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O Bangladesh é um dos países que menos CO2 emitem para a atmosfera, mas é um dos que mais sofrem as consequências da subida do nível do mar
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O Bangladesh é um dos países que menos CO2 emitem para a atmosfera, mas é um dos que mais sofrem as consequências da subida do nível do mar

NurPhoto via Getty Images

O Bangladesh é um dos países que menos CO2 emitem para a atmosfera, mas é um dos que mais sofrem as consequências da subida do nível do mar

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Pobreza, racismo e poluição. As alterações climáticas também revelam (e agravam) as desigualdades

A ciência mostra-nos que os brancos produzem mais poluição, mas são os negros que estão mais expostos a ela. E são os países que menos poluem que mais vão sofrer com as alterações climáticas.

Se é verdade que o Sol, quando nasce, é para todos, não é igualmente exato que o planeta esteja a aquecer da mesma forma para toda a Humanidade — ainda que a expressão “aquecimento global” possa levar a crer que sim. Falar de alterações climáticas no mundo de hoje é, segundo os desenvolvimentos científicos dos últimos anos, falar também de desigualdades sociais, de pobreza e de racismo.

O Acordo de Paris, assinado em 2015, vincula o mundo a um aumento da temperatura média do planeta de, no máximo, 2ºC acima dos valores pré-industriais. Para já, parece improvável que a meta venha a ser cumprida. Os modelos atuais apontam para um aumento entre os 3ºC e os 4ºC até ao final do século. Modelos mais recentes são ainda mais pessimistas e colocam o valor em 5ºC. Com mais ou menos otimismo, uma coisa é certa: o aumento da temperatura do planeta não nos vai afetar a todos da mesma maneira. Pelo contrário, vai aprofundar as já muitas desigualdades que separam ricos e pobres — incluindo, em grande medida, as desigualdades raciais.

Há várias razões para esta realidade. A primeira é puramente geográfica: quando falamos do aquecimento do planeta, falamos de um valor médio, o que significa que há lugares onde o aquecimento se pode aproximar dos 10ºC. As regiões onde a temperatura deverá subir mais são aquelas em torno da linha do Equador, incluindo a América Latina, o sudeste asiático e a África subsaariana. Estas regiões, hoje as mais afetadas pela pobreza, poderão, nas próximas décadas, tornar-se demasiado quentes para suportar a vida humana e dar origem a milhões de refugiados do clima. Por outro lado, em sociedades sujeitas às mesmas temperaturas, a tendência é para que as minorias étnicas, habitualmente mais pobres, estejam mais expostas às consequências das alterações climáticas, embora contribuam menos para elas.

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A falta de água é uma das principais consequências das alterações climáticas em zonas do mundo muito pobres, como África, a América Latina e o sudeste asiático

AFP via Getty Images

Estes fatores têm, depois, consequências sociais com potencial para perpetuar e aprofundar as desigualdades. Estudos recentes mostram uma correlação entre o negacionismo das alterações climáticas e as tendências racistas. Nos países ocidentais, é mais provável um branco negar a ciência do clima do que um negro ou um membro de qualquer minoria étnica — ao mesmo tempo que é mais provável encontrar um negacionista das alterações climáticas entre a população que partilha crenças racistas. No fim de contas, quem é mais afetado pelos fenómenos climáticos é quem tem menos poder para tomar decisões que os mitiguem. Esse fica nas mãos de quem menos sente os impactos do aquecimento global.

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Demasiado quente para viver: 3,5 mil milhões em risco

A principal fonte de desigualdade nos impactos das alterações climáticas é a própria geografia do planeta. Durante milénios, a população humana habituou-se a viver nas regiões do globo em que a temperatura anual média fica entre os 11ºC e os 15ºC. É nessas regiões que a variação de temperatura permite que a vida humana se desenvolva: nunca é demasiado frio nem demasiado quente para viver, para cultivar os campos e para sustentar o gado. Porém, de acordo com um estudo publicado em maio deste ano na PNAS, a publicação oficial da Academia das Ciências dos EUA, a faixa territorial onde as temperaturas médias permitem a vida humana vai deslocar-se mais nos próximos 50 anos do que nos últimos 6 mil anos.

Os autores do estudo sublinham que, atualmente, só 0,8% do território continental do planeta tem uma temperatura média anual superior a 29ºC — limite a partir do qual uma região se considera demasiado quente para acolher a vida humana —, e é quase exclusivamente no deserto do Saara. Os modelos climáticos disponíveis atualmente mostram que, em 2070, a área do planeta com temperaturas médias anuais acima dos 29ºC será significativamente maior: 19% do território continental do globo, abrangendo toda a região amazónica, praticamente todo o norte de África, a Península Arábica, a Índia, o sudeste asiático e o norte da Austrália. Considerando os modelos de evolução demográfica e admitindo que não existem fenómenos migratórios associados ao aumento das temperaturas, as condições que hoje praticamente só são sentidas em regiões inabitadas vão atingir cerca de 3,5 mil milhões de pessoas.

A negro, os lugares onde já é demasiado quente para viver (mais de 29ºC). A sombreado, a estimativa de alargamento destas regiões até 2070

Chi Xu, Timothy A. Kohler, Timothy M. Lenton, Jens-Christian Svenning, Marten Scheffer

Como as regiões potencialmente mais afetadas estão entre as mais pobres do mundo, onde a capacidade de adaptação é baixa, fortalecer o desenvolvimento humano nestas áreas deverá ser uma prioridade, a par da mitigação climática”, avisam os autores da publicação. Um dos resultados inevitáveis será o fenómeno das migrações climáticas, com potencial para dar origem a fluxos de refugiados muito maiores do que os provocados nos últimos anos pela instabilidade política e pela guerra no Médio Oriente e no norte de África. Segundo o estudo, por cada 1ºC que a temperatura média subir, cerca de mil milhões de pessoas serão forçadas a deslocar-se para regiões mais frias ou a adaptar-se à vida em situações de calor extremo.

“É razoável concluir que, se alguma coisa esteve relativamente estável durante 6 mil anos, não vai mudar de forma rápida e indolor”, disse recentemente à CNN um dos autores do estudo, o arqueólogo norte-americano Timothy Kohler.

"É muito visível a injustiça ambiental na diferença entre o Norte e o Sul em termos globais (…) Os refugiados climáticos vêm dos países que emitiram menos"
Luísa Schmidt, socióloga do ambiente

A mudança dolorosa já começou. Segundo dados relativos a 2017 do Centro para a Monitorização dos Deslocados Internos, naquele ano houve 18 milhões de pessoas que ficaram sem casa devido a fenómenos climáticos, incluindo 4.500 pessoas por causa de temperaturas extremas e 1,3 milhões devido à seca. No ano seguinte, a profunda seca no Afeganistão obrigou mais de 200 mil famílias a fugir para outros pontos do país. E, embora as Nações Unidas não reconheçam formalmente a expressão “refugiados do clima” (preferindo “pessoas deslocadas no contexto de desastres e das alterações climáticas”), a verdade é que os fenómenos climáticos já fazem parte das prioridades políticas do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados.

Mesmo as regiões onde não se vai tornar demasiado quente para viver vão sofrer um aumento muito significativo das temperaturas. “A maioria das áreas que estão hoje perto dos historicamente prevalentes cerca de 13ºC vão, em cinquenta anos, ter uma temperatura média anual de cerca de 20ºC, atualmente encontrada em regiões como o norte de África, partes do sul da China e as regiões mediterrânicas”, escrevem os autores do estudo. Isto significa que regiões como França, o Reino Unido ou o norte da Península Ibérica poderão, dentro de 50 anos, ter temperaturas médias como as registadas atualmente em Marrocos ou na Flórida.

É muito visível a injustiça ambiental na diferença entre o Norte e o Sul em termos globais”, diz ao Observador a socióloga do ambiente Luísa Schmidt, citando o Papa Francisco, que, na encíclica Laudato Si’ (2015) se refere à “dívida social” dos países do Norte para com os países do Sul. “É por isso que o Acordo de Paris insiste muito em que uma parte do dinheiro seja usado em ajudas aos países do Sul para adaptação. O objetivo é que 100 mil milhões de dólares por ano sejam mobilizados, já a partir de 2020-2021, para os países do Sul, para que se adaptem e possam resistir melhor às alterações climáticas.”

Luísa Schmidt aponta dois motivos centrais para a antecipação de uma crise sem precedentes devido aos refugiados do clima: a subida do nível do mar, que vai impossibilitar a vida em muitas ilhas e zonas costeiras, e a desertificação de grandes regiões onde deixará ser possível produzir o que quer que seja. Mas a grande diferença é mesmo a profunda desigualdade entre países pobres e ricos. “A Holanda está adaptada à subida do mar. Construiu-se assim, dentro de água. Mas eles gastam uma parte enorme do orçamento a manter o litoral. Nos países do Sul não há dinheiro para isso, tem de se emigrar”, diz a cientista. “Os refugiados climáticos vêm dos países que emitiram menos.”

Com muito baixa altitude e uma costa pantanosa, o Bangladesh é um dos países do mundo mais vulneráveis à subida do nível do mar e as inundações são frequentes

NurPhoto via Getty Images

Para o meteorologista norte-americano Gregory Jenkins, que há vários anos se tem debruçado sobre as alterações climáticas, o racismo e as desigualdades sociais, a previsão de uma crise de refugiados do clima em África é um dos principais indicadores da injustiça climática. “Se olharmos para África e pensarmos que eles produzem muito pouco CO2 por pessoa e, ainda assim, vão ter de se tornar refugiados do clima… Não é uma injustiça? Eles não provocaram isto, mas são forçados a tornar-se refugiados”, diz Jenkins ao Observador a partir da Pennsylvania State University, nos Estados Unidos.

Para o cientista, o mais preocupante será a previsível reação dos países ocidentais ao fluxo de refugiados. “No dia em que isso acontecer, vou ter medo, porque sei que a polícia e o Exército se vão alinhar na fronteira e eles não vão passar”, diz Gregory Jenkins. “As pessoas que dizem ‘não entrem no nosso país’ não reconhecem, na verdade, que são responsáveis por aquilo. É preciso reverter a situação, voltar atrás e perceber como impedir o problema. As nossas melhores hipóteses são trabalhar com os jovens nesses países, dar-lhes as capacidades e as ferramentas para lidar com os problemas atuais e com os problemas que vão ter de enfrentar. É preciso ir ter com aquelas comunidades.”

Brancos poluem mais, negros sofrem mais com a poluição

Ao mesmo tempo que diferentes regiões do planeta sentem de formas diferentes as alterações climáticas, também dentro de uma mesma região as populações não são afetadas da mesma forma pelos mesmos fenómenos: seja o aumento das temperaturas, sejam as emissões poluentes. Um estudo publicado no ano passado também na PNAS explorou o conceito de “desigualdade de poluição” nos Estados Unidos da América e concluiu que existe uma profunda desigualdade racial no que toca à produção e à exposição à poluição.

“Nos Estados Unidos, a exposição a partículas de poluição é desproporcionalmente causada pelo consumo de bens e serviços principalmente pela maioria branca não-hispânica, mas é desproporcionalmente inalada pelas minorias negra e hispânica”, lê-se no estudo. Em média, a maioria branca dos EUA está exposta a uma quantidade de poluição 17% inferior àquela pela qual é responsável. Em sentido contrário, os negros estão expostos a uma quantidade de poluição 56% superior àquela que, em média, produzem. Para a minoria latina, o excesso é ainda maior: 63%.

A exposição a partículas de poluição é uma das principais causas de morte no país, sendo responsável por 3% de todos os óbitos.

“Não acredito que esta desigualdade esteja a ser tida em consideração no desenvolvimento de políticas públicas. E, mesmo quando houve força nesse sentido, veio dessas comunidades mais afetadas, que chamaram o governo dos EUA à atenção: nós vivemos ao lado de aterros, ao lado de minas, ao lado de centrais elétricas”, diz Gregory Jenkins. “As crianças afro-americanas têm as maiores taxas de asma e muitas delas vivem ao lado de autoestradas e de centrais elétricas.

“Estes tempos loucos da Covid estão a deixar isto mais evidente. Os estudos mostram que, quanto maior for a poluição a que se está exposto, maior é a probabilidade de morrer se contrair a Covid. Os afro-americanos e os hispano-americanos têm as maiores percentagens de mortalidade com a Covid. Isto é real. Viver ao pé destes lugares, em que se não se produz o lixo, mas se vive ao pé do lixo, é um problema ético no qual a maioria das pessoas nunca pensa quando compra ou consome alguma coisa”, considera Jenkins. “Para onde é que isto vai? Não vai para os bairros de quem consome, isso é certo. Vai para os bairros de pessoas que não têm voz.”

Para o meteorologista norte-americano, é aqui que se pode encontrar o paralelismo entre a justiça climática e a justiça ambiental. “Quando falamos de justiça ambiental, o desperdício é deslocado no espaço para as comunidades pobres, negras e minoritárias. Quando discutimos a justiça climática, o impacto do CO2 e de outros gases com efeito de estufa é deslocado no tempo para os nossos filhos, netos e bisnetos. O que num é espaço no outro é tempo — e em ambos é o bem-estar da comunidade local e global”, afirma o cientista.

"Quando falamos de justiça ambiental, o desperdício é deslocado no espaço para as comunidades pobres, negras e minoritárias. Quando discutimos a justiça climática, o impacto do CO2 e de outros gases com efeito de estufa é deslocado no tempo para os nossos filhos, netos e bisnetos"
Gregory Jenkins, meteorologista da Pennsylvania State University, EUA

Esta desigualdade é igualmente visível na capacidade de diferentes populações para resistir a catástrofes naturais na mesma região. “Se a sua casa for destruída pelo oceano, se tiver recursos, pode mudar-se ou reconstruir. Mas isto é uma caixa de Pandora. Se contribuir para a fusão dos glaciares na Antártida e houver um aumento do nível do mar de dois ou três metros, não há nada a fazer em relação a isso. Demora 100 mil anos a construir. Pode estar bem no muito curto prazo, mas no longo prazo a comunidade global vai sofrer profundamente”, destaca Gregory Jenkins.

Em 2005, o furacão Katrina atingiu a região metropolitana de Nova Orleães, no sul dos EUA, matando quase 2 mil pessoas, deixando milhares sem casa e expondo a profunda desigualdade na sociedade norte-americana. De acordo com um estudo do think-thank norte-americano Joint Center for Political and Economic Studies publicado em 2008, “mais de um em cada três afro-americanos a viver em Nova Orleães não tinha carro próprio antes do furacão Katrina e quase 60% das famílias negras pobres não tinham veículo”. Isto significou que milhares de afro-americanos ficaram sem possibilidade de se retirarem da região quando surgiu a ordem de evacuação obrigatória.

“Quatro das partes de Nova Orleães mais afetadas eram onde viviam populações não brancas e muito mais pobres com uma muito maior taxa de utilização dos transportes públicos”, aponta o relatório. “A evacuação obrigatória de Nova Orleães antes do Katrina chegou tarde e deixou dezenas de milhares presos, o que provocou mortes evitáveis, maior sofrimento e uma evacuação pós-tempestade substancial.

Além de estarem mais expostas à poluição atmosférica e às catástrofes naturais, as populações mais pobres e as minorias étnicas estão menos capacitadas para lidar com os fenómenos climáticos extremos que já se sentem nos dias de hoje. A socióloga do ambiente Luísa Schmidt usa o conceito de “pobreza energética” para explicar esta realidade. “As pessoas que não têm condições para arrefecer a casa no verão e para aquecer a casa no inverno estão muito mais sujeitas às ondas de calor e de frio”, diz, lembrando que a mera existência de sistemas de ar condicionado e aquecimento em casa ou jardins públicos num bairro é um luxo a que muitos não têm acesso.

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Esta lixeira na Indonésia é só um dos múltiplos exemplos de aterros sanitários junto aos quais vivem milhões de pessoas de comunidades pobres em todo o mundo

Corbis via Getty Images

Se a desertificação extrema é um problema para muitas das comunidades mais pobres de África, o oposto também representa um desafio para as minorias: as megalópoles de lata que compõem os subúrbios de muitas cidades em África, na Ásia e na América Latina são a casa de milhares de pessoas — e são as primeiras áreas a sofrer os impactos dos fenómenos mais extremos. “Os mais pobres são expostos de maneira muito mais dramática”, afirma Luísa Schmidt.

Racismo e negacionismo estão correlacionados, diz estudo

As desigualdades na forma como diferentes comunidades sentem os efeitos das alterações climáticas refletem-se em diferentes atitudes perante a ciência do clima. Segundo dados do Pew Research Center relativos aos Estados Unidos, 50% dos adultos norte-americanos acreditavam em 2014 que o planeta está a aquecer devido à atividade humana. Mas as percentagens variavam significativamente quando desagregadas por raça: 44% dos brancos inquiridos diziam acreditar nessa afirmação, em comparação com 56% dos negros e 70% dos hispano-americanos.

Em Portugal, e na Europa em geral, é mais difícil ter um retrato comparável, uma vez que é raro haver recolha de dados e inquéritos com foco no contexto étnico e na raça. Estudos recentes mostram que, genericamente, os portugueses estão preocupados com as alterações climáticas. Em 2015, um inquérito do Instituto de Ciências Sociais indicava que 99% dos portugueses estavam preocupados ou muito preocupados com o aquecimento do planeta. Três anos depois, os valores mantinham-se, com a percentagem de negacionistas a ser marginal.

Os dados do Pew Research Center também revelam uma divisão pouco surpreendente no que toca às ideologias políticas. Quando questionados sobre se acreditam que o planeta está a aquecer devido à atividade humana, 29% dos que se identificam como conservadores disseram que sim; entre os moderados, 56% concordaram; entre os liberais, foram 76% os que responderam afirmativamente.

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A seca é uma das principais ameaças ao continente africano e poderá originar um grande número de refugiados do clima nas próximas décadas

AFP via Getty Images

Mais recentemente, um estudo publicado na Environmental Politics cruzou dados do Pew Research Center com informações obtidas através dos inquéritos realizados regularmente pela American National Election Studies (ANES), que monitoriza o “ressentimento racial” entre os eleitores norte-americanos através de um conjunto de afirmações sobre raça e oportunidades de vida que os inquiridos são chamados a classificar numa escala de um a cinco. As conclusões do estudo mostram uma correlação entre o racismo e o negacionismo das alterações climáticas.

De acordo com o estudo, o fenómeno é relativamente recente e teve início durante a presidência de Barack Obama. No mandato de Obama, houve um decréscimo da percentagem de norte-americanos brancos que acreditam que as alterações climáticas são um problema grave. A hipótese colocada em cima da mesa pelo estudo é a de que não foram as ações específicas de Obama que levaram a esta realidade. O simples facto de o primeiro Presidente negro dos EUA ter colocado as alterações climáticas entre as suas prioridades políticas e ter aderido em nome do país ao Acordo de Paris correlaciona-se com a mudança de atitude de muitos norte-americanos brancos relativamente ao aquecimento global.

O autor do estudo, Salil Benegal, professor de Ciência Política da Universidade de Depauw, nos EUA, olhou particularmente para os norte-americanos brancos que se identificam politicamente com o Partido Republicano, em tese os mais conservadores do eleitorado do país — e concluiu que um republicano branco que tenha a pontuação mínima no inquérito do “ressentimento racial” tem 57% de probabilidade de discordar da gravidade das alterações climáticas, enquanto um republicano branco que tenha pontuação máxima tem uma probabilidade de 84% de discordar.

Não estou a tentar argumentar no estudo que a raça é o único componente importante ou sequer massivo para todas as atitudes ambientais”, disse o autor do estudo em declarações à revista da associação ambientalista Sierra Club. “Mas é algo significativo a que devíamos estar a prestar atenção”, acrescentou, sublinhando que “é importante perceber como a raça e o partidarismo estão relacionados em tantos assuntos”.

Para o investigador Gregory Jenkins, estas correlações podem explicar-se pela falta de justiça ambiental: quem menos se preocupa com as alterações climáticas é quem menos sofre com elas nos dias de hoje. E volta às comparações com a pandemia da Covid-19. “Sinto que neste país a maioria não sente que tem de usar máscara, sentem-se invencíveis. Mas eu sinto-me vulnerável. O mesmo com as alterações climáticas. Não posso negar a realidade. Sou um cientista, vejo as temperaturas a subir, as tempestades mais fortes, não há nada para negar. O negacionismo, perante uma realidade óbvia… não nos podemos dar ao luxo de o fazer.”

“Se eu o levar à costa do Senegal, que teve a sua área costeira inteira destruída por uma tempestade, você não vai pensar em negacionismo. Vai pensar em como é que podemos ajudar a proteger estas comunidades”, acrescenta.

"Sou um cientista, vejo as temperaturas a subir, as tempestades mais fortes, não há nada para negar. O negacionismo, perante uma realidade óbvia… não nos podemos dar ao luxo de o fazer"
Gregory Jenkins, meteorologista da Pennsylvania State University, EUA

A socióloga do ambiente Luísa Schmidt concorda. “A opinião pública está muito mais alarmada nos países mais pobres, porque estão a sofrer as consequências das alterações climáticas”, diz a investigadora. “Essas pessoas vivem em piores condições, vivem perto das indústrias e isso está diretamente relacionado.”

No mesmo sentido, uma sondagem publicada no ano passado pelo jornal norte-americano The Washington Post sobre o ativismo climático mostra que os jovens são os que mais se preocupam com as alterações climáticas. Entre os jovens, são os negros e os hispânicos que sentem maior urgência em agir em defesa do clima. De acordo com o inquérito, 37% dos jovens negros e 41% dos jovens hispânicos consideram que é preciso adotar medidas concretas nos próximos dois anos. Entre os jovens brancos, a percentagem cai para 24%.

“A juventude negra sabe que as condições nos seus bairros não são boas. A economia não é boa, o policiamento não é bom, a poluição é má. Tudo isto é mau e por isso há uma atenção maior”, diz Gregory Jenkins. “Os negros, nos EUA, sempre estiveram envolvidos no ativismo. Na abolição da escravatura, pelo direito a votar, contra a brutalidade policial, pelas comunidades, contra as alterações climáticas. Os jovens estão mais atentos do que nunca tanto aos desafios globais como aos desafios locais. Precisam é de apoio.”

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