A província canadiana da Colômbia Britânica registou 486 mortes súbitas entre 25 e 29 de junho — três vezes mais do que seria de esperar nesse período —, noticiou a CBC. Lisa Lapointe, médica legista chefe na província, disse que este número vai aumentar nos próximos dias à medida que os certificados de óbito vão sendo introduzidos no sistema informático.

A vaga de calor extremo que se faz sentir na zona oeste da América do Norte parece ser um dos fatores que desencadearam estas mortes, mas isso ainda terá de ser confirmado, acrescentou Lapointe. Da mesma forma que não está confirmado que o fenómeno seja causado pelas alterações climáticas, mas parece não haver dúvidas que as mudanças no clima aumentam a probabilidade de ocorrência destes eventos extremos.

As temperaturas são tão altas que, além do aumento de mortes súbitas, têm sido registados fenómenos como quebra de vidros dos carros, cabos derretidos ou estradas danificadas, noticiou a BBC. As escolas estão encerradas, o serviço de autocarros foi interrompido e os centros comerciais servem como locais para as pessoas se refrescarem, porque grande parte das casas não tem ar condicionado e as ventoinhas estão esgotadas.

Canadá e Estados Unidos enfrentam vaga de calor sem precedentes, com temperaturas a superar os 47 graus

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Antes da vaga de calor, a temperatura mais alta no Canadá tinha sido registada em 1937: 45º C. Agora, a vila de Lytton, a 260 quilómetros de Vancouver, bateu o recorde de temperatura três dias seguidos: chegando aos 49,6º C na terça-feira. Também Portland, no Orégão (Estados Unidos), bateu o recorde de temperaturas três dias seguidos, atingindo um máximo de 46,1º C.

Mas Lytton não só teve de enfrentar as altas temperaturas como, um dia depois, na quarta-feira à noite, teve de ser evacuada porque um incêndio engoliu a localidade de 250 habitantes.

É terrível. A cidade inteira está em chamas”, disse o autarca Jan Polderman à CBC News. “Demorou, qualquer coisa como 15 minutos desde o primeiro sinal de fumo até, de repente, haver fogo por toda parte.”

O calor, ventos fortes e trovoadas criaram as condições perfeitas para incêndios descontrolados, em vários pontos distintos. A intensidade dos fogos obrigaram dezenas de pessoas a fugir das casas e muitas estradas tiveram de ser cortadas.

O fenómeno meteorológico que causou a vaga de calor está a deslocar-se para este e vai continuar bater recordes de temperatura. Na província de Alberta prevê-se que as temperaturas só comecem a normalizar na segunda-feira.

Canadá. “Probabilidade de mortes excessivas vai ser brutal” por causa do calor

Que fenómeno é este que está a cozer o Canadá e os Estados Unidos?

O efeito de forno sobre a região oeste do Canadá e Estados Unidos tem o nome de “cúpula de calor” e é como se uma grande montanha de ar quente estivesse a fazer pressão sobre um determinado local, recusando-se a arredar pé. E foi potenciado por “uma das maiores secas de que há memória” nesta região, disse o climatologista Ricardo Trigo à rádio Observador.

Essas secas, quando ocorrem, facilitam a ocorrência simultânea de temperaturas muito elevadas”, disse Ricardo Trigo.

Na cúpula de calor, como se de uma redoma se tratasse, o ar quente e seco sobe, mas a pressão atmosférica empurra-o para baixo, novamente de encontro à superfície do planeta. À medida que o ar é comprimido torna-se cada vez mais denso e mais quente.

Eventos extremos como este podem tornar-se cada vez mais frequentes como consequência das alterações climáticas, embora não seja possível ligar diretamente cada evento concreto às mudanças globais. Ricardo Trigo assegura que sem o efeito evidente das alterações climáticas no nosso planeta, a probabilidade de um evento como este acontecer era ínfima.

Além das temperaturas muito elevadas, o fenómeno está a durar muito mais tempo do que se poderia prever, isto porque a massa de ar quente está a fazer com que a corrente de jato (uma corrente de ar que viaja rapidamente nas camadas mais altas da atmosfera) seja desviada para norte, tal como a corrente de um rio que encontra uma rocha no caminho.

Assim, não só a corrente de ventos fortes (que costuma vir o oceano Pacífico para o interior dos Estados Unidos) está “impedida” de arrefecer a atmosfera sobre o continente, como o facto de ser desviada para norte faz com que o ar quente do México e das zonas tropicais chegue até à costa oeste dos Estados Unidos, explicou Ricardo Trigo.

O climatologista explicou ainda que as alterações climáticas não afetam o planeta todo da mesma forma: as zonas polares estão a aquecer mais rapidamente que as zonas tropicais, por exemplo. Se a zona polar se tornar menos fria, a intensidade dos ventos de oeste para este (como a referida corrente de jato) é enfranquecida, favorecendo a migração de massas de ar quente de sul para norte.