O termo “pessoas altamente sensíveis”, do inglês “highly sensitive person”, foi cunhado na década de 90 pela psicóloga clínica norte-americana Elaine Aron, cujo marido, Arthur Aron, é um dos autores do guião das 36 questões que já antes fizeram dois desconhecidos apaixonarem-se.
O traço de personalidade descrito como “neutro” ganhou popularidade com o livro homónimo lançado em 1996 por Elaine Aron — já vendeu quase 1 milhão de cópias em todo o mundo e foi traduzido para 17 línguas —, segundo a qual afeta 15 a 20% da população mundial. Cerca de 25 anos depois, obra e autora continuam a ser faladas, como é o caso deste artigo da Forbes internacional que procura argumentar o porquê de as pessoas altamente sensíveis serem os melhores líderes.
Outro artigo, desta vez do The Wall Street Journal, explicava em 2015 que as “pessoas altamente sensíveis” estavam a ter o seu momento, com a primeira conferência científica internacional a acontecer na Vrije Universiteit Brussel. Explicava-se ainda que um estudo de 2014, de investigadores da Universidade da Califórnia e publicado na revista científica “Brain and Behavior”, mostrara que pessoas “altamente sensíveis” tinham mais atividade neuronal em regiões específicas do cérebro quando a olhar para a cara de uma pessoa querida — isto por comparação com as pessoas com uma sensibilidade dita “média”. Em jeito de curiosidade, tanto Kanye West como Alanis Morissette dizem ser PAS.
Mas o que são, então, “pessoas altamente sensíveis” ou PAS (existe um teste que o ajuda a especificar)? A holandesa Karina Zegers de Beijl é a representante nos países de língua castelhana da psicóloga Elaine Aron e fundadora da Associação de Pessoas com Alta Sensibilidade de Espanha (APASE). É ainda a autora de um novo livro dedicado ao traço de personalidade que chegou ao mercado nacional em maio pela editora Esfera dos Livros. Em entrevista ao Observador, explica quais as principais características de uma PAS — pessoas que no passado terão sido chamadas de “tímidas” ou até de “introvertidas”.
O que é uma “pessoa altamente sensível”?
Uma pessoa altamente sensível, tal como a entendemos, é uma pessoa que nasceu com traços de alta sensibilidade definidos pela doutora Elaine Aron, que é a psicóloga nos EUA e que descreveu este traço nos 1990, no final do século passado. Pode ser definido tendo em conta quatro grandes pilares, quatro grandes características. Uma delas remete para a forma como estas pessoas processam toda a informação que lhes chega. É um processamento profundo, elas refletem sobre tudo. Para alguém que não é altamente sensível isso pode ser… aborrecido. São pessoas que querem sempre saber tudo sobre tudo. Porque recebem muita informação, mais do que as outras, têm a tendência a ficarem demasiado estimuladas — se há muita informação a entrar sem tempo suficiente para que esta seja processada da forma como elas o fazem, as PAS ficam muito estimuladas porque ficam nervosas e stressadas.
Essas são as duas primeiras características. E as restantes?
A terceira é que as PAS são basicamente bastante emocionais para o bem e para o mal. Adoram coisas bonitas e ficam emocionadas a olhar para coisas como flores, um sorriso, uma obra de arte. Podem chorar por causa de algo belo, mas também podem ficar tristes muito facilmente. As histórias tristes dos outros podem afetá-las, sobretudo numa altura destas [referindo-se à pandemia]. E ficam angustiadas com estas coisas porque sentem o sofrimento como, se de alguma forma, fosse delas — claro que é preciso aprender a não fazê-lo, mas isso é o próximo passo. O quarto aspeto é que são sensíveis às subtilezas, são capazes de notar pequenos detalhes, como um cabelo solto no ombro, uma mudança de mobília na casa de um amigo ou um quadro que não está direito. Reparam nestas coisas. Também ficam mais facilmente incomodadas com o barulho, quando outras pessoas não notam nada, as PAS são capazes de comentar “Porque é que está tão barulhento aqui?”. O mesmo com os cheiros.
O termo “Pessoa Altamente Sensível” é referido pela primeira vez em 1996…
Elaine Aron descobriu isto porque estava a fazer uma investigação sobre os introvertidos, mas a forma como ela colocou as questões… o traço que estava a investigar, que pensou ser introversão, também abrangia pessoas extrovertidas. Foi por isso que Elaine Aron pensou que isto era uma coisa diferente e não introversão. Pessoas extrovertidas também podem ser altamente sensíveis, o que não é algo óbvio em muitas pessoas.
Não é um transtorno, o que é?
A diferença entre um traço de personalidade e um transtorno é a frequência com que se apresenta. Um transtorno é algo que não é de todo normal. Tal como 20% da população pode ter olhos azuis, 20% pode ser PAS. É normal, há muitas pessoas. O que faz do traço uma coisa rara é o facto de as pessoas não o reconhecerem.
E não é o mesmo que hipersensibilidade?
Não. Hipersensibilidade em relação a PAS acontece temporariamente quando a pessoa está muito stressada e fica muito nervosa, incapaz de controlar as emoções de forma correta, mas não está lá sempre. Também sabemos que existe hipersensibilidade no espectro do autismo e aí também se refere a um overload de informação na medida em que a pessoa não é capaz de processar [toda] a informação ao mesmo tempo, mas está lá sempre, não é apenas quando a pessoa está stressada.
Quais os lados negativos de ser uma PAS? Como é que isto pode afetar a vida de alguém?
Primeiro, o traço em si é neutro, não é bom nem mau. Gosto de comparar com a ideia dos olhos azuis, é uma coisa física. Olhos azuis no norte da Europa é algo ótimo porque há pouca luz; em Portugal ou em Espanha já é preciso usar óculos de sol. Não é um problema em si, depende do ambiente, do contexto. Se uma PAS vive num ambiente onde há muita coisa a acontecer ou se o trabalho é demasiado intenso e não há tempo suficiente para descansar ou para fazer pausas, então, a pessoa fica demasiado estimulada ou stressada. Isso é um lado difícil de ser-se PAS, mas depende muito na forma como as pessoas vivem e quais as respetivas circunstâncias. Também depende muito de como fomos educados, isso é um fator muito importante. Se uma pessoa tiver tido uma infância feliz, então nunca vai questionar-se por ser uma PAS. Porque se é considerado algo normal e aceite durante a infância, a pessoa em questão nunca ouviu alguém dizer que era demasiado sensível ou que estava sempre a chorar ou a queixar-se. Isso permite que a pessoa aprenda a lidar com a sua forma de estar.
Ser-se incompreendido deve ser uma das facetas mais difíceis de suportar…
Acho que depende de como as pessoas, em crianças, aprenderam a viver com isso porque isto não é novo — fica mais forte na adolescência numa altura em que há necessidade de pertencer a um grupo com uma forma específica de pensar —, mas enquanto criança… já lá está. Também depende dos pais, da forma como eles ajudam as crianças a lidar com isso. Caso os pais não o façam, ou em criança não haja abertura para mostrar a dor, mais tarde, pode ser um problema. Os meus pais eram ambos PAS e desde muito cedo que me ajudaram… Há sempre um lugar onde pertencer.
Mas como é que pode afetar a vida de uma pessoa?
É difícil e é por isso que é tão importante que as pessoas saibam que este traço existe para que se possam compreender melhor. Conhecê-lo é a chave para prevenir o sofrimento, para mudarmos a nossa vida e para termos responsabilidade pela forma como somos. As PAS sofrem com facilidade porque são emocionais. Podem ficar deprimidas, é verdade. Uma PAS pode achar que não pertence, que ninguém a ama, que nunca se encaixa… necessidades que os outros não entendem.
O maior dom será a empatia?
Lembro-me de uma discussão que tive com um parceiro há cerca de 20 anos e usei esta palavra porque sabia o que ela significava, porque senti-a. Usei-a e ele, que era um homem muito inteligente, disse que essa palavra não existia. Empatia era, na minha opinião, a melhor parte de mim e esta pessoa não o entendia. Penso que é um conceito que ganhou popularidade. Podemos ensinar uma pessoa a ser empática, mas não da forma como as PAS são no sentido em que não precisam de pensar nisso, simplesmente acontece, sentem-no. Não é preciso questionarem-se sobre o que está a acontecer com as outras pessoas. Sabem-no instantaneamente.
Quão fácil é uma pessoa PAS anular-se perante outras?
As PAS têm uma grande necessidade de agradar os outros e há diferentes razões para isso. Primeiro, se são bons para os outros isso significa que gostam delas e que não atraem conflitos, teoricamente falado. Fazem o seu trabalho e, por vezes, o trabalho das outras pessoas. Também acontece que a maior parte das PAS, algures na infância, teve baixa autoestima e isso deixa-as mais inclinadas a ajudar e a agradar porque, ao fazê-lo, esperam receber amor. Tentam compensar as suas deficiências ao ser simpáticas para os outros — e isso não acontece a maior parte das vezes, as pessoas tendem a tomar as PAS como garantidas, no sentido de que estarão sempre lá para ajudar.
É aí que o perigo começa porque, se nunca se consegue o amor pretendido, as PAS podem continuar a dar e a ajudar até se esquecerem de si próprias e as pessoas tentam aproveitar-se… não tentam, aproveitam-se porque as PAS oferecem-se de graça e acabam por culpar as outras pessoas por se aproveitarem. Nesses contextos, os níveis de energia das PAS ficam esgotados. É aí que algumas PAS ficam doentes — é o caso do burnout no trabalho ou o facto de ficarem muito desiludidas nas relações. Depois percebem que é preciso impor limites.
Só podemos ser eficientes e ajudar os outros até um certo ponto, isto é, temos de estar bem connosco próprios para ajudar os outros livremente — “livremente” é a palavra-chave, no sentido em que as pessoas ajudam porque querem ajudar e não porque esperam alguma coisa em troca. E se precisamos de alguma coisa, é abrir a boca. Não vale de nada esperar que os outros se apercebam das coisas se não lhes dissermos. Isto é um grande erro, porque nós vemos as necessidades nas outras pessoas e pensamos que as outras pessoas conseguem ver as necessidades em nós, isso não é verdade.
Que tipo de comentários desagradáveis estão mais propensas a ouvir?
“Que drama queen”, “é tudo um drama”. Ou “porque é que és tão sensível?” ou “porque é que estás a chorar?”.
Esta sociedade não é para PAS?
Não sei. A sociedade não foi feita por PAS isso é óbvio porque não são a maioria. Mas penso que também é feita para elas porque as PAS tem tanto com o que contribuir. Falo de valores, no sentido de justiça, beleza, arte, empatia, ajudar os outros…
Acha que as PAS estão mais inclinadas para as artes?
Sim, obviamente. Porque elas veem a beleza nas coisas. As PAS definhariam sem beleza e a maior expressão da beleza são as artes — pintura, literatura, música, poesia… Poesia é muito típico das PAS porque é tudo sobre emoções.
Acha que o mundo pode tornar as PAS menos sensíveis?
Não. Porque isto é como somos. Volto aos olhos azuis: o mundo não pode mudar a cor dos nossos olhos. Mas sei que as PAS que são muito magoadas, especialmente os homens, vão tentar suprimir o seu lado mais sensível. Mas não podemos suprimir as emoções, passado algum tempo elas vêm cá para fora e se isso não acontece da forma certa, acontece da forma errada, o que implica que podem ficar doentes. Mas este traço não deixa as pessoas doentes, isso não é verdade, é a forma como o gerimos que importa.
Como podem as PAS usar estas características a seu favor?
Primeiro, aceitando-se como são, porque só assim é possível estar-se em paz. E isso implica que elas param de lutar, de resistir. São como são e têm talentos que podem ser explorados. Porque se conhecerem o traço e o compreenderem… somos todos diferentes, eu posso ser introvertida e outra pessoa ser extrovertida, eu posso ser alguém que está sempre à procura de coisas novas e a outra pessoa pode estar mais ligada ao passado. As pessoas são diferentes mas partilham um traço. É importante conhecer o traço e a forma como ele afeta a vida e a forma de ser.
Como são as PAS nas relações e no trabalho?
Isso é outro livro. Para uma PAS ser feliz em relações, sejam pessoais ou de trabalho, é essencial que ele ou ela conheçam o traço e conheçam as suas limitações, no sentido em precisam de tempo para si próprios, precisam de pausas e de ter os seus próprios interesses, de os defender. Respeitar as diferenças do parceiro e encontrar uma trabalho que as preencha é também importante. E se encontrar esse trabalho não for possível, porque é muito difícil encontrar um trabalho que seja mesmo adequado a um PAS, é ter a certeza que dá para tirar pausas e pedir ajuda. O autocuidado é muito importante.