O mercado de trabalho já começou a recuperar de algumas cicatrizes da pandemia. Os dados que têm sido revelados recentemente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram-no: foram criados 148,4 mil empregos entre o último trimestre de 2020 e o de 2021, a taxa de desemprego global está abaixo do pré-pandemia, e são os vínculos permanentes que estão a aumentar em detrimento dos temporários.

Mas há nuvens que se mantêm no horizonte e que parecem persistir em desaparecer: o desemprego jovem ainda não recuperou da pandemia e está a contribuir para o crescimento do desemprego de longa duração, o mercado de trabalho está hoje mais envelhecido e, em dezembro, as prestações de desemprego ainda estavam acima do que se registava antes de a Covid-19 ter sido detetada em Portugal. Como já recuperou o mercado de trabalho e o que ainda falta melhorar?

Desemprego jovem está a demorar mais tempo a recuperar. Porquê?

Se a taxa de desemprego total já chegou aos valores do pré-pandemia — e até atingiu mínimos de 2002 (a confirmar-se, uma vez que a estimativa do INE para dezembro é ainda provisória), o mesmo não está a acontecer com a taxa de desemprego jovem (que vai dos 16 aos 24 anos). Este último indicador estava, em fevereiro de 2020 (o último mês antes da deteção da Covid-19 em Portugal), nos 18,7%, tendo começado a subir em abril, altura em que se fixou nos 20,7%. O pico da pandemia deu-se em junho de 2020 (27,9%), tendo oscilado até chegar a dezembro de 2021 nos 21,1% — ou seja, ainda 2,4 pontos percentuais acima do pré-pandemia.

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Mais: enquanto a taxa de desemprego global desceu quatro décimas no total de 2021 face a 2020, a taxa de desemprego jovem até aumentou — nove décimas, para 23,4%. ​​Porque é que o desemprego jovem está a levar mais tempo a recuperar? Para responder é preciso partir da premissa que os jovens foram os mais afetados durante a pandemia por uma mão cheia de motivos.

Paulo Marques, coordenador do Observatório do Emprego Jovem do ISCTE e professor de economia, explica ao Observador que, embora a taxa de desemprego jovem já estivesse, no pré-pandemia, abaixo dos picos da crise anterior, a situação dos jovens não tinha recuperado na totalidade. Nas contas do Observatório, o desemprego jovem era, no início da crise anterior, em 2011, 2,2 vezes maior do que o desemprego global. A crise financeira deixou marcas profundas no mercado de trabalho e, antes de a Covid-19 chegar, esta diferença ainda estava acima do pré-crise financeira (2,7 vezes). Com a pandemia, o problema agravou-se de tal forma que o desemprego jovem foi, em 2021, 3,5 vezes maior do que o desemprego total. “Há aqui uma aceleração de uma desvantagem no mercado de trabalho”, nota Paulo Marques.

Um dos fatores a contribuir para este efeito são os contratos a termo certo, que já antes da pandemia eram mais recorrentes nos trabalhadores mais novos. “Esta crise distinguiu-se da anterior por uma destruição muito grande do emprego entre as pessoas com contratos a termo”, lembra. Algumas medidas de apoio ao emprego adotadas pelo Governo, como o layoff simplificado (uma das que teve maior peso), proibiam despedimentos, permitindo, no entanto, a não renovação dos contratos a prazo. Como os setores mais afetados, como o turismo e a restauração, são dos que mais recorrem a este tipo de contratação — e são caraterizados pela força de trabalho jovem — os mais novos foram, por estas vias, duplamente afetados. “O layoff foi importante, mas, de certa forma, indiretamente, incentivou a que se ajustasse [o emprego] por essa via” — o afastamento dos temporários.

Paulo Marques defende ainda que não está a existir um match entre as qualificações dos jovens e as ofertas de trabalho. Os jovens portugueses estão mais qualificados do que nunca, mas “a transição da escola para o mercado de trabalho tem sido difícil”. “Acho que se tornou ainda mais difícil neste contexto da pandemia porque as empresas estavam a segurar o emprego, não estavam propriamente a expandir”, refere. O economista diz que o tecido económico português, embora se tenha modernizado, “não se modernizou ao mesmo ritmo da evolução das qualificações”. Resultado: “Os licenciados têm dificuldade em entrar em empregos qualificados, o nosso ensino profissional está muito desligado das empresas, essa transição fica difícil e ainda mais no contexto da pandemia, não estando as empresas a recrutar.”

Ao Observador, João Cerejeira, professor de Economia da Universidade do Minho e especialista em mercado de trabalho, lembra que a recuperação nesta crise ao nível do desemprego jovem também não está a acontecer tão rapidamente porque na recessão anterior houve um forte fluxo de emigração que “aliviou” o desemprego sobretudo entre os 25 e os 35 anos.

Um dos problemas do crescimento do desemprego jovem são os efeitos “cicatriz” que os períodos de inatividade podem trazer às carreiras dos mais novos. Um estudo do economista e professor da Nova SBE, Pedro S. Martins (também ex-secretário de estado do Emprego do governo de Passos Coelho), publicado em outubro, olhou para o impacto do ciclo da economia nas carreiras e apontou para esse “efeito de cicatriz”: os jovens que demoram a entrar no mercado de trabalho ficam “marcados” porque não acumulam experiência profissional numa altura crítica da vida profissional, logo, após a conclusão dos estudos, não formam redes e contactos profissionais, enfrentam uma potencial estigmatização pelos empregadores, que podem olhar para eles como menos produtivos ou capazes por não se terem conseguido empregar anteriormente. Já na altura Pedro Martins recomendava que os governos procurassem “suavizar o ciclo (macro-)económico, evitando oscilações grandes da taxa de desemprego”, com medidas ativas de emprego dirigidas a jovens desempregados.

Estudar mais ainda compensa para os jovens de hoje, mas impacto nos salários é cada vez menor

A cicatriz afeta mesmo aqueles que entram no mercado de trabalho numa altura de crise. A economista da Nova SBE Susana Peralta acrescenta ao Observador que, de facto, “a entrada no mercado de trabalho no momento de crise tem um impacto futuro e duradouro” que não passa necessariamente quando a crise chega ao fim, mas permanece no emprego, no rendimento. “De acordo com aquilo que sabemos da investigação passada, com base em crises anteriores, há uma probabilidade muitíssimo elevada disto deixar cicatrizes no percurso destes jovens no mercado de trabalho”, observa.

João Cerejeira sublinha, por sua vez, que o desemprego jovem tem também efeitos ao nível do rendimento — particularmente, no acesso ao subsídio de desemprego, que depende dos anos de descontos, um requisito que impede muitos jovens de o receber. Além disso, anos de desemprego influenciam o montante da pensão futura. “Nesses períodos dilatados de desemprego, a pessoa está a perder competências e isso vai ter efeitos também nos salários e na carreira futura”, sumariza.

Mais 28 mil desempregados de muito longa duração no espaço de um ano

Também são os mais jovens que estão a fazer engrossar o desemprego de longa duração. No final do ano passado (último trimestre), havia 159,4 mil desempregados de longa duração (12 ou mais meses), mais seis mil do que no trimestre anterior, mas mais 30 mil do que um ano antes. Por outras palavras, a proporção dos desempregados de longa duração no total dos desempregados não só tem vindo a aumentar, como disparou em 2021: de 34,5% no último trimestre de 2020 para 48,2% no mesmo período de 2021. Quer isto dizer que quase metade dos desempregados estão sem emprego há 12 ou mais meses.

Numa comparação anual, no total do ano de 2021, a proporção era de 43,4%, ainda longe do pico (segundo a série do INE com início em 2011) de 59,6% de 2014, em plena crise financeira. Mas acima do valor pré-crise, em 2019 (42,5%), interrompendo uma queda sucessiva que vinha a verificar-se, precisamente, desde 2014.

Mas este aumento em 30 mil dos desempregados de longa duração foi explicado, na sua esmagadora maioria, pelos de muito longa duração — os que estão sem emprego há dois ou mais anos. E aqui os números preocupam mais. Enquanto entre o último trimestre de 2020 e o mesmo período de 2021, o número de pessoas desempregadas há menos de 24 meses aumentou em 2,1 mil, no caso dos desempregados de muito longa duração o crescimento foi de 28 mil pessoas, para um total de 91,2 mil desempregados de muito longa duração no final de 2021 (e 68,2 de desempregados de longa duração). Uma das explicações possíveis são as sucessivas prorrogações dos subsídios de desemprego por causa da pandemia.

E quem são os desempregados de longa duração? Em termos percentuais, o aumento foi mais expressivo nos homens (de 62,1 mil para 79,8 mil – 28,5%) — por outro lado, os homens foram os mais beneficiados pela criação de emprego —, no grupo dos 25 aos 34 anos (um aumento de 33%, ou seja quase mais 10 mil para perto de 40 mil) e nas pessoas que têm até ao ensino básico (3.º ciclo) — 38%, mais 20 mil. Ainda assim, é na faixa etária dos 55 aos 74 anos que a proporção de desempregados de longa duração ainda é maior (70,2%).

O indicador preocupa os especialistas. Paulo Marques diz que o desemprego de longa duração — nomeadamente dos jovens — “tem de ser evitado ao máximo”. Por isso, pede um reforço das políticas ativas de emprego, como apoios à contratação, a estágios profissionais ou ao empreendedorismo. “O layoff desempenhou um grande papel, conseguiu controlar o desemprego, mas depois este grupo [dos jovens] que, de certa forma, não beneficiou tanto, não teve um peso equivalente de políticas.” Paulo Marques considera que tem existido uma “incapacidade de as políticas ativas de emprego” evitarem a quebra do emprego jovem e lembra uma notícia recente que dava conta de que um quinto das vagas para estágios da Administração Pública ficaram por preencher em 2021. “Significa que essa política foi mal desenhada. Porque se temos um crescimento do desemprego jovem, se temos mais desemprego de longa duração entre os jovens, e se essas políticas não resultaram é porque não foram atrativas para os jovens, ou porque eles não tiveram conhecimento delas. Não faz sentido”, argumenta.

Claro que não estamos numa situação dramática, estamos com 23% de desemprego jovem — no pico da crise anterior tivemos 37%. Agora, a questão que se coloca é que se houver uma alteração das políticas do Banco Central Europeu, se o Estado não tiver a mesma capacidade de segurar o emprego nesse contexto, e se houver menos capacidade financeira para lidar com a crise, o desemprego jovem vai aumentar de uma forma mais rápida.”

João Cerejeira também encontra na dificuldade em fazer match entre trabalhadores e empresas a explicação para este agravamento do desemprego de longa duração. “É um indicador de desajustamento entre aquilo que os trabalhadores estão dispostos a oferecer e aquilo que as empresas procuram. Há pessoas disponíveis para trabalhar que demoram muito tempo a encontrar emprego e, por outro lado, temos as notícias de que há um conjunto grande de empresas que não encontra trabalhadores para os postos de trabalhos disponíveis”.

Não são só os salários a explicar esse “desajustamento”, considera. Uma das hipóteses que formula é que haja uma “desajustamento de natureza vertical”: “Vemos que o emprego cresceu muito nos trabalhadores mais qualificados. Pode ser que as empresas estejam a procurar, por exemplo, um técnico de informática ou alguém licenciado em tecnologias de informação e comunicação, mas não encontram, porque as pessoas têm uma formação de nível inferior àquela que é requisitada”. Ou um “desajustamento horizontal”, em que as empresas “precisam, por exemplo, de um carpinteiro para uma obra de construção civil e as pessoas desempregadas têm para oferecer outras competências”. “Enquanto no primeiro caso, a solução é aumentar o nível de formação, no segundo o problema é de natureza diferente, de formação profissional técnica especializada, de reconversão de trabalhadores”, explica.

Também é possível que esteja a ocorrer um “desajustamento geográfico”, em que as propostas de emprego aparecem em localidades onde não há trabalhadores com as respetivas competências — ou disponíveis para aí se mudar (por exemplo, por causa dos preços das casas ou dos transportes). Um desemprego de longa duração elevado é “preocupante”, refere, porque “pode querer dizer que estes desajustamentos em vez de diminuírem, como seria esperado, podem ter aumentado”.

Deixar para trás os jovens é “catastrófico”, acrescenta por sua vez Susana Peralta. “Mas isso é um problema que os jovens têm, em geral, no nosso mercado de trabalho, que não é friendly [amigável] da geração mais nova.”

Um mercado de trabalho mais envelhecido

Outros indicadores ajudam a perceber como os jovens não só foram os mais afetados, como estão a demorar mais a recuperar das cicatrizes da pandemia. E como a tendência está a ser para um mercado de trabalho mais envelhecido. Os dados do INE que têm sido revelados nos últimos dias mostram que foi no grupo dos 16 aos 24 anos que o emprego mais desceu entre o quarto trimestre de 2019 e o mesmo período de 2021, tanto em termos relativos como absolutos. As quedas verificaram-se também, embora em menor escala, nos grupos até aos 44 anos. Ao todo, até aos 44 anos, foram perdidos 121,9 mil empregos.

A tendência oposta viu-se nos grupos mais velhos, que viu o emprego crescer no mesmo período. Em termos absolutos, foi no grupo dos 55 aos 64 anos que mais postos de trabalho se criaram (mais de 100 mil, um aumento de 12%). Nos grupos com 45 ou mais anos foram mesmo criados 215 mil empregos. Há vários motivos que podem ajudar a explicar esta discrepância. João Cerejeira, da Universidade do Minho, diz que este pode ser um efeito do envelhecimento da população, mas também o alargamento da idade da reforma e as restrições à reforma antecipada.

Ainda assim, de forma geral, entre o último trimestre de 2020 e o mesmo período de 2021, foram criados mais de 148 mil empregos, um sinal da recuperação do mercado de trabalho que tenta afastar-se dos efeitos da pandemia. Não sem grande surpresa para Susana Peralta, que lembra como o layoff, e as suas variantes, “colou os trabalhadores e as empresas com super cola 3”, pelo que “é evidente que não ia haver um impacto tão grande no desemprego”, como na última crise. O mecanismo, ao prevenir despedimentos, também permitiu que as empresas, na fase da retoma, pudessem recuperar mais rapidamente, dado que não tiveram de passar pelo processo, por vezes demorado, de despedir e voltar a encontrar quem contratar. O efeito das empresas zombie — sustentadas artificialmente por medidas de apoio que, uma vez retiradas, levariam à sua falência — ainda não se fez notar no emprego e no desemprego, mas Susana Peralta não lança foguetes.

“Preservar esse matching [entre empresas e trabalhadores], mas ao mesmo tempo não criar empresas zombie é um equilíbrio muito difícil. É um bocadinho como quando nós estamos a ensinar uma criança a andar: se a largamos completamente ela espalha-se e já não anda, mas se estivermos ali a segurá-la com três apoios ela nunca mais aprende a andar. A verdade é que isto foi uma experiência inédita. Tivémos uma parte substancial do bloco europeu, das grandes economias da União Europeia e também do Reino Unido, a manter o mercado de trabalho com suporte básico de vida. Não sabemos se foi em grau ótimo ou não, nem temos maneira de saber. Ainda podem vir aí algumas más surpresas, embora não pareça. Estamos em situações de enorme incerteza”, indica.

A economista acredita que a recuperação da crise atual não vai ser igual à da anterior, até porque Portugal tem à disposição os milhões do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Mas tudo depende de se esse impacto “vai ou não conseguir chegar a esta mão de obra mais jovem”. A incerteza que ainda resta da pandemia e o aumento das taxas de juro podem trocar as voltas a qualquer previsão que se tente fazer, mas, além do PRR, as mudanças nas formas de trabalho (com o teletrabalho) — neste caso, potencialmente beneficiando as camadas mais jovens —, e a transição digital (se bem sucedida) poderão ter uma influência positiva na recuperação, considera. “Vejo aqui vários fatores que até podem jogar a favor, para que o tal efeito de cicatriz não seja tão pronunciado”, acrescenta.

A queda descomunal do turismo — e o reforço do Estado

Os dados do INE permitem ainda perceber quais os setores que, de 2020 para 2021, mais emprego criaram e os que mais perderam. A liderar a lista estão atividades que praticamente não pararam com a pandemia, como as atividades financeiras e de seguros (variação de 26,9%), seguida pelas atividades de informação e de comunicação (18,4%) e o grupo “administração pública, defesa e segurança social obrigatória” (14,1%). De facto, é notório o aumento do peso do Estado: além do grupo da administração pública, o emprego também subiu (quase 10%) na educação.

No lado oposto, estão as atividades de contacto humano: “outros serviços” viu o emprego cair 20,2%, enquanto o alojamento, restauração e similares recuou 16,3% e as atividades administrativas e dos serviços de apoio caíram 7%.

O setor do turismo foi, de facto, dos maiores perdedores da pandemia, devido às restrições nas viagens e receio do contágio. Em 2021, o setor contou com 244 mil trabalhadores, menos 47,6 mil do que um ano antes. Mas a queda face a 2019 foi ainda mais expressiva: o setor perdeu mais de 76 mil trabalhadores (-16.100 no alojamento e -60.200 na restauração). Um dos motivos é o facto de os níveis de atividade ainda não terem recuperado totalmente, lembra João Cerejeira. Mas pode haver outra explicação: “Se, efetivamente, a economia como um todo está a criar emprego, a tendência é para haver mobilidade para postos de trabalho com melhor nível de remuneração, o que não acontece no setor da restauração”, diz. Além dos baixos salários, os horários prolongados, em fins de semana e feriados, a exigência física ou a instabilidade do setor podem também ter um papel na dificuldade das empresas do setor em contratar, como o Observador já explicou.

Trabalhadores precisa-se. A restauração e a hotelaria não estão diferentes, os jovens é que já não são os mesmos

Além disso, o economista da Universidade do Minho sublinha que a restauração e o alojamento era “uma área de acolhimento de imigrantes”, que podem ter deixado de vir para Portugal pelas limitações à mobilidade internacional. “Pode acontecer que as saídas do setor não estejam a ser compensadas por entradas que anteriormente aconteciam por trabalhadores estrangeiros”, acrescenta.

A AHRESP, que representa o setor da restauração e do alojamento, já veio dizer em comunicado que, apesar de, no verão de 2021, as empresas terem “iniciado lentamente a retoma da sua atividade, esta tímida recuperação não encontrou paralelo no emprego, tendo o setor continuado a perder postos de trabalho”. Por isso, e tendo em conta que a perda é maior do que noutros setores, a associação liderada por Ana Jacinto pede com urgência o reforço das políticas de apoio à manutenção do emprego e à contratação de novos postos de trabalho no setor, “devendo igualmente ser considerada a redução da carga fiscal associada ao emprego”. “É também prioritário que sejam desenvolvidos esforços para que os nossos setores se tornem mais atrativos para os indivíduos em busca de emprego, permitindo às empresas recuperar os trabalhadores que foram deslocados para outras atividades no decurso da crise pandémica”, indica ainda a AHRESP, em comunicado.

É o emprego mais qualificado que mais recupera

Os dados revelam também que a recuperação do emprego está a fazer-se com a contratação de trabalhadores mais qualificados — e é quem tem até ao ensino básico (terceiro ciclo) quem está a ficar para trás. Segundo o INE, entre o último trimestre de 2020 e o mesmo período de 2021, a população empregada com esse nível de ensino reduziu-se em 95,9 mil, tendo aumentado 81,5 mil na população com ensino secundário e pós-secundário e 162,8 mil com o ensino superior. Mas não são estes dados contrastantes com o aumento do desemprego jovem, dado que a geração mais nova é descrita como a mais qualificada de sempre?

Paulo Marques, do ISCTE, aponta várias possíveis explicações que atuam em conjunto. Em primeiro lugar, entre os jovens qualificados há áreas de formação com maior empregabilidade do que outras, como a programação informática (com as empresas a relatarem até dificuldade em contratar). Por outro lado, “os setores que recrutam pessoas menos qualificadas ainda não estão numa fase de retoma tão grande como outros” — como o turismo, essencialmente marcado por trabalhadores mais jovens: “Ao longo dos últimos dez anos, tivemos um crescimento de setores bastante qualificados mas também muito pouco qualificados. O que terá acontecido é uma retoma maior desses setores que empregam pessoas mais qualificadas, que acabam por absorver algum do emprego qualificado, mas não todo — e podem não conseguir absorver todo”.

Os jovens que têm poucas qualificações “estão numa grande desvantagem porque algum emprego intermédio que exista e que esteja disponível tende a ser absorvido até por pessoas mais qualificadas. Por exemplo, nalgum trabalho administrativo, o empregador prefere contratar um licenciado do que contratar uma pessoa com o 12.º ano. Os outros não conseguem ter emprego, ficam numa grande desvantagem”, aponta o investigador.

Prestações de desemprego acima do pré-Covid — por via das renovações automáticas da pandemia

Apesar da redução do desemprego, as prestações de desemprego estão ainda acima dos níveis do pré-pandemia. Este indicador, da Segurança Social, inclui o subsídio de desemprego, subsídio social de desemprego inicial, subsídios social de desemprego subsequente, prolongamento do subsídio social de desemprego, medida extraordinária de apoio aos desempregados de longa duração e prorrogação da concessão do subsídio de desemprego. Em dezembro, foram pagas quase 213 mil prestações, uma redução de 34 mil face a um ano antes, mas ainda 29 mil acima das que tinham sido pagas em fevereiro de 2020, no mês imediatamente anterior à pandemia.

Ainda assim, se olharmos só para o subsídio de desemprego, a realidade é diferente: este indicador já está abaixo do pré-pandemia, ainda que ligeiramente (mais de 145 mil processamentos em dezembro de 2021, que compara com os 205 mil do mesmo mês de 2020). A impulsionar a diferença face ao total está, precisamente, a prorrogação da concessão do subsídio de desemprego, uma medida adotada durante a pandemia para garantir que os desempregados que vissem o subsídio de desemprego terminar continuassem a ter uma rede de apoio. Em dezembro, o prolongamento do pagamento do subsídio de desemprego caiu ligeiramente (-0,3%, ou seja, menos 137 processamentos), abrangendo ainda 41.222 pessoas.

Empregos vagos estão em máximos

Desde o início da série dos empregos vagos do INE, em 2010, que nunca se viu um trimestre (terceiro de 2021, os dados mais recentes) com tantas vagas por preencher. Segundo a informação, havia quase 43 mil as vagas por ocupar, quase o dobro de um ano antes e três vezes mais do que no mesmo trimestre de 2010 (o INE classifica como emprego vago um “emprego remunerado criado pela primeira vez, não ocupado ou prestes a ficar vago e para cuja vaga o empregador: a) está a tomar medidas ativas e preparado para tomar medidas adicionais para encontrar um candidato apropriado de fora da empresa em causa; b) pretende encontrar um candidato para preencher o lugar imediatamente ou dentro de um período de tempo específico”).

E, aqui, voltamos ao problema do match entre o que os empregadores procuram e o que os trabalhadores têm para oferecer (e que eles próprios também procuram num emprego). Paulo Marques aponta outro “problema”: a percentagem elevada de jovens que tem mais qualificações do que as que são necessárias para exercer o seu emprego, o que se traduz em desajustes salariais. “Cerca de 33%, 34% dos jovens recebem um salário mínimo e são as gerações mais qualificadas do que a população total. Em 2000 tínhamos entre 10 e 11% dos jovens com formação superior entre os 25 e os 34 anos, agora temos 42%, 43%. Mas é preciso fazer corresponder essa evolução na qualidade do emprego”.

Vínculos permanentes reforçam

Enquanto entre o último trimestre de 2020 e o mesmo período de 2021 se eliminaram 14,6 mil postos de trabalho que correspondiam a contratos com termo (ou seja, precários), no mesmo período os contratos sem termo (fixos) aumentaram em 107,3 mil. João Cerejeira não considera que tenha sido um efeito das medidas de apoio ao emprego, como o layoff, a permitir esse reforço dos contratos permanentes, mas aponta antes as alterações à lei laboral introduzidas em 2019 pelo então ministro do Trabalho, José António Vieira da Silva, que apertaram as regras dos contratos a prazo (com limites ao número de renovações, por exemplo).

Além disso, refere, o facto de não se ter mexido nas compensações por despedimento, mantendo-se os valores da troika, pode ter funcionado como um incentivo à contratação, defende. E há outro potencial motivo: “Como o desemprego também está muito baixo, os trabalhadores têm mais opções e, provavelmente, optam por empregos de melhor qualidade do ponto de vista contratual”.

Paulo Marques, por sua vez, acredita que assim que os setores caracterizados pelos vínculos precários, como o turismo, retomem plena atividade, a tendência voltará a ser de uma subida do peso dos contratos a prazo. “Os setores muito utilizadores [dos contratos a prazo] ainda não estão numa fase de grande criação de emprego, acho que isso é uma questão bastante importante”, frisa.

Desmotivados são cada vez menos

Depois de ter aumentado muito no início da pandemia por via das pessoas que, estando disponíveis, não procuravam emprego (por causa das restrições ou porque não havia oferta, por exemplo), a população inativa já voltou a baixar para níveis do pré-pandemia. Muito por via do fim das restrições e a progressiva retoma da normalidade.

A maior diferença é registada, precisamente, nos “inativos disponíveis, mas que não procuram emprego”. “Isso é um sintoma de que o mercado de trabalho está melhor e mais próximo do pleno emprego”, diz João Cerejeira.