Portugal continua a ser o país da União Europeia (UE) com maior percentagem de patrões e gestores que não terminaram o ensino secundário (47,5%, praticamente o triplo da média da UE, de 16,4%), o que pode estar a limitar o aumento da produtividade da mesma forma que as baixas qualificações dos trabalhadores. Em contraste, contratar funcionários jovens qualificados impulsiona positivamente a produtividade, mas apenas se estes trabalhadores representarem mais de 40% da força de trabalho da empresa.

As conclusões constam da segunda edição do estudo Estado da Nação, da Fundação José Neves, apresentado esta terça-feira, que se debruça sobre as dinâmicas recentes na educação e no emprego em Portugal. A Fundação liderada por Carlos Oliveira procurou traçar um retrato da produtividade em Portugal, assim como das causas para que este indicador não esteja a subir tanto como o esperado (“desde 2000, a produtividade portuguesa nunca ultrapassou os 70% da média europeia”, refere o estudo, e em 2019, antes da pandemia, um trabalhador português produzia o equivalente a 66% do trabalhador médio da UE).

Não é só a escolaridade e a formação dos trabalhadores a limitar a produtividade: um outro fator, com efeitos semelhantes no indicador, são as baixas qualificações dos patrões. Se é certo que as qualificações do gestores em Portugal têm aumentado, “Portugal continua a ter a maior percentagem de empregadores e gestores que não terminou o ensino secundário, seguido de perto apenas por Malta”. Em 2021, esse era o caso de 47,5% dos empregadores, quase o triplo da média da UE (16,4%).

“Associado às baixas qualificações da força de trabalho, este é um aspeto que pode estar a limitar a produtividade da economia portuguesa”, indica a Fundação. Trabalhadores e gestores mais qualificados, segundo o estudo, têm efeitos na performance das empresas, na competitividade e produtividade.

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Em particular, o número de jovens qualificados influencia positivamente a produtividade, mas apenas a partir de um certo ponto. A Fundação procurou aferir o impacto de um ano adicional de escolaridade na produtividade das empresas, por faixa etária, e concluiu que “um aumento das qualificações dos trabalhadores com menos de 35 anos só se faz notar quando este grupo de trabalhadores representa pelo menos 40% da força de trabalho da empresa“. “Se estes jovens representarem entre 10% e 40% não há melhorias na produtividade e se forem menos do que 10%, o efeito na produtividade pode ser negativo”, lê-se no documento.

Já aos trabalhadores com 35 ou mais, mas menos de 50 anos, “basta representarem pouco mais de 30% da força de trabalho para que aumentos das suas qualificações se reflitam em aumentos de produtividade” e, a partir desse nível, os ganhos de produtividade são até mais acentuados do que nos mais jovens. Já “diferenças de qualificações entre os trabalhadores mais velhos (com 50 anos ou mais) não se refletem em diferenças de produtividade das empresas”.

“Este resultado sugere que o aumento das qualificações da geração mais jovem que se tem assistido nas últimas décadas pode não estar a contribuir para uma melhoria da produtividade por se enquadrar em empresas com uma força de trabalho maioritariamente mais velha e com níveis de qualificações inferiores”, conclui a Fundação.

A produtividade também aumenta mais quanto mais próximas forem as qualificações dos trabalhadores entre si — uma vez que é mais fácil gerir trabalhadores com qualificações semelhantes — e quanto maior for o investimento em formação. O problema é que apenas uma “minoria” o faz (em 2019, foram apenas 16% das empresas).

Face às empresas que não receberam apoios para formação do Fundo Social Europeu, e que assim proporcionaram menos formação, “as empresas que foram apoiadas registaram aumentos de, pelo menos, 5% na produtividade“. “Além disso, viram também aumentar o número de trabalhadores em 5%, o volume de vendas entre 5% e 15% e as exportações entre 2% e 15%.”

A Fundação José Neves chama ainda a atenção para os baixos salários em Portugal. Nas contas da instituição, entre 2011 e 2019 (portanto, excluindo o efeito da pandemia e da atual escalada da inflação), os salários apenas aumentaram, em termos reais, para os menos qualificados. Tal aconteceu devido ao aumento do salário mínimo nos últimos anos (em 2011 era de 485 euros e em 2019 estava nos 600 euros) e à negociação coletiva.

Os mais qualificados ficaram de fora desses ganhos. A preços constantes, “registaram-se aumentos de 5% para os trabalhadores com ensino básico, mas quedas de 3% e 11% para os trabalhadores com o ensino secundário e superior, respetivamente”. Para os mais jovens, a situação foi semelhante, “com uma queda do salário líquido mais acentuada no ensino superior: -15% entre os licenciados, -12% entre os mestres e -22% entre os doutorados”.

Durante a pandemia os salários médios reais aumentaram para todos os níveis de escolaridade, mas a Fundação chama a atenção para o efeito da recomposição do emprego: ou seja, como os postos de trabalho eliminados foram os mais mal pagos, a média salarial dos empregos tidos em conta no cálculo acabou por subir.

E se estudar mais anos continua a compensar a nível de empregabilidade e de salário, essa recompensa é cada vez menor, como um estudo recente da Fundação Calouste Gulbenkian já tinha concluído. Neste novo estudo da Fundação José Neves calcula-se que, de 2010 a 2019, a queda da diferença entre rendimento do ensino superior face ao ensino secundário foi da ordem dos 17 pontos percentuais, de 62% em 2010 para 45% em 2019. Ainda assim, os portugueses com ensino superior têm, em média, um rendimento que é 45% superior aos que têm o ensino secundário.

Estudar mais ainda compensa para os jovens de hoje, mas impacto nos salários é cada vez menor

A queda do prémio salarial que advém de uma maior escolaridade assim como os baixos salários “colocam a produtividade portuguesa como um dos temas críticos para ajudar a resolver a estagnação da economia portuguesa”, acredita a Fundação José Neves. Isto porque “o crescimento sustentado da produtividade é consensualmente considerado como um fator essencial para o aumento sustentável dos salários, o crescimento económico e a melhoria do padrão de vida da população”. Carlos Oliveira, presidente executivo da Fundação, aponta no mesmo sentido ao Observador: estes dados mostram “que a economia não está a conseguir ganhar a tal produtividade e competitividade que permita que os salários médios subam”.

O caminho para aumentar a produtividade não passará por aumentar as horas trabalhadas, mas sim através da “eficiência desse trabalho e do valor do produto”. Só que Portugal não tem conseguido marcar pontos na produtividade, na avaliação do estudo.

À medida que as qualificações aumentam seria de esperar que a produtividade seguisse o mesmo ritmo, mas a Fundação escreve que isso não está a acontecer. Embora o abrandamento da produtividade seja comum a outros países, “é particularmente preocupante em Portugal”. Segundo a Fundação, tal é explicado por fatores externos, mas “sobretudo a fragilidades internas” — precisamente, as baixas qualificações, onde Portugal continua “na cauda da Europa”. É, aliás, o país com a maior percentagem da população com baixas qualificações: em 2021, 40,5% dos portugueses entre os 25 e os 64 anos não tinham terminado o ensino secundário, mais do dobro do verificado em 23 países da UE.

A Fundação propõe que, até 2040, Portugal reduza a taxa de adultos com baixa escolaridade em 26 pontos percentuais face a 2021, para 15%, e aumente a percentagem de jovens recém-formados empregados em 16 pontos percentuais, para 90%.

No pós-pandemia, setores tecnológicos ganham peso no emprego

A Fundação procurou ainda analisar os efeitos da pandemia no mercado de trabalho. E concluiu que a estrutura do emprego não é a mesmo do que no pré-Covid. Desde logo porque em 2021 houve mais 31 mil empregados do que em 2019. E porque houve setores que, no pós-pandemia, estão a aumentar a representatividade no emprego, nomeadamente aqueles que são “intensivos em conhecimento” — a par da construção e dos “setores industriais mais intensivos em tecnologia”.

Os serviços que requerem elevados níveis de conhecimento aumentaram o peso no emprego em quase 5 pontos percentuais, para cerca de 42% do emprego total. Já os restantes setores dos serviços perderam cerca de 3,7 pontos percentuais, para cerca de 31% do emprego. “Os resultados parecem indicar que, no geral, os setores mais atingidos nos períodos críticos da pandemia não recuperaram os seus níveis de emprego e, no final de 2021, acumulavam perdas significativas de trabalhadores”, como o alojamento, a restauração, serviços domésticos e serviços pessoais.

“Pelo contrário, os setores que ganharam representatividade no emprego têm duas características fundamentais. São serviços de apoio às empresas e intensivos em conhecimento (consultoria e programação, serviços jurídicos e financeiros) ou serviços públicos fortemente dependentes da ação do Estado (Saúde, Educação, Apoio Social e Administração Pública)”, lê-se. Aliás, o setor das tecnologias de informação e comunicação “aumentou significativamente as vagas por preencher”.

Mas a pandemia fez com que a entrada no mercado de trabalho fosse mais difícil. Embora note que o mercado de trabalho português “mostrou uma forte capacidade de recuperação ao fim de dois anos de pandemia”, o que se deveu nomeadamente a medidas de apoio ao emprego, como o layoff, também sublinha que essa recuperação foi “incompleta e desigual”, prejudicando sobretudo os mais jovens.

Mercado de trabalho já apagou muitos vestígios da pandemia, mas alguns ainda persistem — nos jovens e no desemprego de longa duração

“Os níveis de emprego daqueles com idades entre os 25 e os 34 anos, sofreram um forte abalo nos dois momentos de confinamento, um atraso ainda não recuperado. No final de 2021, a quebra de horas efetivamente trabalhadas pelos mais jovens face ao final de 2019 era ainda cerca de 15%”, salienta o estudo. Ter maior escolaridade protegeu mais contra o desemprego, mas no caso dos jovens isso foi apenas visível para quem tem mestrado.

O impacto da Covid-19 foi também analisado na escolaridade, com a Fundação a concluir que quanto maior foi o período de encerramento das escolas, pior foi a performance no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos).

Também durante a pandemia, aumentaram as candidaturas ao ensino superior, “provavelmente devido ao menor incentivo em entrar diretamente num mercado de trabalho envolto em incerteza e fracas perspetiva para os que terminam o ensino secundário”. No ano letivo 2021/2022, houve quase 64 mil candidatos, mais 2% face ao ano letivo anterior.

Só que, ao mesmo tempo, subiu a taxa de abandono do ensino superior entre os alunos que se tinham inscrito um ano antes, depois de quedas sucessivas nos anos anteriores. No conjunto dos anos letivos 2018/19 e 2019/20, 8,1% dos estudantes que se tinham matriculado no ensino universitário um ano antes, abandonaram o sistema, mais um ponto percentual.