De passagem por Portugal, Meik Wiking caminha pela Avenida da Liberdade, em Lisboa, com um belo sorriso no rosto. “Que dia bonito de sol”, comenta como dinamarquês que está habituado a temperaturas negativas e a quatro horas de luz diurna no inverno. Gesticula como se tivesse acabado de sair de uma conferência motivacional TED e fala fluentemente inglês. “Eu estudo a felicidade. A cada dia tento responder porque é que certas pessoas são mais felizes do que outras“, resume.
Como presidente do Happiness Research Institute, acredita que conhece o caminho a percorrer para ser feliz e decidiu partilhá-lo com o mundo em O Livro do Hygge — O segredo dinamarquês para ser feliz. Na obra acabada de publicar em Portugal defende que o hygge (pronuncia-se huga) é a razão para a Dinamarca ter sido considerada o país mais feliz do mundo três vezes desde que foi publicado o World Happiness Report. Tal como a palavra portuguesa saudade, hygge é um estado de espírito e não tem tradução direta para outras línguas. Afinal, qual é o segredo da felicidade? Será que os portugueses são felizes? Em entrevista ao Observador, Miek Wiking explica melhor o conceito.
Considera-se o homem mais feliz do mundo?
Eu sei que o jornal The Times me apelidou o homem mais feliz do mundo mas talvez seja um dos candidatos — especialmente agora que estou de passagem por Portugal e estão 15 graus lá fora em comparação às temperaturas negativas da Dinamarca [risos]. Considero-me um dos nomeados mas se sou o homem mais feliz do mundo? Não sei. Numa escala de 1 a 10, sou um 10. Talvez ajude o facto de ter um livro, traduzido em 25 línguas, na lista dos mais vendidos. Também tenho a sorte de ter um trabalho interessante, faço o que gosto, vivo numa cidade maravilhosa e a minha família tem saúde. Sinto-me bastante grato por aquilo que tenho.
E nunca se sentiu infeliz com a vida?
Sim, principalmente antes de fundar o Happiness Research Institute. Estava meio desmotivado a trabalhar para um think tank [centro de investigação] onde estive durante seis anos — era diretor da divisão de sustentabilidade — até duas coisas mudarem. Primeiro, apercebi-me do que estava a acontecer globalmente no que toca à felicidade: a assembleia-geral das Nações Unidas aprovou uma resolução que reconhece a procura pela felicidade e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico começou a usar a satisfação com a vida como um indicador da evolução social.
Segundo, pensei que alguém na Dinamarca devia tentar reunir esse conhecimento, uma vez que lideramos os rankings da felicidade. Até que cheguei à conclusão que poderia ser eu a fazer isso. Mas eu tinha um emprego fixo, bem remunerado, e soava arriscado criar uma organização que estudasse algo tão subjetivo como a felicidade. Tudo mudou quando um bom amigo, colega e mentor morreu de cancro aos 49 anos — idade com que também morreu a minha mãe — e aos 33 dei por mim a pensar o que faria da minha vida se só vivesse mais 16 anos. Dois meses depois, despedi-me e fundei o Happiness Research Institute. Esta viria a ser a melhor decisão da minha carreira.
Como se consegue perceber quão feliz uma pessoa é?
Nós perguntamos às pessoas diretamente quão felizes se sentem na sua vida. O problema de medir a felicidade é que é um fenómeno muito subjetivo. O que a felicidade é para si pode não ser o que é para mim. É um tema complexo e tentamos considerar vários elementos, tal como na economia se avalia o crescimento, emprego e inflação. São eles a satisfação com a vida (acha que tem uma boa vida?), as emoções que vivemos no dia-a-dia (quão feliz está hoje?) e a razão pela qual vive. Julgamentos subjetivos que complementam elementos objetivos como a saúde, educação e salário. Idealmente acompanhamos as pessoas durante algum tempo à medida que as circunstâncias da sua vida mudam: é promovido, casa-se, tem filhos, é despedido, aumentam-lhe o salário ou muda de casa. De seguida, analisa-se como é que essas mudanças de circunstâncias afetam os níveis de felicidade de uma pessoa.
Porque é que algumas pessoas são mais felizes do que outras?
Essa é uma das três perguntas básicas que tento responder na minha profissão. Quando as conseguir responder, daqui a 30 ou 40 anos, posso reformar-me e mudar-me para Portugal. [risos] Eu gosto de pensar na felicidade da mesma forma que olhamos para a saúde. A felicidade também é afetada pela nossa herança genética (há pessoas que nascem mais felizes do que outras) e pela sociedade em que nascemos (do nível de poluição à dieta alimentar). E não podemos fazer nada em relação a isso. Mas há escolhas do dia-a-dia que afetam a nossa felicidade. Por exemplo: não beber, fazer exercício físico e não comer ou beber demasiado podem ter benefícios a longo prazo.
94º lugar
Segundo o relatório anual da Organização das Nações Unidas de 2016, Portugal é considerado o 94º país mais feliz do mundo numa lista total de 157. Estamos atrás de países como o Paquistão, Hungria, Sérvia e China e à frente do Afeganistão, Síria e Burundi, que ocupam os últimos lugares da lista.
Olhando para a tabela, Portugal é um dos países menos felizes do mundo e aquele com mais consumo de antidepressivos do que a maioria. Acha que os portugueses têm razões para serem infelizes?
Penso que todos os países e todas as pessoas têm razões para serem infelizes. De facto, segundo o relatório anual da Organização das Nações Unidas de 2016, Portugal é o 94º país mais feliz do mundo numa lista de 157. Acho que a razão pelo qual Portugal está numa posição mais baixa do que as expetativas — em relação ao desenvolvimento da economia social do país — se explica pela tendência de comparar a nossa situação com a dos outros. Por exemplo, a satisfação com o seu salário depende não só de quanto ganha mas de quanto ganham os seus amigos e família — se, por hora, ganhar oito euros e toda a gente ganhar 10, vai sentir-se menos feliz do que se ganhar cinco euros e os outros três.
No caso de Portugal, quando os dados para o relatório de 2016 foram recolhidos, os portugueses tinham acabado de viver uma altura muito boa e as coisas estavam a piorar consideravelmente por causa da crise económica. As pessoas tiveram isso em consideração e compararam a melhor vida que já viveram com a pior. Prova disso é a Grécia, um dos países cuja posição mais decresceu entre o primeiro relatório anual, em 2012, e o último em 2016. Tal não significa que são tão infelizes quanto a Síria mas significa que compararam o melhor cenário com o pior. E quando lhes perguntaram: “imagine a melhor vida que pode ter e a pior vida que pode ter, onde está agora numa escala de 1 a 10?”, responderam com uma comparação em mente.
E pensa que os portugueses estão cada vez mais felizes?
Neste momento, parece que há um sentimento de otimismo no país. No futuro, Portugal poderá ser um dos países mais felizes do mundo. Não encontro nenhuma razão para não o ser. Acredito que alguns valores partilhados pelos portugueses conduzem à felicidade porque realçam a formação de relações sociais de proximidade com família e amigos. Ah, e também acho que os dinamarqueses e os portugueses têm em comum o facto de serem pessoas relaxadas e talvez menos competitivas do que na Coreia do Sul ou nos Estados Unidos. Não vejo razões por que Portugal, a longo prazo, não possa estar mais próximo dos países mais felizes do mundo.
Já a Dinamarca é o país mais feliz do mundo mas tem uma taxa de suicídio e uma taxa de divórcio muito alta. Porquê?
Claro que nem toda a gente na Dinamarca é feliz. Faz sentido, claro, que o país mais feliz do mundo tenha uma baixíssima taxa de suicídio mas há uma razão para cerca de 600 dinamarqueses se suicidarem todos os anos: é mais difícil ser infeliz numa sociedade que é feliz. Temos a tendência de nos compararmos constantemente com outros e se nos sentirmos miseráveis ao mesmo tempo que estamos rodeados de pessoas realizadas, o contraste é maior. Por exemplo, um estudo realizado pelo Happiness Research Institute entre mil dinamarqueses concluiu que as pessoas quando não vão ao Facebook durante uma semana, registam um aumento dos níveis de satisfação com a vida.
No que toca à taxa de divórcio, é verdade que é alta e em muitos aspetos não é um aspeto positivo. No entanto, as mulheres na Dinamarca são muito independentes financeiramente, o que lhes dá a possibilidade de deixar os maridos se elas assim o quiserem. O divórcio tem um impacto negativo no humor e na satisfação com a vida mas um casamento infeliz também o vai deixar miserável. Tal como ir ao Facebook [risos].
Isso quer dizer que a felicidade das outras pessoas pode ter um impacto negativo na nossa felicidade?
Sim, sem dúvida. O quanto nos preocupamos com a nossa posição na hierarquia social é um dos padrões mais consistentes no estudo da felicidade. As pessoas preocupam-se com o seu salário relativo e não com o seu salário absoluto. Isto é, elas preferem ganhar 50 euros enquanto todos ganham 25, do que 100 euros numa sociedade em que todos ganham 200. Não nos preocupamos com o nosso poder de compra mas com a nossa posição na hierarquia social. E é por isso que as redes sociais podem ser tão prejudiciais, porque são um constante lembrete das boas notícias que estão a acontecer… na vida dos outros. De todas as vezes que entro no Facebook, alguém se está a casar, alguém está a ser promovido e alguém se está a mudar para Portugal [risos]. E é um contraste muito forte para ser usado para comparar a sua vida.
Dicionário "Hygge"
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Sondagshygge – Dia calmo com chá, livros, música, mantas e talvez um passeio ao ar livro se quisermos espairecer.
Fredagshygge – Hygge que se tem às sextas-feiras ou ao domingo após uma longa semana.
Hyggekrog – O recanto da cozinha ou da sala onde uma pessoa se pode sentar e passar um momento hyggelig.
Hyggesnak – Conversa de circunstância ou agradável que não toca em assuntos controversos.
Qual é o segredo dos dinamarqueses para serem tão felizes, mesmo com apenas quatro horas de luz diurna no inverno e temperaturas negativas?
Além do clima horrível, os dinamarqueses também estão sujeitos a uma das cargas fiscais mais elevadas do globo. Mas a chave para compreender o elevado nível de bem-estar na Dinamarca é a capacidade de o modelo Estado-providência reduzir o risco, incerteza, ansiedade de prevenir a infelicidade extrema. Todavia, há um ingrediente que tem passado despercebido na receita dinamarquesa para a felicidade: o hygge. Um conceito dinamarquês que não tem tradução direta [tal como a palavra portuguesa saudade] e é um estilo de vida.
Citando Winnie the Pooh, o conceito não é para soletrar, é para sentir. Trata-se de experiências em vez de coisas. Desde, por exemplo, passar uma tarde preguiçosa a aproveitar o bom tempo ou ter uma conversa infindável sobre as pequenas ou as grandes coisas da vida com amigos. Não há melhor maneira de sentir o que é o hygge do que aninhados no sofá com alguém que amamos, a partilhar com o nosso melhor amigo aquela comida que nos conforta ou ao acordar com a primeira luz de uma manhã de céu limpo. Chama-se o manifesto hygge.
Como é que podemos ser mais felizes?
Há pequenas mudanças, segundo o estilo de vida dinamarquês, que nos podem tornar mais felizes. Desde a iluminação certa, ao planeamento de um jantar, à criação de um estojo de emergência hygge ou até à forma correta de se vestir. Por exemplo, não há maneira mais rápida de criar hygge do que acender velas (orgânicas e sem perfume). Os dinamarqueses são obcecados por ambientes acolhedores e a luz é essencial. É uma espécie de conforto emocional. Aliás, a Dinamarca consome mais velas per capita do que qualquer outro país da Europa. O mesmo com a iluminação: quanto mais baixa for a temperatura da lâmpada, mais hygge. Pretende-se criar nichos de luz em toda a sala e as luzes brancas são proibidas. Uma obsessão com a luz que vem da falta de contacto com ela no mundo natural de outubro a março (temos apenas quatro horas de luz diurna no Inverno).
O hygge é algo que é bom e que sabe bem, portanto, se isso implicar que queremos comer bolo, pois vamos comer bolo. (O Livro do Hygge, p. 83)
Mas melhor indicador da nossa felicidade são as nossas relações sociais. O contacto físico — quando alguém nos põe a mão no ombro, nos dá um beijo ou nos faz uma festa no rosto — liberta a neuro-hormona chamada oxitocina, que nos faz felizes e reduz o stress, o medo e a dor. Logo, boa comida, velas, lareiras e mantas devem ser companheiros constantes. Quanto mais satisfeitas estiverem com as suas relações sociais, mais felizes estão as pessoas — o que é frustrante de admitir enquanto investigador, porque não é nenhuma novidade.
Relativamente à forma correta de vestir, a moda dinamarquesa é funcional e minimalista. No entanto, o importante é aprender a comprar, ou seja, a ligar aquisições a experiências positivas que relembrem uma concretização pessoal importante. No fundo, o hygge pode ajudar-nos a estar gratos pelo dia-a-dia porque implica saborear prazeres simples. O hygge é tirar o melhor partido do momento se o fizermos sem culpa mas também é organizar e conservar a felicidade. Nós dinamarqueses organizamos momentos hygge e depois sabemos recordá-los porque usamos o substantivo como verbo. “Isto podia ser mais hygge?”, perguntamos várias vezes. O hygge é o indicador de desempenho na maioria das ocasiões sociais na Dinamarca.
E o mundo, está mais ou menos feliz?
Quando olhamos para o último relatório anual da Organização das Nações Unidas, percebemos que as pessoas sentem-se mais felizes desde 2012. No entanto, o último ano trouxe muitas más notícias como o Brexit e a eleição de Donald Trump, que podem diminuir o nível de felicidade a nível mundial. No entanto, também aconteceram coisas boas como a organização do primeiro acordo universal contra as alterações climáticas. Vão sempre existir obstáculos mas, regra geral, estamos a caminhar para um mundo cada vez mais feliz.