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CARLOS BARROSO/LUSA

CARLOS BARROSO/LUSA

Podemos viver só com energia renovável? E a que preço?

Portugal é visto como exemplo nas energias verdes. A produção renovável vai continuar a crescer. Mas até onde se pode ir sem colocar em risco a segurança do abastecimento e sem agravar os custos?

O ano de 2016 foi de recordes para a energia renovável em Portugal. A produção em regime especial representou 64% do consumo de energia elétrica no continente, uma “percentagem histórica” na expressão da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN). Trocado por miúdos, as energias “verdes”, geradas a partir da água, vento, sol ou biomassa, foram suficientes para abastecer o consumo nacional durante 1.130 horas, o que vale mais de 1,5 meses.

Já no arranque do ano, a 2 de janeiro, a REN registou o valor máximo instantâneo de 4.532 MW na produção de energia eólica, um recorde. Mas o que mais deu nas vistas, e voltou a colocar Portugal como um exemplo nesta área, foram os 4,5 dias seguidos ou 107 horas em maio de 2016 quando o país só consumiu eletricidade verde. Um feito que valeu o terceiro lugar na lista do jornal britânico The Guardian para os 12 momentos mais importantes para a ciência no ano passado.

E se não fossem apenas quatro dias ou um mês e meio? E se fosse o ano todo? É possível? Quanto custará? E valerá a pena?

Estas perguntas foram o ponto de partida para um desafio colocado pelo Observador a produtores e especialistas como António Sá da Costa, presidente da APREN, mas também das duas principais empresas, a EDP e a REN (Redes Energéticas Nacionais), que têm de gerir as incertezas e contingências que a energia renovável representa no sistema.

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É possível abastecer 100% do consumo com energias renováveis?

Sim, é possível, mas não o tempo todo. Pelo menos para a maioria dos países.

Não é inédito, diz a diretora de planeamento energético da EDP, Ana Quelhas. Em Portugal já aconteceu durante mais de 100 horas e em alguns, poucos países, acontece todos os dias do ano. No norte da Europa, existem pelo menos dois países onde 100% de energias renováveis é uma realidade há bastante tempo.

A Islândia vive da geotermia, energia produzida a partir do calor na terra que tem origem na atividade vulcânica da ilha. Em Portugal esta fonte só é aproveitada nos Açores.

A Noruega é o país dos fiordes e das grandes barragens de produção hídrica, onde nunca falta a água. O país não só abastece o seu consumo, como é um grande exportador de eletricidade. Haverá outros casos, sobretudo ilhas, ou países de menor dimensão, onde esse cenário também é viável.

"Posso saber quando é que o sol vai nascer no dia 14 de maio de 2027, mas não sei se nesse dia as nuvens vão tapar o céu."
Presidente da APREN, António Sá da Costa

Mas há renováveis e renováveis e o que faz a diferença entre Portugal e um país como a Noruega, explica Ana Quelhas, é a capacidade de armazenamento — que é muito elevada nas albufeiras e inexistente em recursos como o sol e o vento. É essa capacidade de gerir o recurso renovável que permite à Noruega ter um sistema elétrico totalmente verde. E a flexibilidade necessária só pode ser assegurada se existir armazenamento.

Portugal também é um país de barragens e tem vindo a reforçar a capacidade das suas centrais hídricas. Mas a enorme capacidade de armazenamento norueguesa não existe nas barragens de fio de água do Douro, nem nas albufeiras nacionais, que são muito mais vulneráveis a fatores climatéricos — a chuva é incerta e o clima mais quente. As grandes barragens têm sido, em regra, a maior fonte de geração renovável em Portugal, mas basta um ano seco, como os de 2004 e 2012, para “afundar” a produção hídrica e arrastar consigo a quota das renováveis nacionais.

Por outro lado, a expansão das renováveis em Portugal tem sido feita, sobretudo, a partir das eólicas. E nós “não gerimos o vento, nem o sol”, realça Ana Quelhas.

Mais do que imprevisível, a energia renovável é incontrolável, sublinha António Sá da Costa.

“Posso saber quando é que o sol vai nascer no dia 14 de maio de 2027, mas não sei se nesse dia as nuvens vão tapar o céu.” De acordo com António Sá da Costa, só há três formas de armazenar a energia (a eletricidade não é armazenável):

  • Albufeiras
  • Química (baterias)
  • Depósitos de combustível

Nas albufeiras, a nossa capacidade é limitada. As baterias de grande escala, como as que seriam necessárias para este propósito, ainda são uma tecnologia muito cara. A EDP tem um projeto piloto que está a ser testado em Évora, mas Ana Quelhas admite que só será uma tecnologia competitiva daqui a 20 anos.

Como armazenar a energia nas redes

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Em 2015, a EDP, em parceria com a Siemens, lançou um projeto piloto para armazenar energia elétrica na rede que serve a Universidade de Évora. Esta solução utiliza baterias estacionárias de iões de lítio com uma potência de 472 kW e uma capacidade de armazenamento de 360 kWh.

O sistema, que permite alimentar o campus da Mitra da Universidade de Évora, é uma prova de conceito e montra tecnológica e enquadra-se no desenvolvimento das redes inteligentes. O projeto, inovador a nível nacional e europeu, visa promover a eficiência energética (redução de perdas), a automatização da gestão das redes, de forma a melhorar a qualidade de serviço. Pretende-se ainda reforçar a flexibilidade na integração de recursos distribuídos de geração e promover as energias limpas.

 

Sobra o combustível fóssil. Um sistema elétrico “muito verde” não dispensa as centrais térmicas, antes pelo contrário. “Por mais renovável que se seja, tenho de ter sempre um backup“, ou seja, um plano de contingência, diz Sá da Costa. E isso passa pelas interligações, mas também e sobretudo pelas centrais que usam combustível fóssil e que se podem ligar ou desligar para responder à procura e estabilizar o sistema.

“E como as renováveis são incontroláveis, ainda que previsíveis, quanto mais força têm no sistema mais capacidade de backup é necessário. E esse backup, que garante a margem de segurança ao sistema, tem de ser pago”, diz o presidente da APREN.

Para ter uma produção totalmente renovável, não só teria de haver mais capacidade verde, mas também teríamos de manter as centrais a gás, como rede de segurança, para funcionar apenas e quando forem necessárias, e isso iria ter mais custos para o sistema que teriam de ser pagos pelos consumidores.

alberto frias/LUSA

Nem um defensor das renováveis defende um sistema totalmente verde. Sá da Costa acredita que essa meta será alcançável para Portugal em 2040, mas sempre mantendo um parque de capacidade térmica. Para o presidente da APREN, as centrais de reserva devem ser a gás natural, um combustível menos poluente que o carvão — o campeão na produção de CO2. As unidades de ciclo combinado são mais rápidas a arrancar — três horas contra cinco horas.

Já a diretora da EDP defende a continuidade do carvão, em particular da central de Sines, a unidade de maior capacidade em Portugal e que é também, realça, a mais eficiente a nível ibérico. Não só o carvão é mais barato, como é “mais democrático” — há muitos fornecedores, sublinha Ana Quelhas. A oferta de gás está concentrada em geografias de alto risco político — o gás consumido em Portugal vem da Argélia e da Nigéria.

Por outro lado, desligar Sines, central operada pela EDP, não significa necessariamente menos CO2, argumenta. Pode até ter um resultado contraproducente. Com o mercado integrado a nível ibérico, se a oferta de Sines desaparecer antes de entraram as centrais portuguesas a gás, entram as centrais a carvão espanholas. Como são menos eficientes do que Sines, teriam de emitir mais para produzir o mesmo.

As redes que seguram o sistema

Outra forma de gerir o risco é diversificar as fontes, ainda que renováveis. Mas até isso pode não ser suficiente. Sá da Costa ilustra esta ideia com o caso da Alemanha, onde está a decorrer um grande debate sobre as renováveis. O sistema alemão tem uma grande percentagem de energia verde, com destaque para o solar, que no ano passado contribuiu com mais de 30% para o consumo. Mas num inverno sem sol, nem água (há neve), muita desta capacidade está parada. Por outro lado, até as centrais térmicas, que em tese se podem ligar e desligar, são em regra mais vulneráveis a acidentes e roturas imprevisíveis.

Getty Images

A probabilidade de uma combinação de fatores que neutralizem em simultâneo várias formas de produção pode ser rara, mas o sistema tem de estar preparado para esses fenómenos que podem ser ampliados por uma maior percentagem de renováveis. E uma boa rede de interligações é apontada por todos os especialistas ouvidos pelo Observador como fundamental à segurança de abastecimento num sistema elétrico muito verde.

As interligações são linhas de transporte de energia que, no caso de Portugal, nos ligam ao sistema espanhol. No nosso caso, estas linhas têm capacidade para abastecer até mais 10% da procura nacional em hora de ponta (nível mais alto de consumo num dia).

As redes têm sido preparadas para uma integração progressiva de fontes renováveis de eletricidade. Nos anos 60 foram as grandes barragens e a partir dos anos 90 foram as eólicas. Agora estamos no ciclo do solar. Fonte da REN (Redes Energéticas Nacionais) diz ao Observador que o peso das renováveis no consumo de eletricidade é já dos mais elevados da Europa. Mas apesar dos sucessivos recordes que têm sido alcançados, considera que não há vantagem em ter 100% de energia renovável se essa percentagem não funcionar economicamente.

A possibilidade técnica existe, mas é preciso avaliar o impacto económico. Ser mais ambicioso custa mais.

E para isso não só é necessário um backup térmico, mas também uma capacidade de rede para responder aos picos de procura. Esta é a variável crítica quando comparamos as necessidades de investimento em infraestrutura de transporte e de energia, como ilustra fonte da REN.

“Quando se constrói uma autoestrada, faz-se as contas ao tráfego médio esperado. Não se fazem cinco faixas para escoar um engarrafamento que aconteça na véspera do Natal. Um congestionamento na estrada é uma chatice para os condutores. Um congestionamento numa rede elétrica pode mandar o sistema abaixo e ser uma calamidade pública.”

"Quando se constrói uma autoestrada, fazem-se as contas ao tráfego médio esperado. Não se fazem cinco faixas para escolar um engarrafamento que aconteça na véspera do Natal. Um congestionamento na estrada é uma chatice para os condutores. Um congestionamento numa rede elétrica pode mandar o sistema abaixo e ser uma calamidade pública."
Fonte da REN (Redes Energéticas Nacionais)

O alerta tem como pano de fundo as reservas colocadas pelo regulador aos planos de investimento em rede de gás e eletricidade apresentados pela REN em anos recentes. A Entidade Reguladora dos Serviços do Setor Energético (ERSE) considerou que eram excessivos, face à evolução esperada do consumo, e alertou para o impacto que teriam nos custos da energia.

Polémicas à parte, ter uma rede robusta é essencial para escoar a produção renovável que, ao contrário das grandes centrais e barragens, é mais dispersa e coloca maiores desafios para quem gere o sistema. A REN nunca recusou, até agora, a entrada de renováveis na rede por excesso de geração.

A possibilidade de importar faz parte da margem de segurança do sistema, mas também introduz maior racionalidade económica. Se for mais barato importar, porquê dar ordem de arranque a uma central nacional? A interligação tem permitido atenuar, também, o diferencial de custos de energia entre Portugal e Espanha.

E não é muito caro?

Depois de estarem na moda, sobretudo por via das políticas de promoção, voluntaristas, para muitos, adotadas nos dois governos de José Sócrates, o discurso político e mediático virou-se contra as renováveis. O principal argumento foi o custo. As renováveis custam mais e têm de ser subsidiadas através dos preços finais pagos pelos consumidores.

O sobrecusto com a energia renovável, sobretudo eólica, é uma das parcelas dos custos de interesse económico geral, que vão ao preço pago por todos os clientes. Este sobrecusto suporta a diferença entre o preço de mercado e o nível de remuneração contratado com o produtor renovável. Quanto mais renováveis no sistema, maior a fatura nas tarifas. Esta fatura, que inclui também a cogeração industrial, tem crescido todos os anos, apesar de as tecnologias verdes estarem hoje mais maduras, logo mais baratas e competitivas.

Os encargos sobem, não são só porque a produção renovável ganha espaço, mas também porque uma parte do sobrecusto do passado, resultante dos primeiros contratos feitos quando as tecnologias eram caras, não foi pago logo. Para evitar fortes subidas da eletricidade, esse custo foi suavizado ao longo no tempo, dando origem ao défice tarifário, o que faz com que os encargos gerados pelas renováveis pesem ainda mais nas tarifas finais, porque é preciso pagar os juros do défice.

É um retrato pouco simpático para as renováveis, que enfrentam críticas também em outros países “verdes”, como a Alemanha ou a Espanha, onde são responsabilizadas por uma energia mais cara.

Mas há contas quem apontam noutra direção. Quando analisamos os custos totais de uma tecnologia pelos olhos do produtor contamos o investimento, que são os custos fixos; o os custos variáveis que só aparecem quando se está a produzir; os custos de operação, o combustível e o custo do CO2 (dióxido de carbono) no caso das centrais térmicas.

Nesta abordagem, diz Ana Quelhas, da EDP, as tecnologias de produção mais baratas e eficientes são as renováveis. Primeiro, o vento, depois o sol (e depois o nuclear que, no entanto, já não é renovável). Estas centrais só têm custos fixos, que correspondem ao investimento na sua instalação que já foi assumido pelo produtor. Para produzir energia, não têm de suportar custos variáveis, porque não usam combustível. Logo, sempre que vendem à rede estão a ganhar em relação a um cenário em que estão paradas. E, por isso, estes produtores estão disponíveis para vender a preços mais baixos, no limite quase a zero.

NUNO VEIGA/LUSA

As renováveis são, assim, a primeira oferta a entrar na rede. É a partir desta primeira oferta que se começam a definir os preços que vão subindo à medida que são necessárias outras formas de geração para responder à procura. Aqui começam a arrancar as centrais com custos variáveis, que só vale a pena pôr a produzir quando a curva dos preços sobe.

Do ponto de vista dos preços grossistas, que são praticados entre as elétricas, quanto maior for a oferta renovável, mais baixos ficam os preços, refere a responsável da EDP. Este é o raciocínio que nos ajuda a perceber porque é que a entrada de mais renováveis no sistema permite baixar os preços. Mas isto acontece apenas no mercado grossista onde estão os produtores e os comercializadores, e levanta um problema que tem de ser resolvido no fim da linha, neste caso no preço final.

Um preço de entrada baixo, próximo de zero, não é suficiente para remunerar o custo fixos das renováveis. E se recebessem apenas o preço de mercado, estas centrais nunca teriam sido construídas.

É por isso que existe um sobrecusto associado a estas unidades — e estamos, sobretudo, a falar de eólicas — que tem de ser compensado através das tarifas de eletricidade. É uma compensação paga às renováveis que cobre a diferença entre o preço de mercado, demasiado baixo, e a margem necessária para remunerar o investimento. Em Portugal, este sobrecusto resulta, sobretudo, dos primeiros contratos de desenvolvimento de capacidade eólica, os projetos mais recentes já são mais competitivos e uma avaliação europeia até coloca o sistema português numa boa posição relativa quanto à fatura extra das renováveis.

Se é verdade que quanto maior é a oferta renovável em mercado, mais os preços grossistas baixam, o reverso também sucede, porque há mais sobrecustos a passarem para as tarifas. E é isso que tem estado a acontecer em Portugal. O sobrecusto das renováveis tem subido muito, não só porque a oferta aumentou, mas também porque essa oferta fez baixar os preços de mercado. Por um lado, fazem baixar os preços, mas por outro custam mais às tarifas finais. Afinal, o consumidor ganha ou perde?

Para responder à pergunta é preciso comparar dois cálculos. As renováveis fizeram baixar o preço de mercado em quanto? E quanto receberam a título de sobrecusto através das tarifas de eletricidade?

A diretora de planeamento energético da EDP fez as contas para o ano de 2014, tendo por base os preços do mercado ibérico diário, e concluiu que o impacto das eólicas no custo grossista em Portugal representa um benefício líquido de 308 milhões de euros. O mesmo exercício feito para 2015 continua a dar um ganho, embora menor porque foi um ano mais seco, com menos renováveis (neste caso hídricas), o que fez subir os preços grossistas.

Se o desconto nos preços grossistas é maior do que o sobrecusto o sistema está a ganhar.

Então porque é o consumidor não sente essa poupança? Em parte, porque a fatura elétrica atual está carregada com os custos passados que foram travados por decisão política e atirados para o futuro. Uma fatia importante do défice tarifário é o resultado do sobrecusto com a produção renovável que não foi pago no imediato, porque o sistema teve de enfrentar na década passada choques no preço provocados pela escalada do petróleo e por secas.

É por causa desta pesada herança, que em Portugal só começou a diminuir no ano passado, que os governos estão empenhados em cortar as famosas rendas da eletricidade.

Mas há cortes e cortes. E alguns estão a pôr em causa o atual modelo de mercado, que pode ter os dias contados, admite Ana Quelhas. Por um lado, a Comissão Europeia não quer mais tarifas subsidiadas para a produção renovável, por outro lado, o mercado não está a remunerar as centrais térmicas, que são o backup fundamental para a produção renovável.

Em Portugal, a ordem é para cortar na garantia de potência, um subsídio dado às grandes centrais térmicas e hídricas, através das tarifas da eletricidade. E estas unidades não conseguem a remuneração apenas com o mercado, até porque em anos “normais” estão quase sempre paradas e há já pedidos para desligar (descomissionar) centrais a gás. Este cenário não tem impedido as elétricas de apresentar lucros, mas é um forte travão a novos investimentos.

Uma alternativa a desligar é manter uma central adormecida (em banho-maria) durante alguns meses ou até um ano (mothball) — em vez de estar sempre pronta a produzir, ou seja, nunca totalmente desligada. Estas unidades podem ser reativadas num prazo de um a dois meses em caso de necessidade, mas é uma capacidade que demora a ativar e não está isenta de custos económicos.

A produção renovável exige flexibilidade, mas o mercado não paga essa flexibilidade. O sistema tem de ser repensado como um todo, sobretudo se a evolução for no sentido da descarbonização total, onde só há custos fixos. Ninguém vai investir se não existirem salvaguardas de estabilidade e previsibilidade nos preços. Os novos investimentos em geração poderão ser decididos em regime de leilão — a concorrência é feita no momento da obtenção de licença — mas voltaremos a ter preços e remunerações garantidas por contrato, como aconteceu no Reino Unido quando quis construir uma central nuclear.

Mais renováveis. Sol, sol, sol

Em Portugal, esse cenário não se coloca no imediato. O sistema português tem capacidade e flexibilidade para absorver o crescimento previsto das renováveis até 2030, admite Ana Quelhas.

Para a diretora de planeamento de energia da EDP, não há dúvidas de que o recurso com mais potencial a explorar é o sol. Portugal atrasou-se na energia solar, mas isso acabou por ser positivo, porque a tecnologia era muito cara. Países como a Alemanha e a Espanha, que apostaram logo muito no solar, estão agora a debater-se com os encargos elevados dessa aposta.

O solar ficou mais barato — e um sinal disso é o número crescente de projetos que está a aparecer, com a promessa de vender energia ao preço de mercado.

O governo anunciou este ano um pacote de investimentos potenciais de 800 milhões de euros em projetos de energia renovável. E o fotovoltaico representa cerca de metade da capacidade instalada prevista nestes projetos, com quase 400 megawatts (MW). Mas há tenha dúvidas sobre o seu arranque, porque o preço do mercado apenas, como já vimos, não assegura a remuneração destes investimentos.

No horizonte de 2030, a meta assumida por Portugal a nível internacional é de 40% de renováveis na energia primária, que inclui todas as formas de energia.

Para atingir essa meta, 80% da eletricidade teria de ser gerada a partir de fontes renováveis, ilustra Sá da Costa. Há políticos a perguntar se não se pode ir aos 100% na eletricidade e ao mesmo tempo querem cortar as garantias de remuneração das centrais convencionais e a compensação tarifária às renováveis. Mas capacidade não é o mesmo que produção, sobretudo quando estamos a falar de renováveis.

“Se instalarmos um parque solar em toda extensão do concelho de Almodôvar, a eletricidade produzida num ano até pode ser igual ao consumo, mas a distribuição ao longo do tempo não é homogénea. Haverá períodos em que a produção não chega para o consumo e haverá outros em que até poderá ultrapassar as necessidades”.

"Se instalarmos um parque solar em toda extensão do concelho de Almodôvar, a eletricidade produzida num ano até pode ser igual ao consumo, mas a distribuição ao longo do tempo não é homogénea. Haverá períodos em que a produção não chega para o consumo e haverá outros em que até poderá ultrapassar as necessidades".
António Sá da Costa, presidente da APREN

Chegamos sempre à mesma conclusão: Para ter uma produção totalmente renovável, temos de manter capacidade térmica como backup preparada para funcionar apenas e quando for necessário. E isso tem custos. Daí que Sá da Costa defenda também a necessidade de manter um mecanismos de garantia de potência para as centrais térmicas, que são o seguro do sistema.

E os consumidores podem entrar no jogo?

A flexibilidade do sistema elétrico tem sido gerida sobretudo a partir da produção e das interligações. E a procura? A partir do momento em que a eletricidade chega à rede é toda a igual — os eletrões não têm cor, não são verdes.

Uma gestão ativa do consumo pode ser feita com incentivos nas políticas comerciais. Algumas elétricas têm ofertas verdes, a partir da garantia de que quando vão comprar energia escolhem uma percentagem mínima de fontes renováveis. Outra forma de estimular um determinado padrão de procura é através do preço, que pode variar em função da intensidade do consumo face à oferta disponível.

No caso das empresas, já existe um mecanismo desse tipo: é a interruptibilidade. Um palavrão que significa a possibilidade de cortar a energia a grandes clientes quando o sistema precisa, evitando, por exemplo, ligar uma central. As empresas que beneficiam deste regime têm direito a descontos na sua fatura, que têm estado a receber, apesar do serviço não ter sido acionado pela REN. Mas isso é uma outra história.

As redes também são inteligentes

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E se recebesse um SMS da sua elétrica a avisá-lo de qual seria a hora mais económica para ligar a máquina de lavar roupa? Este é um exemplo do que podem fazer as redes inteligentes.

Em casa, os contadores tradicionais são substituídos por terminais inteligentes, que facilitam a comunicação bidirecional entre consumidores e a elétrica, permitindo também leituras à distância. A distribuição de energia é gerida com recurso a controladores distribuídos ao longo da rede, o que permite aumentar a qualidade e fiabilidade no fornecimento. O tráfego da energia é encaminhado em função dos fluxos de consumo e produção, de modo a procurar o melhor equilíbrio em cada momento. Os sensores inteligentes asseguraram ainda de forma automatizada a deteção e resolução de avarias.

A EDP lançou em 2010 o projecto InovGrid, em Évora, onde foram instaladas as primeiras 30 000 EDP Boxes (contadores inteligentes). Estudos permitiram concluir que os clientes obtiveram ganhos de eficiência energética de cerca de 4 % face aos consumos anteriores.

O projeto foi alargado e a EDP Distribuição está a instalar as EDP Box à medida que renova os contadores, que deverão chegar a um milhão de casas até ao final do ano. Em Portugal, há cerca de seis milhões de consumidores de eletricidade.

A generalização de uma política de preços proativa junto dos consumidores domésticos exige redes inteligentes que permitem a bidirecionalidade numa relação que é tradicionalmente feita num só sentido, da elétrica para o cliente. Para isso, precisamos de contadores inteligentes que permitam ao consumidor final controlar o seu consumo e ajustá-lo, a incentivos do lado do preço. E estes equipamentos são caros e ainda não chegam à maioria dos clientes.

O crescimento da mobilidade elétrica chegou a ser apontado no passado recente como um instrumento que poderia alterar o padrão do consumo, introduzindo alguma bidirecionalidade. Isto porque as baterias são um forma de armazenar energia, a única do lado da procura, que poderia em tese ser devolvida à rede quando não estivesse a ser usada, por um preço.

Mas o futuro brilhante anunciado por alguns para o carro elétrico tarda em chegar. Reduzida autonomia, rede pública escassa de abastecimento rápida, ou preços demasiado altos dos automóveis mais autónomos, são problemas ainda por resolver. Apesar da aparente boa vontade dos políticos.

O presidente da APREN é cético quanto à expansão dos carros elétricos particulares. Para António Sá da Costa, o futuro da mobilidade vai passar pela contratação de serviços de transporte, uma combinação de Uber com carros sem condutor e mobilidade elétrica. “As pessoas da nossa geração tem um sentimento de posse em relação ao carro, mas as novas gerações não. Para os jovens, é normal não ter carro. Vamos deixar de ter carro e vamos partilhar os que existem, contratando serviços através dos nossos telemóveis”.

Esta evolução vai reduzir de forma significativa a frota automóvel nas nossas cidades. E os carros existentes vão estar sempre a circular, logo não podem acumular energia nas baterias para fornecer à rede. E este “admirável mundo novo” vai acontecer mais depressa do que se imagina, avisa.

Corrigido com a indicação de que o nuclear não é energia renovável.

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