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A dica partiu de Espanha, onde tinha sido visto pela última vez. Diego Marín Buitrag, o “czar do contrabando” da Colômbia, sobre o qual pendia um mandado de detenção internacional da Interpol, emitido pela procuradoria colombiana, estava em Portugal. Entrou pela fronteira terrestre no norte do país em novembro e ficou na zona do Porto algumas semanas. Durante esse tempo, pediu asilo à agência portuguesa das migrações, utilizando uma morada falsa. Alegava, segundo relatou fonte da Polícia Judiciária ao Observador, que estava a ser “perseguido politicamente” pelo Presidente Gustavo Petro, que o chegou a descrever como o “principal contrabandista e branqueador de capitais do tráfico de drogas”. Esta terça-feira, foi detido.
Diego Marín, de 62 anos, era procurado pelas autoridades colombianos por suspeita de liderar uma gigantesca rede de contrabando de mercadorias (não drogas) e de subornar funcionários públicos, do Estado ao Fisco, dos portos à polícia aduaneira. “É o chefe de uma enorme associação para cometer crimes, que inclui pessoas que estão dentro do Estado, na vida política e, em geral, no crime na Colômbia, dedicadas ao contrabando no país”, sublinhou o Presidente Gustavo Petro aquando da sua primeira detenção, em Espanha, em abril deste ano.
O líder colombiano exigiu de imediato a repatriação do contrabandista, abordando o tema num telefonema com o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez. Mas Diego Marín acabou por ficar em liberdade condicional por ordem do tribunal, enquanto se decidia o processo da sua extradição, já que tem dupla nacionalidade, colombiana e espanhola. Foi a oportunidade perfeita para fugir para Portugal, antes mesmo das autoridades de Espanha terem confirmado a decisão de extraditá-lo e irem procurá-lo. O processo para o devolver à Colômbia vai agora recomeçar, depois de ter sido ouvido esta quarta-feira em tribunal, que decretou que ficasse em prisão preventiva.
Um homem de muitos nomes e passaportes. Quem é Diego Buitrago, o contrabandista “mais poderoso” da Colômbia?
“Papá Pitufo” (‘pai Estrunfe’), “el Señor”, “Hugo”. As alcunhas são todas dele: Diego Marín Buitrago, descrito na imprensa colombiana como o contrabandista “mais poderoso” da Colômbia. Nascido em Caldas, a sua história com o crime começou na década de 90. Nessa altura recaíram sobre ele suspeitas de branqueamento de capitais pela relação que mantinha com os irmãos fundadores do cartel Cali, Miguel e Gilberto Rodríguez Orejuela — dos maiores rivais de Pablo Escobar.
Em 1994 já Diego Buitrago estava na mira das autoridades colombianas pelos negócios ilegais de contrabando de têxteis, calçado e tecnologia provenientes da China, recorda o jornal argentino Infobae. A ascensão do seu negócio, porém, só aconteceu depois do vazio de poder que se gerou com a queda dos irmãos Orejuela, quando Gilberto foi detido em 1995 ao ser descoberto num compartimento secreto atrás de um televisão numa das casas que tinha. O irmão com quem mantinha o cartel Cali seria detido um ano mais tarde.
A rede de contrabando foi crescendo e, entre 2009 e 2011, a Polícia Tributária e Aduaneira (Polfa) já tinha apreendido mercadorias de ‘Pitufo’ avaliadas em mais de 15 milhões de dólares, segundo o jornal colombiano El Espectador. Nesse ano, era responsável por cerca de 80% do contrabando na Colômbia, controlando as entradas em portos como o de Cartagena, Buenaventura e Santa Marta. O negócio, estimavam as autoridades, estava a gerar perdas fiscais anuais de oito mil milhões de dólares. O sucesso das negociações dependia, em grande parte, da rede de subornos que tinha montado.
A sua influência não se limitava, porém, à Colômbia. A imprensa colombiana relata que fazia investimentos em Miami, alegadamente financiados através de dinheiro de operações de branqueamento de capitais. “Ele tem uma relação com os EUA. Nós não sabemos até que ponto é que ele não terá lá ainda bens materiais, nomeadamente alguma casa“, comentou uma fonte da PJ ao Observador, após a detenção. Sabe-se, no entanto, que em 2004 Washington revogou o seu visto devido à notoriedade no contrabando colombiano.
Diego Marín Buitrago também viajava livremente entre a Colômbia e Espanha, devido à dupla nacionalidade. E, segundo a polícia colombiana, tinha pelo menos nove passaportes que o levavam onde queria. O contrabandista usava empresas fantasma para esconder as atividades ilegais e, diz o ColombiaOne, também era conhecido por trair alguns membros da sua organização para fugir a investigações das autoridades.
A detenção de 24 horas em Espanha após a “maior operação contra o contrabando na história da Colômbia”
A rede de Diego Buitrago contrabandeava de tudo um pouco, de têxteis a calçado, de peças de automóveis a cigarros. Trazidos principalmente da China, os produtos eram transportados por rotas com paragens em países como o Panamá até chegarem à Colômbia.
O ano de 2024 trouxe problemas para o negócio. Em março, a polícia colombiana lançou uma megaoperação em vários pontos do país que levou à captura de vários elementos da rede de contrabando. O maior golpe foi a detenção em Buenaventura de Ricardo Orozco Baeza, uma figura chave da rede. El Bendecido’ (‘O Abençoado’), como o conheciam, era, segundo as autoridades, o responsável por recrutar polícias e funcionários públicos que facilitavam a passagem de mercadorias em vários portos.
Um mês depois, o próprio líder da rede de contrabando era detido a um oceano de distância da Colômbia. “Quero anunciar ao povo colombiano que foi capturado em Espanha, na província de Valência, o senhor Diego Marín, conhecido por El Pitufo”, anunciava a 6 de abril o Presidente Gustavo Petro numa conferência de imprensa.
Petro descreveu a operação, que envolveu a Polícia Nacional Colombiana, a Guarda Civil Espanhola e a Interpol, como a “maior operação contra o contrabando na história da Colômbia.” Sublinhou que era um golpe contra o contrabando, mas também contra o tráfico de droga.
“O contrabando na Colômbia é a outra face do tráfico de droga. A maneira como a cocaína que é exportada se transforma em pesos colombianos é, fundamentalmente, através do contrabando”, afirmou, acrescentando que entra pelos portos “de forma quase oficial.” A Diego Marín deixava também algumas palavras: “Diga toda a verdade, confesse todas as suas relações políticas, com funcionários do Estado, que a verdade possa florescer.”
O Presidente esperava uma extradição rápida para a Colômbia, que acabou por não se concretizar. Um tribunal valenciano determinou que ficasse em liberdade condicional, exigindo apenas a entrega do seu passaporte, enquanto o processo de extradição se desenrolava. Esteve detido menos de 24 horas, algo que o líder colombiano criticou. “É lamentável, embora estejamos em contacto com o presidente [do governo] espanhol e exista um tratado de extradição que cumprimos na íntegra, a justiça espanhola liberte o principal contrabandista e branqueador de capitais do tráfico de droga na Colômbia”, escreveu a 6 de abril numa publicação na rede social X.
Muy lamentable, aún hablando con el presidente español y existiendo un tratado de extradición que hemos cumplido cabalmente, la justicia española ha dejado en libertad al principal contrabandista y lavador de activos del narcotráfico de Colombia.
El señor Diego Marín ha sido…
— Gustavo Petro (@petrogustavo) April 6, 2024
Com o contrabandista em liberdade, o advogado de defesa, o chileno Gonzalo Boyea, iniciou uma campanha contra a extradição, alegando que Diego Marín devia ser julgado em Espanha devido à dupla nacionalidade, apesar de os crimes que lhe eram imputados terem como eixo a Colômbia. O argumento não pegou e, a 17 de outubro, o Supremo Tribunal de Espanha decretou a favor da extradição. A decisão foi contestada pela defesa, que chegou a revelar ter apresentado uma queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Terá sido depois desta decisão que, apesar da proibição de sair do país, Pitufo cruzou a fronteira para Portugal.
A fuga para o norte de Portugal, um pedido de asilo e uma nova detenção
Pitufo chegou a Portugal entre o final de outubro e o início de novembro, segundo revelou ao Observador uma fonte da Polícia Judiciária. O aviso de que estaria em território português partiu da Polícia Nacional Espanhola e “rapidamente” a PJ começou a trabalhar para o encontrar. A investigação foi facilitada por uma pista: um processo de asilo que deu entrada na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).
“Em Portugal, tivemos uma informação de que ele junto da AIMA fez um pedido de asilo”, explicou a fonte da PJ, acrescentando que o homem alegou estar a ser “perseguido politicamente pelo Presidente da Colômbia.” Para a candidatura o homem usou uma morada falsa. “Não estava nessa morada, fomos localizá-lo noutro sítio”.
O colombiano foi detido já esta terça-feira, na zona do Porto. “A Polícia Judiciária, em cooperação internacional estabelecida com o Corpo Nacional de Polícia de Espanha, depois de demorado e meticuloso trabalho de investigação, desencadeou (…) uma operação policial que conduziu à detenção de um cidadão estrangeiro, de 62 anos, na zona norte do país, sob o qual pendia um mandado de detenção internacional emitido pelas autoridades colombianas, por alegado envolvimento em criminalidade altamente organizada”, revelou esta quarta-feira a PJ num comunicado enviado às redações.
O contrabandista de 62 anos não resistiu à detenção, aliás, “não tinham indicação de que fosse uma pessoa perigosa ou violenta”, esclareceu a fonte da PJ ao Observador. A mesma adiantou que durante o tempo que esteve em Portugal não cometeu qualquer crime: “Em Portugal nós nunca tivemos nenhum problema com ele.” O Tribunal da Relação do Porto determinou, segundo o Correio da Manhã, que ficasse em prisão preventiva a aguardar extradição.