As sanções contra a Rússia, comunicadas na quinta-feira pela Europa (depois dos EUA), não serão suficientes para fazer Vladimir Putin recuar na sua investida sobre a Ucrânia – até porque já estariam nos cálculos prévios do Presidente russo. Na manhã desta sexta-feira, com as tropas russas a entrar em Kiev, o presidente do Conselho Europeu Charles Michel pareceu reconhecer essa insuficiência quando escreveu no Twitter que um novo pacote de medidas – mais um – estava “em preparação urgente“, isto quando ainda estava fresca a tinta do comunicado com as medidas da véspera.

Porém, defendem os economistas ouvidos pelo Observador, as sanções já anunciadas não são coisa-pouca – a economia russa vai ressentir-se, mesmo que só mais a prazo. Jeffrey Schott, senior fellow do Peterson Institute for International Economics e especialista em comércio internacional e sanções económicas, defende que “é muito difícil dizer o que mais podia ser feito, nesta fase, sem correr mais riscos de danos colaterais que perturbem os próprios países que estão a impor as sanções”.

Entre sanções financeiras e limites às exportações, “as medidas que estamos a ver serão debilitantes e configuram, basicamente, uma demarcação da Rússia em relação à economia mundial – uma demarcação, ainda assim, parcial porque protege, até certo ponto, o setor energético e o setor agro-alimentar”, defende Jeffrey Schott. “Claramente os EUA e a União Europeia, que colaboraram de forma estreita na preparação destas sanções, quiseram evitar disrupções no mercado energético num contexto em que esse mercado já tem vivido meses de desequilíbrio”, acrescenta.

Entusiasmado pela recente crise energética mundial, que fez subir os preços da energia (e a inflação), Vladimir Putin terá decidido avançar para a Ucrânia tendo memória da experiência que se seguiu à anexação da Crimeia, em 2014. Logo aí, a Rússia foi alvo de sanções internacionais – muito mais leves do que estas – mas “Putin viu como a economia se aguentou relativamente bem. Aliás, mesmo com essas sanções conseguiu constituir uma ‘almofada’ que lhe terá dado alguma confiança de que conseguiria aguentar a próxima crise”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

É essa “almofada” que faz com que a Rússia seja, neste momento, “um país relativamente difícil de sancionar“, nas palavras de Tom Wilson, analista da gestora de investimentos Schroders. E é “difícil de sancionar” porque a Rússia não está dependente de capital externo, já que tem uma posição de excedente líquido na conta corrente – ou seja, na prática, é um credor do resto do mundo (e não um devedor) – e normalmente faz uma gestão disciplinada das contas do Estado e da dívida pública (que é relativamente baixa).

Além disso, a Rússia é um importante exportador de petróleo, gás, metais industriais, metais preciosos, fertilizantes e commodities leves como os cereais – o que faz com que “sanções aplicadas à Rússia que impactem o comércio externo poderão resultar em preços mais elevados nas matérias-primas, o que tem efeitos estagflacionários [isto é, simultaneamente causando inflação e estagnação económica]”. “Isto aplica-se, especialmente, à Europa, tendo em conta a sua dependência do gás russo“, afirma o analista da Schroders.

Os 6 choques que o conflito na Ucrânia vai causar nas economias

Com estas novas sanções, as empresas russas e o Estado russo deixam de poder emitir dívida, ou seja, financiar-se, nos mercados de capitais europeus (e norte-americanos). Porém, o impacto disso não será grande e, sobretudo, não será imediato – também porque a economia russa, em termos agregados, não é dependente de financiamento estrangeiro, conseguindo habitualmente superávites da conta-corrente entre 4% e 6% do PIB.

“Sendo uma economia de mercado, essas sanções acabarão por ter um impacto porque, mesmo com esse excedente em termos agregados, algumas empresas que necessitam de financiamento não conseguem rapidamente substituir esse financiamento por fontes internas de capital”, assinala o Commerzbank, em nota de análise sobre as novas sanções.

Porém, nota o banco alemão, “a economia russa não é uma economia de mercado como as do Ocidente: o Estado russo tem capacidade para ajudar a redirecionar fluxos financeiros para empresas que anteriormente dependiam de capital externo”, pelo que “o bloqueio do acesso aos mercados de capitais não será um grande problema para a economia russa“.

Bancos russos na “lista negra” mas bloqueio não foi total

Outra importante sanção decidida pelo Ocidente é a colocação dos maiores bancos russos numa “lista negra”, o que na prática significa que ficam congelados os seus ativos na União Europeia e nos EUA e os bancos ficam total ou parcialmente impedidos de transacionar em dólares, euros, libras esterlinas e ienes japoneses. “Isto vai fazer com que seja muito mais difícil para eles participar em negócios transfronteiriços“, afirma o Commerzbank.

Por outro lado, mesmo não tendo sido bloqueados todos os bancos russos (apenas os maiores), “o risco de que mais bancos possam ser alvo de sanções pode ser suficiente para minimizar o investimento ocidental na Rússia e a exposição aos bancos russos”, acrescenta o banco alemão.

Embora os maiores bancos nacionais digam que têm pouca ou nenhuma exposição à Rússia, segundo dados do BIS, o sistema financeiro português tem na Rússia créditos que lhe são devidos (ou outras exposições) no equivalente a 149 milhões de dólares (ou 132 milhões de euros). A nível global, essa exposição à Rússia totaliza 121,5 mil milhões de dólares, segundo os mesmos dados.

Banca nacional tem 132 milhões de euros na Rússia

Ainda assim, pelo menos para já, as sanções que foram anunciadas não proíbem, em princípio, que se faça negócios com a Rússia – continua a ser possível transferir dinheiro para o país para, por exemplo, pagar entregas de matérias-primas ou gás natural. Na leitura do Commerzbank, essa “terá sido uma das formas que o Ocidente teve de limitar o impacto das sanções ao nível do fornecimento energético à Europa“.

Um passo que ainda não foi dado foi o bloqueio do acesso russo ao sistema internacional de pagamentos SWIFT, embora esta sexta-feira vários responsáveis tenham admitido estar abertos a essa possibilidade – incluindo os ministros das Finanças da Alemanha e de França. O ministro português João Leão afirmou que retirar a Rússia do SWIFT seria “uma medida muito forte, quase nuclear” e admitiu que se venha a pedir ao BCE que analise as consequências de tal medida, para o caso de ela vir a ser tomada.

A sanção “nuclear”. O que é o SWIFT e que consequências teria um bloqueio à Rússia?

A forma como (há muito) a Rússia preparou a economia para a invasão

A Rússia passou os últimos anos, desde a anexação da Crimeia, a constituir a tal “almofada” financeira – e, nesse contexto, deram uma grande ajuda as receitas obtidas com a venda do petróleo e gás natural a preços mais elevados. É por isso que, embora reconheça esse “risco”, Jeffrey Schott duvida que a Rússia venha a avançar com contra-sanções significativas – “Putin precisa daquele dinheiro, precisa, mais do que nunca, de continuar a vender petróleo e gás natural a preços inflacionados“.

Os preços do petróleo recuperaram dos mínimos atingidos no início da pandemia e deram impulso à economia russa. Fonte: Trading Economics

Até agora, porém, muitas das políticas económicas levadas a cabo na Rússia podem ser vistas como uma (longa) preparação até ao momento atual. O Goldman Sachs afirma, numa nota de análise recente, que perante as sanções lançadas após a anexação da Crimeia, a “economia russa acabou por se tornar mais resiliente” e mais auto-sustentável numa situação em que o acesso a dólares fica mais limitado.

O banco central russo tem reservas de moeda internacional e ouro que se estima ascenderem a 630 mil milhões de dólares em reservas de moeda internacional – uma pequena parte das quais terão sido utilizadas, agora, para conter a forte desvalorização do rublo.

Nos últimos anos, o Estado russo afastou-se cada vez mais da utilização do dólar – até o seu maior fundo soberano (alimentado com receitas petrolíferas) deixou de investir em ativos denominados em dólares. Também nos negócios, conta o Goldman Sachs, tornou-se comum as empresas incluírem cláusulas nos contratos a estipular que pode ser utilizada outra divisa em alternativa ao dólar norte-americano.

Apesar de toda esta preparação, o Commerzbank antecipa que as sanções agora anunciadas irão “penalizar o crescimento económico da Rússia no longo prazo”, levando a que seja provável que o país entre num “doloroso período de crescimento abaixo do potencial“.

Mas, como diz o Goldman Sachs, sanções como as que foram anunciadas “não serão um fator dissuasor para alguém como Putin, que está tão empenhado em atingir objetivos maximalistas que os custos económicos não entram no seu calculismo de forma significativa”.

“Nesta fase, aplicam-se sanções apenas para tentar agravar os custos do conflito para o país, para sinalizar ao povo russo que Putin está a levar o seu país na direção errada e, por outro lado, para tentar evitar que a Rússia consiga participar em atividades desestabilizadoras, à escala internacional”, acrescenta o banco de investimento.

Para conseguir fazer mais do que isso – isto é, aplicar sanções muito mais duras – “isso significaria que o Ocidente também teria de estar disponível para aceitar custos muito mais elevados“.