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Portugal heat wave heightens risk of wildfires
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Com as temperaturas a atingirem recordes nos próximos dias, a recomendação é para que se evite a exposição ao sol entre as 11 e as 17 horas

Pedro Fiúza/NurPhoto via Getty Images

Com as temperaturas a atingirem recordes nos próximos dias, a recomendação é para que se evite a exposição ao sol entre as 11 e as 17 horas

Pedro Fiúza/NurPhoto via Getty Images

Porque podem ser tão quentes e perigosos os próximos dias? Solo extremamente seco, ventos de Espanha e uma depressão no Atlântico

As temperaturas vão piorar e a culpa é da seca, dos ventos de África e do anticiclone dos Açores. O aquecimento global tem também responsabilidade. Mas a previsão é que as ondas de calor se agravem.

Se sente que já não aguenta mais este calor, prepare-se porque terá, pelo menos, mais três dias de temperaturas ainda mais tórridas — acima dos 40 graus Celsius em quase todo o país, com máximas a poderem chegar aos 46/47 ºC no distrito de Évora, Santarém ou Portalegre. As temperaturas muito altas, de dia e de noite, a seca extrema e os níveis de humidade muito baixos, juntamente com os ventos fortes, criam condições para termos uma época de incêndios que poderá ser pior do que o trágico ano de 2017 e mesmo inédita, como explicou Carlos da Câmara ao Observador. Há ainda vários fatores meteorológicos — e não só — que explicam o perigo do tempo quente que vai afetar Portugal a partir desta terça-feira.

Risco de incêndio é maior do que em 2017. Os gráficos que mostram a situação “explosiva” em que Portugal se encontra

Um anticiclone dos Açores que se estende por uma área nunca antes vista, como consequência do aquecimento global por ação do homem, as massas de ar vindas de África, a falta de correntes de origem marítima e até um solo com muito baixo conteúdo de água justificam estas temperaturas extremamente altas. E a má notícia é que daqui para o futuro elas serão cada vez mais frequentes, o que torna imperativo tentar travar a emissão de gases com efeito de estufa para mitigar os efeitos das alterações climáticas, alerta Pedro Matos Soares, investigador no Instituto Dom Luiz (IDL) da Universidade de Lisboa.

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O especialista em modelação climática alerta que, no final do século, em vez das duas a três ondas de calor que enfrentamos anualmente, podemos estar a viver mais de 10 no pior dos cenários — ou seja, se não fizermos nada para contrariar o aquecimento global. “Mas podemos fazer muita coisa”, diz ao Observador num tom de esperança. “É tão diferente fazer alguma coisa do que não fazer nada.” E ilustra: se fizermos alguma coisa para minimizarmos as emissões de gases com efeito de estufa, teremos seis a sete ondas de calor por ano, mas se cumprirmos as resoluções do Acordo de Paris podemos manter as duas a três ondas que vemos anualmente, segundo os modelos de previsão criados pela equipa que Pedro Matos Soares lidera.

Como serão as ondas de calor no futuro?

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De acordo com os dados do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), entre 1971 e 2000, assistimos a uma a duas ondas de calor por ano e a previsão é de duas a três entre 2011 e 2040.

Os cenários para meados do século (entre 2040 e 2070) e para final do século XXI podem ser “assustadores”, diz Pedro Matos Soares. “Agora estamos entre o cenário intermédio [ponto 2] e o mais gravoso [ponto 3].”

  1. Se cumprirmos as metas do Acordo de Paris: prevê-se 3-4 ondas de calor em meados do século e 2-3 no final — ou seja, é possível reverter a situação.
  2. Se tomarmos algumas medidas para reduzir o efeito das alterações climáticas: podemos ter 5-6 ondas de calor em meados do século e 6-7 no final do século.
  3. Se continuarmos a emitir gases como agora: em meados do século podemos chegar às 7-8 ondas de calor no interior e mais de 10 no final do século.

Pedro Matos Soares, Instituto Dom Luiz da Universidade de Lisboa

“Extremos de temperatura não são ondas de calor”, clarifica o investigador. “Pela definição técnica, uma onda de calor implica que durante cinco dias consecutivos, pelo menos, tenhamos a temperatura máxima acima do percentil 90% das temperaturas máximas.” Ou seja, durante cinco dias ou mais, as temperaturas têm de estar tão ou mais altas do que 10% das temperaturas mais elevadas registadas.

Nos últimos dias, foram as massas de ar vindas do interior da Península Ibérica um dos principais fatores para as temperaturas elevadas que sentimos. Mas a partir desta terça-feira (e durante vários dias, que ainda é impossível definir, talvez o calor diminua a partir do fim de semana) serão os ventos de sudeste-sul (do norte de África) que vão tornar-se, gradualmente, o fator predominante, explica Nuno Lopes, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) ao Observador. Só a partir de dia 18 de julho, na próxima segunda-feira, poderemos começar a ter alguma entrada de ar fresco vindo do mar. Mas, alerta Nuno Lopes, estas previsões são muito mais difíceis de fazer.

É verão e é normal estar calor, mas este calor não é normal. 42ºC em Lisboa, 45 a 47ºC no interior

1 Como chegámos aqui?

As notícias de barragens no limiar da capacidade mínima e localidades com racionamento de água têm-se multiplicado nas últimas semanas. A pouca chuva no outono e no inverno, com uma primavera demasiado quente — tivemos o mês de maio quente de que há registo —, explicam porque temos quase todo o país em seca severa ou extrema.

Falta água nas torneiras, mas também nos terrenos, com uma percentagem estimada de apenas 20% de água no conteúdo total do solo. Quando os solos têm mais humidade, a energia que incide à superfície (como a radiação solar) pode provocar a evaporação da água, refrescando-os, mas sem água para libertar, a radiação faz com que os solos aqueçam cada vez mais, explica Pedro Matos Soares. Ao calor junta-se mais calor e criam-se condições propícias a grandes incêndios.

O calor ao nível dos solos é tanto que, se chover, como pode acontecer esta terça-feira — estão presvistas trovoadas — a chuva se evaporará antes de atingir a terra.

Quase todo o território em seca severa em maio, o mais quente desde 1931

2 O que se passa com o anticiclone dos Açores?

O anticiclone dos Açores é um sistema de altas pressões atmosféricas associado ao bom tempo. Mas, neste caso, o anticiclone dos Açores, que gira no sentido dos ponteiros do relógio e “empurra o ar” para baixo, arrasta as massas de ar quente de leste, do interior da Península Ibérica, justificando as temperaturas altas nos dois países vizinhos. E lá diz o ditado popular que de Espanha não vêm bons ventos.

O anticiclone dos Açores tem o seu centro no oceano Atlântico, no inverno um pouco mais a sul, permitindo que as tempestades do norte tragam chuva e frio, no verão um pouco mais a norte, impedido esse mesmo frio de descer e cá chegar e permitindo o calor africano de subir.

Mas ao longo do tempo este anticiclone aumentou a extensão espacial, como demonstrou uma investigação publicada recentemente na revista científica Nature. Estas cristas do anticiclone atingem Portugal e Espanha e, por vezes, têm influência até em França ou Itália. Ou seja, durante o inverno o anticiclone já não está tão a sul e impede, com mais frequência, que as tempestades do norte do Atlântico cheguem a Portugal e descarreguem as chuvadas a que estávamos habituados no passado.

Será por causa desta expansão do anticiclone, que influencia todo o clima da ponta da Europa à costa norte-americana, que a Península Ibérica está a viver a sua maior seca em 1.200 anos.

Variação da temperatura

Desde o ano 2000, vários distritos mostram ter temperaturas bem mais altas do que as registadas desde 1971

IPMA/Pordata

“As projeções já mostravam que a frequência com que o anticiclone iria estender-se pela Península Ibérica e o tempo de permanência iria aumentar”, diz Pedro Matos Soares, com base nos modelos que tem analisado. “Este estudo [da Nature] é muito robusto e mostra a variabilidade do anticiclone, antes e depois da revolução industrial, e, com base nos modelos e em observações reais, verificou que a única explicação é o aquecimento global por ação humana.”

“Até agora não tívemos recordes absolutos de temperatura, tívemos recordes para algumas cidades, em relação a esta altura do ano.”
Pedro Matos Soares, Instituto Dom Luiz da Universidade de Lisboa

3 O que podemos esperar ainda esta semana?

Está a formar-se uma depressão a sudoeste de Portugal, mais ou menos a nordeste da Madeira, em pleno oceano Atlântico. As depressões são sistemas de baixa pressão, ciclones cujas massas de ar circulam no sentido oposto ao dos ponteiros do relógio. As baixas pressões “puxam o ar para cima” e levam à formação de nuvens, que podem originar precipitação. Mas a nebulosidade que se verificou esta segunda-feira nas zonas mais litorais, não está a ter o efeito regulador da temperatura que se esperava, diz Nuno Lopes. E certamente não tiveram qualquer influência no interior do país, onde a nebulosidade não chegou.

Outro efeito desta depressão é que ajuda no transporte das massas de ar quente vindas de sudeste-sul, ou seja, do norte de África. Do continente africano podemos esperar calor, muito calor, o que só vai agravar os fatores que já se vinham a verificar: seca e temperaturas altas. Mesmo muito altas.

4 Porque é que as noites estão tão quentes?

Com temperaturas mínimas acima dos 20 ºC (Lisboa tem previsões para 23 ºC, outras cidades para 24 ºC), temos tidos o que se conhecem por noites tropicais. Mas são noites tropicais secas, sem entrada de massas de ar fresco vindas do oceano e sem precipitação significativa. O resultado é que a superfície dos solos não arrefece, as cidades também não e até o corpo humano tem dificuldade em fazê-lo. Quer dizer que nem durante a noite conseguimos compensar o calor que sentimos durante o dia, o que faz disparar a mortalidade, sobretudo nos grupos mais vulneráveis.

Recordes de temperatura em Portugal continental

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  • A 1 de agosto de 2003 foi registado o maior valor da temperatura máxima do ar: 47,3 °C na Amareleja (Alentejo).
  • A 26 de julho de 2004 registou-se o maior valor da temperatura mínima e média do ar: 32 °C e 38,2 ºC, respetivamente, em Faro (Algarve).
  • Maio de 2022 foi o maio mais quente dos últimos 91 anos.
  • Temperatura média em maio de 2022: 25,87 ºC, mais 4,91 ºC do que a média.

IPMA

A nebulosidade poderá dar-nos a sensação de que está menos calor, porque a radiação solar não chega tão facilmente à superfície, mas diz respeito à forma como nos sentimos, não às temperaturas reais (que continuam altas), lembra Pedro Matos Soares. A nebulosidade pode até ter um efeito contrário, diz Nuno Lopes, durante a noite impede a libertação de calor de volta às camadas mais altas da atmosfera. E também não ajuda no que respeita ao controlo dos incêndios.

5 Estes fenómenos meteorológicos também afetaram outros países na Europa?

As cartas meteorológicas da Europa mostram um emaranhado de sistemas de altas e baixas pressões, anticiclones e ciclones, explica o investigador do IDL. O Reino Unido, que enfrenta também temperaturas anormalmente altas, acima dos 30 ºC, também esteve sob a influência de um anticiclone (mas não o dos Açores), com efeitos equivalentes ao que está a acontecer na Península Ibérica, mas a situação vai inverter-se com a chegada de uma frente fria. O anticiclone dos Açores, como está centrado no oceano Atlântico, não tem efeito na Europa Central e de Leste, nem no norte da Europa.

O aumento das temperaturas é fruto da "imposição de uma corrente de leste que vai trazer a circulação de ar tropical"

Previsão das massas de ar quente vindas do norte de África no dia 14 de julho

http://www.weather.ul.pt/

6 A situação poderia ser ainda mais grave?

Quando um anticiclone “estaciona” numa determinada região forma-se uma chamada “cúpula de calor” que associada a uma seca extrema pode originar incêndios violentos e centenas de mortes, como aconteceu no Canadá e Estados Unidos, em julho de 2021. Neste forno gigante, como se de uma redoma se tratasse, o ar quente e seco sobe, mas a pressão atmosférica empurra-o para baixo, novamente de encontro à superfície do planeta. À medida que o ar é comprimido, torna-se cada vez mais denso e mais quente. Mas não chegámos a esta situação em Portugal.

No Canadá, no ano passado, além das temperaturas muito elevadas, o fenómeno durou muito mais tempo do que se poderia prever. A corrente de ventos do oceano Pacífico foi “impedida” de arrefecer a atmosfera sobre o continente e, como foi desviada para norte, ainda arrastou o ar quente do México e das zonas tropicais até à costa oeste dos Estados Unidos.

“Cúpula de calor” está a causar centenas de mortos, temperaturas até 50ºC e incêndios no Canadá. Que fenómeno é este?

7 Vamos ter poeiras vindas do norte de África?

Na quarta-feira haverá poeiras em suspensão, diz o meteorologista do IPMA, mas serão pouco espessas e em altitude. Logo não é previsível que haja muita poeira cor de laranja à vista em cima dos carros, nem que a nebulosidade causada pelas poeiras possa ajudar a diminuir a temperatura, acrescenta.

8Teremos chuva e trovoadas?

Esta segunda-feira já houve trovoadas e chuva no vale do Douro, diz Nuno Lopes. As trovoadas são resultado das temperaturas elevadas que causam instabilidade na atmosfera, mas com poucas nuvens a formarem-se também a chuva é escassa e sem impacto significativo na seca extrema sentida no país. Pior serão as trovoadas secas, alerta o meteorologista.

Com a vegetação com níveis tão baixos de água como nunca se tinha visto e as temperaturas tão altas, só falta o terceiro fator — as ignições — para se originarem incêndios, como explicou Carlos da Câmara ao Observador. A trovoada seca encontra assim as condições ideias para originar uma ignição e provocar um grande incêndio.

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