lo. Foi por isso que naquele dia 10 de março apanhou um avião em Istambul, por ser mais barato. Quem o conhecia diz que veio acompanhado por dois outros homens, também ucranianos, que com ele trabalhavam. Pavlo desconfia que tenha sido um deles a ligar-lhe. No entanto, nada sabe sobre eles ou o que viram nas horas seguintes.

Foi um médico do Instituto Nacional de Medicina Legal que comunicou o caso à PJ

PAULO NOVAIS/LUSA

Segundo a Sábado, Ihor foi primeiro intercetado por um inspetor do SEF. Num segundo controlo, já ao início da noite, foi entrevistado por outro funcionário do SEF e foi na sequência desse contacto que um inspetor-chefe lhe recusou a entrada em Portugal. A TVI avançou que traria um visto de turista, uma tese que Pavlo desacredita: quem tem passaporte ucraniano pode permanecer até 90 dias em território Schengen, diz o dirigente associativo. Ihor ou teria um passaporte inválido ou teria excedido esse período de 90 dias. Desconhece-se qual a verdadeira razão de ter sido barrado, no entanto. E, segundo o Ministério Público, o próprio SEF também não o explicitou nos documentos que existem sobre o caso.

Ainda na primeira noite no aeroporto de Lisboa, Ihor foi levado ao Hospital Santa Maria pelo INEM, acompanhado por dois inspetores do SEF e por uma intérprete. O cidadão ucraniano queixava-se de dores nas pernas e na barriga. Fizeram-lhe exames e desses resultados nada aponta sequer para evidências de epilepsia. Na manhã de dia 11 regressou ao aeroporto e teria um voo de regresso a Istambul marcado para as 15h28. Mas Ihor recusou, desconhecendo-se também porquê. A própria mulher de Ihor, quando lhe perguntam se podia sabê-lo, recusou qualquer justificação. Segundo ela, o marido telefonou-lhe ainda em Istambul antes de embarcar, já com pouca bateria no telefone. Foi esta a última vez que lhe ouviu a voz.

Instituto Nacional de Medicina Legal comunicou à PJ que tinha um cadáver em mãos que teria sido vítima de um crime violento.

Nessa noite, segundo os elementos recolhidos pela PJ, Ihor foi fechado na “sala dos Médicos do Mundo”, à parte dos restantes estrangeiros que se encontravam no centro. Duas horas depois estiveram dois inspetores do SEF, um enfermeiro e uma assistente da Cruz Vermelha Portuguesa naquela sala. O enfermeiro ter-lhe-á dado um medicamento para o acalmar. Pouco depois, descreve o procurador no mandado de detenção, o detido voltou a ficar agitado. Então dois vigilantes da empresa de segurança colocaram-lhe “fita adesiva à volta dos tornozelos” e voltaram a chamar os inspetores.

Já de manhã, pelas 8h15, foram os inspetores Duarte Laja, Bruno Sousa e Luís Silva a deslocarem-se à sala onde Ihor Homeniuk passou a noite. Pediram à vigilante que não registasse os nomes deles. Lá dentro terão algemado Ihor e amarrado os cotovelos com ligaduras. À saída teceram os seguintes comentários: “hoje já nem preciso ir ao ginásio”, “agora ele está sossegado”.

Mesmo depois disto, só mais de oito horas depois alguém voltou a entrar naquela sala: um inspetor chefe e um inspetor do SEF que queriam tentar que embarcasse no próximo voo para Istambul. Mas, nessa altura, já ele não reagia. Foi chamado o INEM que o levou ao INML, onde no registo de entrada foi escrito que o cadáver “era proveniente da via pública”, (lê-se na ficha esta assinada por um outro inspetor do SEF).

O Bloco de Esquerda pediu uma audição por videoconferência ao ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Desde a notícia da TVI, na noite de domingo, que Pavlo se tem desdobrado em contactos para a Ucrânia e com a embaixada. Ainda não conseguiu falar com a mulher de Ihor — com quem a vítima tinha duas filhas de oito e 14 anos –, mas tem falado com um amigo próximo da família que está a colocá-lo a par de tudo. “Este caso está a ser notícia na Ucrânia e já fui contactado por várias associações que estão solidárias connosco e que têm casos de crimes cometidos nos centros temporários dos aeroportos”, diz.

“Esperamos que o Governo tome medidas em relação a este centro temporário, óbvio que cada país tem que se proteger da imigração ilegal, mas sobre estes casos que violem os direitos humanos”, diz Pavlo.

Direção do SEF instaurou processos disciplinares aos inspetores envolvidos no caso e demitiu de funções o diretor e o subdiretor daquele departamento.

Fonte do SEF, no entanto, olha para os três inspetores detidos e não consegue alimentar outra tese que não a de que Ihor terá sido violento. E por que mantiveram o caso em silêncio? Ninguém sabe. O Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SCIF/SEF), por seu turno, “entende – como sempre entendeu em circunstâncias análogas – que o que quer que tenha acontecido deverá ser investigado pelas autoridades competentes até às últimas consequências”, lê-se no comunicado colocado no site.

A diretora do SEF, Cristina Gatões, demitiu o diretor e o subdiretores de Fronteiras do aeroporto de Lisboa na sequência do caso

TIAGOCOUTO/Observador

“O Sindicato pede que, sobre o que está a acontecer, não sejam feitas especulações nem juízos precipitados, devendo todos aguardar factos concretos e fidedignos para então sobre eles se pronunciarem. Os dirigentes sindicais serão os primeiros a observar esta regra da mais elementar prudência”, acrescenta o comunicado do Sindicato.

Logo após serem conhecidas as detenções dos três inspetores, de 42, 43 e 47 anos, o SEF garantiu, também em comunicado, estar “desde o início a colaborar com as autoridades envolvidas na investigação e tomou de imediato as medidas previstas em sede disciplinar”. Só não explicou quando, nem no comunicado, nem ao e-mail enviado pelo Observador ainda na noite de domingo. Nesse mesmo comunicado o SEF anunciou que na sequência do caso foram afastados da direção de Fronteiras de Lisboa o diretor e o subdiretor. Tratam-se de António Sérgio Henriques e Amílcar Vicente.

Os três inspetores detidos estão agora em prisão domiciliária, por causa da pandemia de Covid-19. Caso contrário teriam ficado em prisão preventiva na cadeia de Évora.

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