Portugal optou por apresentar um plano de ajustamento a médio prazo em Bruxelas a quatro anos, não aproveitando a margem de sete anos concedida pela Comissão Europeia. Portugal mostra-se, assim, confortável com a trajetória de referência para o crescimento da despesa líquida e saldo estrutural (primários, ou seja, sem juros) negociada. Tem, ainda, a vantagem (caso o Governo se aguente) de ser um plano que vai até ao fim desta legislatura.

Assim, em quatro anos (2025-2028) o Governo tem de conter o crescimento das despesas líquidas a 3,6%. O que conta é a média desses quatro anos, havendo uma conta de controlo com Bruxelas que permite um desvio de 0,3 pontos do PIB a esses valores ou de 0,6 pontos no conjunto dos anos. Mas para que haja um procedimento por infrações tem de haver, cumulativamente, um desvio dessa ordem e um défice superior a 0,5%, além da dívida acima de 60% (que Portugal não vai conseguir baixar para esse nível num horizonte tão próximo — o que, aliás, levou à obrigação da existência deste plano, porque não cumpria essa regra).

O Governo ainda coloca a dívida pública acima dos 80% em 2028. Segundo o plano apresentado em Bruxelas, a dívida pública ficará em 83,2% em 2028, esperando em 2025 ficar nos 93,3%. Além do crescimento do PIB, o Governo conta com a diminuição do montante de dívida permitida com os excedentes gerados.

E, segundo o plano, haverá excedentes todos os anos do plano, ainda que as projeções apresentadas a Bruxelas sejam sem medidas de política discricionária do Governo (no que se chama em políticas invariantes, considerando que as medidas de 2025 não mudam ao longo desse período) e sem o impacto das subvenções do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), tendo, no entanto, o impacto dos empréstimos do PRR em 2025 e 2026, que totalizam 4 mil milhões de euros. O que vai levar a um impacto 0,4 pontos e de um ponto percentual do PIB no excedente esperado em, respetivamente, 2025 e 2026. Considerando as medidas incluídas na proposta do Orçamento do Estado para 2025, nomeadamente o corte no IRC e o novo IRS Jovem, o Governo estima, segundo dados desse documento enviado a Bruxelas, um impacto de 973 milhões nas receitas e um impacto de 1.711 milhões nas despesas, com um total de 2.684 milhões nas medidas discricionárias.

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Governo põe todas as fichas no crescimento económico para, mesmo com mais despesa, manter saldos positivos

O plano de médio prazo, cujo dado principal é o relativo ao tecto de aumento da despesa líquida primária, permite que ao longo de quatro anos essa despesa suba 3,6%, sendo que o Governo se comprometeu com uma subida da despesa de 5% em 2025, de 5,1% em 2026, baixado o ritmo de crescimento para 1,2% em 2027 e para 3,3% em 2028. Os valores em torno dos 5% nos dois primeiros anos devem-se, segundo o documento, ao PRR e ao impacto dos empréstimos deste plano. É que as subvenções não relevam para este tecto, mas os empréstimos sim. Portugal considerou, assim, um esforço maior para aumentar despesa em 2025 e 2026, em particular neste último ano, que terá um impacto de dois mil milhões dos empréstimos em sede de PRR. A trajetória de referência apontava para um tecto de 4,1% em 2025 e de 3,6% em 2026.

Fonte: Plano de médio prazo entregue a Bruxelas

É por isso que o Governo, neste plano, aponta para um excedente de apenas 0,1% do PIB em 2026, ano em que, por isso, e já considerando as medidas adotadas em 2025 (por exemplo, o impacto da descida de um ponto no IRC será sentido nas contas públicas em 2026, aquando da liquidação do imposto por parte das empresas com referência ao ano de 2025), a margem para novas medidas de política acaba por ser menor.

Em 2025 o Governo aponta para um excedente de 0,3%, mais de 800 milhões de euros. Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças, indicou já que a margem é curta para medidas que possam ser acrescentadas ao Orçamento do Estado no Parlamento.

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Considerando que a partir de 2026 já não há PRR, o plano — em políticas invariantes — aponta para excedentes acima de 1% em 2027 e 2028. Uma projeção que tem sido colocada em dúvida. Ainda este fim de semana, o antigo ministro das Finanças, Fernando Medina, considerou a possibilidade de Portugal registar défice em 2025, considerando que o atual Executivo apresentou um Orçamento de “campanha”.

Fernando Medina sobre Orçamento do Estado: “Probabilidade de termos um défice em 2025 é significativa”

Fonte: Plano de médio prazo entregue a Bruxelas

O Governo sustenta junto de Bruxelas que conseguirá ter medidas do lado da receita em 2025 que a cortam, compensando-as com medidas do lado da despesa, nomeadamente com o fim dos apoios nos combustíveis. Mas não só. No plano, o Governo garante que essas medidas não comprometem o ajustamento devido ao fim de medidas extraordinárias que ainda existiam em 2024 e o final do PRR no horizonte. Nos primeiros anos do plano “a consolidação orçamental é resultado, nomeadamente, da retirada de medidas extraordinárias na despesa”, não se esperando “medidas adicionais”.

Também é realçada a existência de gastos extraordinários com impacto em 2024 e que não vão acontecer nos anos seguintes:

  • 600 milhões de euros pela redução de custos com PPP (parcerias público-privadas);
  • ajuda militar à Ucrânia de 200 milhões;
  • suplemento extraordinário para pensionistas de 399 milhões de euros;
  • fim do apoio para bonificação de juros do crédito à habitação de 32 milhões.

O que, juntos, equivalem a 1,1% do PIB em 2024. Acresce, ainda, que como pensões e outras transferências estão ligadas à inflação, o impacto futuro será menor do que quando a taxa cresceu de forma significativa.

Para os dados orçamentais apontados no plano, o Governo espera que as receitas fiscais em percentagem do PIB caiam para 23,9% em 2028, face aos 25% de 2024, contribuindo para a queda do total de receitas em percentagem do PIB para 42,7% em 2028, face aos 44,8% de 2024. Já as despesas em percentagem do PIB ficarão em 2028 nos 41,3% face aos 44,4% de 2024.

Também não tendo em conta medidas de políticas discricionárias, o Governo vai apontando para um crescimento do PIB de 1,9% em média entre 2025 e 2028. Depois de apontar um crescimento de 1,8% em 2024 e de 2,1% em 2025, o resto do cenário indicado no plano não conta com essas medidas nem com o efeito do PRR e é isso que justificará que as projeções de crescimento sejam tão desfasadas do programa da AD (que apontava para um crescimento de 2,5% em 2025, de 2,7% em 2026, de 3% em 2027 e de 3,4% em 2027). Em 2026, o plano aponta para um PIB em crescimento de 2,2%, em 2027 de 1,7% e em 2028 de 1,8%.