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O Papa Francisco em Fátima em 2017
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O Papa Francisco em Fátima em 2017

HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR

O Papa Francisco em Fátima em 2017

HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR

Portugal recebe o Papa pela sétima vez na história. Recorde as viagens de Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI e Francisco

Paulo VI foi o primeiro Papa a visitar Portugal; João Paulo II correu o país de norte a sul. Bento XVI e Francisco também já cá vieram. Recorde as seis viagens papais da história do país.

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É a sétima vez na história de Portugal que o Papa da Igreja Católica visita o território português. A viagem do Papa Francisco a Portugal este verão acontece por ocasião da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) — uma enorme reunião de jovens católicos que acontece periodicamente num país diferente desde que a iniciativa foi lançada, pelo Papa João Paulo II, na década de 1980. Considerado o maior evento católico do mundo, a JMJ 2023 deverá trazer a Portugal perto de 1,5 milhões de jovens para um evento de uma semana com múltiplas facetas, das quais o encontro com o Papa Francisco será o ponto alto.

Para o país anfitrião, a JMJ é também a oportunidade de receber a visita do líder da Igreja Católica, que terá um programa paralelo ao do evento dos jovens.

No caso português, receber um Papa não é uma novidade: ao longo das últimas cinco décadas, Portugal recebeu seis visitas de quatro papas diferentes. Ainda assim, esta visita do Papa Francisco reveste-se de uma novidade central: pela primeira vez, um Papa visita Portugal sem ser por ocasião das celebrações de 13 de maio e, também pela primeira vez, o centro da viagem papal ao país não será o Santuário de Fátima. É certo que o Papa já fez saber que pretende visitar Fátima durante a sua estada de quatro dias em Portugal, mas vai fazê-lo numa curta deslocação de helicóptero, que durará poucas horas. Desta vez, o centro das atenções não será o “altar do mundo”, mas a cidade de Lisboa, onde decorrem os eventos da JMJ.

No passado, o Santuário de Fátima foi o centro de seis viagens papais a Portugal: Paulo VI visitou Fátima numa visita-relâmpago em 1967, por ocasião dos 50 anos das aparições, e a viagem durou menos de 24 horas devido à tensão entre o Estado Novo e a Igreja naquela época; já João Paulo II visitaria Portugal três vezes, correndo o país de norte a sul, mas sempre com o Santuário de Fátima no centro das suas viagens, devido à íntima relação entre o Papa polaco, as profecias de Fátima e o atentado que João Paulo II sofreu em 1981 no Vaticano; Bento XVI, por seu turno, viria a Portugal uma única vez, passando por Lisboa, Fátima e Porto; e o Papa Francisco também já esteve em Fátima, em 2017, para assinalar o centenário das aparições e para canonizar os pastorinhos Francisco e Jacinta.

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Numa altura em que Portugal se prepara para receber a sétima visita papal da história, o Observador recorda os seis momentos em que o líder da Igreja Católica esteve no país.

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Em 1982, o Papa João Paulo II esteve em Portugal pela primeira vez, para agradecer, em Fátima, por ser ter salvado no atentado que sofreu no Vaticano em 1981
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O Papa Bento XVI durante a missa que celebrou no Terreiro do Paço, em Lisboa, em maio de 2010
Steven Governo / Global Imagens
O Papa Francisco visitou o Santuário de Fátima em maio de 2017, no centenário das aparições de Fátima
HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR

Paulo VI (1967). Uma visita-relâmpago em momento de tensão com o regime

Antes do Concílio Vaticano II, no início da década de 1960, era raríssimo o Papa sair de Roma. Foi o Papa Paulo VI, depois do concílio que transformou a Igreja para os tempos modernos, quem popularizou o conceito de viagem apostólica, deslocando-se frequentemente de avião e visitando os fiéis católicos nos cinco continentes. Paulo VI foi também o primeiro Papa a visitar o território português: aconteceu numa viagem relâmpago, no dia 13 de maio de 1967, quando se assinalavam os 50 anos das aparições de Fátima. A primeira deslocação de um Papa ao território português atraiu centenas de milhares de peregrinos a Fátima, como mostram os relatos da imprensa da época.

Dois dias antes daquela visita envolta em controvérsia, a primeira página do Diário de Lisboa já dava conta de como “a grande escalada da serra de Aire para a peregrinação” começava a ganhar dimensão. “As estradas e caminhos que conduzem ao Santuário estão enxameados de rostos denunciando a fadiga por uma caminhada que começou há muitos dias, em alguns casos há semanas mesmo — no Minho, em Trás-os-Montes, nas Beiras, no Alentejo, na Estremadura e no Ribatejo”, escreviam os enviados especiais do jornal a Fátima.

“Na sua maioria são gentes humildes das aldeias, que palmilharam dezenas ou centenas de quilómetros para assistir à grande peregrinação comemorativa do 50.º aniversário das aparições da Virgem aos pastorinhos e, também, para ver o Papa. Deixaram os campos, as fábricas, a faina da pesca, a fim de cumprirem promessas feitas em momentos de ansiedade e de dor”, lia-se ainda no jornal. No dia seguinte à visita-relâmpago de Paulo VI a Fátima, a descrição que surge na primeira página do Diário de Lisboa ajudaria a compreender a dimensão da peregrinação, com um relato do regresso em massa de milhares de peregrinos à capital: “Ontem, Lisboa era uma cidade quase deserta. Hoje, voltou a animar-se. E a presença dos que regressam de Fátima é notória. Sobretudo naquelas zonas onde costumam estacionar as camionetas, e cujos parques já estão repletos.”

Apesar da enorme mobilização popular para ver Paulo VI no Santuário de Fátima, a verdade é que a deslocação do Papa a Portugal aconteceu num momento de crise nas relações entre o Portugal do Estado Novo e a Igreja Católica — e Salazar não queria que Paulo VI visitasse o país, tendo até ameaçado recusar o visto ao Papa.

Apenas quatro anos antes, em 1964, Paulo VI tinha viajado até Bombaim, na Índia, para participar no Congresso Eucarístico Internacional — o que causou grande fúria no regime português, uma vez que a visita de Paulo VI à Índia foi vista como uma legitimação da invasão indiana de Goa, em 1961, ainda que o Vaticano tenha enfatizado o carácter estritamente religioso da deslocação a Bombaim. Por outro lado, naquela altura o regime vivia também um momento de tensão com a Igreja a propósito do então bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, exilado após entrar em rota de colisão com Salazar.

Neste contexto de tensão, a viagem de Paulo VI a Portugal não teve o carácter de visita de Estado. Formalmente, o Papa foi convidado do bispo de Leiria-Fátima (e não do Estado português) e nem sequer aterrou no aeroporto de Lisboa, mas sim na base aérea de Monte Real — ainda que, depois, Paulo VI tenha tido encontros com as autoridades civis portuguesas, incluindo com o próprio Salazar, no Santuário de Fátima. É que, apesar da tensão, a viagem aconteceu mesmo e o regime procurou usá-la para beneficiar a sua imagem, alimentando a ideia de um país devoto e associando o apoio popular ao Papa a um apoio ao próprio regime.

Paulo VI pisou solo português às 9h53 do dia 13 de maio de 1967, depois de um voo de três horas desde Roma a bordo de um avião da TAP, o “Caravela”. Segundo o relato feito pelo padre José Galamba de Oliveira no jornal A Voz da Fátima, o Papa foi recebido no aeródromo pelo Presidente da República, Américo Tomás, pelo presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, “outras altas individualidades civis e militares, D. João Pereira Venâncio, bispo de Leiria e o Núncio Apostólico e muito povo, especialmente das povoações vizinhas”.

Após uma saudação de boas-vindas da parte de Américo Tomás, Paulo VI proferiu o seu primeiro discurso em solo português, evocando o período dos descobrimentos: “É com a maior satisfação que pisamos o solo português. Desta abençoada ‘Terra de Santa Maria’ partiu, no passado, para as regiões mais remotas do mundo, uma generosa plêiade de arautos do Evangelho. Para ela conflui, no presente, de toda a parte, uma piedosa multidão de peregrinos.” Paulo VI apresentou-se também como “peregrino”, para “render homenagem filial à excelsa Mãe de Deus, na Cova da Iria”. A receção “não se revestiu de qualquer solenidade” e estava terminada em “cerca de quinze minutos”, como escreveu o Diário de Lisboa.

De Monte Real, Paulo VI seguiu num grande cortejo automóvel até Fátima, com milhares de fiéis pelas bermas das estradas à espera de o saudar. Pelo meio, o Papa parou na cidade de Leiria, onde fica a sede da diocese, para receber do presidente da câmara as chaves da cidade, antes de chegar à Cova da Iria e receber aquela que A Voz da Fátima classificou como “a mais extraordinária ovação que o Santo Padre jamais recebeu”.

Na manhã daquele sábado, Paulo VI presidiu à celebração da missa no Santuário de Fátima — e, durante a homilia, não falou dos 50 anos das aparições de Fátima, mas das tensões que se viviam dentro da Igreja Católica naquele período, quando a Igreja ainda se debatia com as transformações do Concílio Vaticano II, ocorrido no início da década.

O Papa lembrou como o concílio “despertou muitas energias no seio da Igreja” e “abriu perspetivas mais largas no campo da sua doutrina”, mas deixou um aviso ao mundo: o aggiornamento promovido pelo concílio, ou seja, a proposta da Igreja para o mundo contemporâneo, não podia dar lugar a “uma interpretação arbitrária” com o risco de transformar “este renascimento espiritual numa inquietação que desagregasse a sua estrutura tradicional e constitucional, que substituísse a teologia dos verdadeiros e grandes mestres por ideologias novas e particulares que visam a eliminar da norma da fé tudo aquilo que o pensamento moderno, muitas vezes falto de luz racional, não compreende e não aceita”.

Paulo VI também não esqueceu que a sua viagem acontecia num momento complexo da história mundial, em plena Guerra Fria, pouco tempo depois da crise dos mísseis de Cuba. A partir do altar de Fátima, o Papa lamentou a “dificuldade que [o mundo] encontra em estabelecer a concórdia, em conseguir a paz”.

“Tudo parece impelir o mundo para a fraternidade, para a unidade; no entanto, no seio da humanidade, descobrimos ainda tremendos e contínuos conflitos. Dois motivos principais tornam, por isso, grave esta situação histórica da humanidade: ela, possui um grande arsenal de armas terrivelmente mortíferas, mas o progresso moral não iguala o progresso científico e técnico”, disse o Papa, lançando um apelo global à paz: “Homens, não penseis em projectos de destruição e de morte, de revolução e de violência; pensai em projectos de conforto comum e de colaboração solidária. Homens, pensai na gravidade e na grandeza desta hora, que pode ser decisiva para a história da geração presente e futura; e recomeçai a aproximar-vos uns dos outros com intenções de construir um mundo novo.”

No final da missa, o Papa encontrou-se com a irmã Lúcia — a única sobrevivente entre os três pastorinhos —, a autora dos manuscritos com o célebre “segredo de Fátima”, cuja terceira parte, cuidadosamente arquivada no Vaticano, só viria a ser revelada publicamente em 2000. Na mesma ocasião, Paulo VI benzeu a primeira pedra do futuro Colégio Português em Roma e ainda saudou os doentes presentes no santuário. Depois, recolheu-se na Casa de Retiros de Nossa Senhora do Carmo, na lateral do santuário, onde almoçou e dedicou a tarde a um conjunto de audiências — incluindo com o Presidente da República e com o próprio Salazar.

Ao fim da tarde, após cerca de dez horas em território português, Paulo VI já estava de novo em Monte Real a embarcar num avião com destino a Roma. Descrevendo a curta deslocação a Fátima como uma “breve, mas inesquecível peregrinação”, Paulo VI deu primazia aos bispos no seu discurso de agradecimento, mas também mencionou o Estado, apesar da tensão que envolvera a viagem, agradecendo às autoridades civis “por terem facilitado a perfeita realização” do seu “propósito de vir a Fátima rezar pela paz”.

Em Fátima terão estado mais de um milhão de pessoas, segundo escreveu na época o Diário de Lisboa, lembrando como milhares de peregrinos ficaram “nas ruas adjacentes ao recinto do Santuário”, que registou “a maior afluência de sempre”, e acabaram por não conseguir ver o Papa.

João Paulo II (1982, 1991 e 2000). Um atentado e uma profecia sobre o Papa que correu Portugal de norte a sul

De todos os Papas até hoje, João Paulo II foi sem dúvida aquele que teve uma relação de maior proximidade com Portugal — e especialmente com Fátima. O Papa polaco visitou o país três vezes e percorreu-o de norte a sul, passando não só por Lisboa e Fátima, mas também por Coimbra, Braga, Porto, Vila Viçosa, Açores e Madeira. Na sua primeira deslocação a Portugal, em Fátima, foi alvo de uma tentativa de homicídio, que evocou o atentado à bala que sofrera um ano antes na Praça de São Pedro — ataque esse que lançou a tese de que a terceira parte do segredo de Fátima, redigido pela irmã Lúcia com base no seu relato das aparições de 1917, continha uma mensagem profética relacionada com o pontificado de João Paulo II e o combate contra o comunismo na Europa, e abriu as portas à sua revelação.

Foi, aliás, sob o consulado de João Paulo II que, em 13 de maio de 2000, na sua última visita a Portugal, a terceira parte do segredo de Fátima foi finalmente revelada publicamente. Considerado por muitos o “Papa de Fátima”, João Paulo II desenvolveu uma relação muito próxima com a realidade do Santuário de Fátima e com o catolicismo em Portugal, muito centrado na devoção a Nossa Senhora — uma relação que começou a desenvolver-se justamente no dia 13 de maio de 1981, quando o mercenário turco Mehmet Ali Ağca tentou assassinar o Papa a tiro quando João Paulo II percorria a Praça de São Pedro no papamóvel.

Golpe soviético ou profecia de Fátima? Atentado contra João Paulo II foi há 40 anos

A data simbólica do atentado levou João Paulo II a pensar imediatamente em Fátima. Logo depois do ataque, o Papa polaco assegurou que tinha sido a mão invisível de Maria a desviar o projétil e a salvar-lhe a vida. “Poderia esquecer que o acontecimento na Praça de São Pedro se realizou no dia e na hora, em que, há mais de 60 anos, se recorda em Fátima, em Portugal, a primeira aparição da Mãe de Cristo aos pobres e pequenos camponeses?”, disse numa audiência no Vaticano. “Porque, em tudo aquilo que sucedeu exatamente nesse dia, notei aquela extraordinária proteção maternal e solicitude, que se mostrou mais forte do que o projétil mortífero.”

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O Papa João Paulo II, percorrendo as ruas de Lisboa no mesmo Rolls Royce que antes tinha transportado a Rainha Isabel II e o Papa Paulo VI nas visitas a Portugal

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A recuperar do atentado, e incapaz de largar a ideia de que não tinha sido por acaso que o atentado acontecera no dia 13 de maio, João Paulo II pediu para consultar um dos documentos mais bem guardados do arquivo do Santo Ofício: o pequeno envelope onde estava o manuscrito em que, em 1944, a irmã Lúcia descrevia o segredo que lhe havia sido confiado por Maria durante as aparições de 1917. Esse texto, conservado desde a década de 1950 no Vaticano, já tinha sido lido pelos papas João XXIII e Paulo VI, que tinham decidido mantê-lo guardado enquanto não era possível descortinar o seu sentido.

As duas primeiras partes do segredo de Fátima (a visão do inferno e o apelo para a consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria) já eram conhecidas. Mas a terceira parte tinha continuado oculta durante décadas. No texto, a irmã Lúcia explica que Maria mostrou aos três pastorinhos um cenário tenebroso em que um “bispo vestido de branco” subia uma montanha, seguido por bispos, padres e fiéis até chegar ao topo do monte, onde estava uma grande cruz e onde o bispo de branco foi morto por soldados. De imediato, as três crianças compreenderam que a visão poderia dizer respeito ao Papa — mas a hierarquia da Igreja conservou o texto da irmã Lúcia escondido durante décadas.

O segredo de Fátima foi sempre interpretado à luz da realidade da Europa no século XX, marcada pela revolução russa de 1917 (justamente o ano das aparições), a I Guerra Mundial, a ascensão do comunismo anti-clerical e o posicionamento da Igreja Católica contra a ideologia comunista. Contudo, a terceira parte do segredo continuava um mistério. Depois do atentado, João Paulo II — o primeiro Papa oriundo do leste europeu — não teve dúvidas em reconhecer-se no “bispo vestido de branco”, que liderava a Igreja em sofrimento no mundo contemporâneo. Até ao final da sua vida, João Paulo II repetiria múltiplas vezes que só sobreviveu graças à mão protetora de Nossa Senhora de Fátima — e lançaria as bases para uma discussão teológica sobre a terceira parte do segredo de Fátima e a sua relação profética com os acontecimentos da segunda metade do século, especialmente a queda do muro de Berlim e o colapso da União Soviética.

Exatamente um ano depois do atentado, João Paulo II quis visitar Fátima para agradecer a sua sobrevivência.

Fê-lo numa viagem de quatro dias, entre 12 e 15 de maio de 1982, que apesar do foco em Fátima cobriu Portugal do Alentejo ao Minho. “Estou em Portugal, a realizar um sonho há muito acalentado, como homem da Igreja e desejoso de conhecer Fátima diretamente”, disse João Paulo II logo após aterrar no aeroporto de Lisboa e de beijar o solo português, como sempre fazia ao chegar a um novo país. “Levo no coração o cântico de ação de graças de Nossa Senhora, por Deus me ter salvado a vida, aquando do atentado sofrido, a 13 de maio do ano passado.”

Nessa mesma noite de 12 de maio, o Papa João Paulo II seguiu para Fátima, onde pela primeira vez entrou na Capelinha das Aparições para agradecer a proteção no atentado e participou na tradicional procissão das velas. “Desde há muito que eu tencionava vir a Fátima”, disse, perante a multidão em Fátima. “Mas, desde que se deu o conhecido atentado na Praça de São Pedro, há um ano atrás, ao tomar consciência, o meu pensamento voltou-se imediatamente para este Santuário, para depor no coração da Mãe celeste o meu agradecimento, por me ter salvado do perigo.”

Minutos depois, contudo, o perigo voltaria a espreitar. João Paulo II estava já integrado na procissão, de vela na mão, subindo as escadas que conduzem ao altar-mor do recinto do Santuário de Fátima, quando um enorme aparato se gerou em torno dele: munido de uma baioneta, um padre tentou aproximar-se do Papa para o assassinar. Embora tenha sido imediatamente detido pelas autoridades, o atacante ainda conseguiu provocar um ferimento ligeiro no Papa — que continuou a celebração sem perturbações. Mais tarde, viria a perceber-se que o atacante tinha sido o padre espanhol Juan Fernández Krohn, um sacerdote fundamentalista ligado ao movimento cismático do arcebispo Marcel Lefebvre.

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O padre espanhol Juan Fernández Krohn foi detido pela polícia no momento em que tentava assassinar João Paulo II em Fátima

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Ainda em Fátima, perante os bispos portugueses, João Paulo II observou um Portugal em “momento de transição”, ainda nos primeiros anos em democracia. “Admiro neste Portugal, desejoso de ser uma Nação moderna, inserida na Europa contemporânea, a interessante coexistência de características tradicionais, enraizadas numa história muito antiga e rica de tradições, com outras características dependentes da abertura para o futuro”, disse o Papa, reconhecendo como em Portugal o fervor religioso da generalidade da população contrastava com a difusão do “secularismo” e de um “certo humanismo sem Deus” sobretudo nos “meios intelectuais, universitários e de largas faixas da juventude”.

A primeira viagem de João Paulo II a Portugal passaria ainda por Vila Viçosa, onde, numa missa para os agricultores e camponeses no Santuário de Nossa Senhora da Conceição, o Papa falou do “salário justo” para os trabalhadores do campo; por Lisboa, onde celebrou uma missa para os jovens; por Coimbra, onde se encontrou com os professores e estudantes da universidade; por Braga, onde celebrou uma missa para as famílias no santuário do Sameiro; e ainda pelo Porto, onde discursou na Avenida dos Aliados, numa intervenção dirigida aos trabalhadores.

O Papa polaco ainda viajaria para Portugal mais duas vezes, em 1991 e em 2000. Antes disso, em março de 1983, passou por Lisboa rapidamente, quando o avião papal teve de fazer uma escala técnica na sua viagem de uma semana à América Central. O tempo que esteve na capital portuguesa foi suficiente, ainda assim, para um encontro com o Presidente da República, Ramalho Eanes, e para um discurso perante as autoridades civis e eclesiásticas.

Quando esteve em Fátima em 13 de maio de 1982, o Papa João Paulo II tinha consagrado a Rússia e o mundo inteiro ao Imaculado Coração de Maria — seguindo aquele que teria sido o pedido feito por Maria aos três pastorinhos durante as aparições de 1917. Segundo as memórias da irmã Lúcia, Nossa Senhora teria formulado o pedido da seguinte maneira: “Para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia a Meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a Meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja; os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas, por fim o Meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-Me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz.”

O Papa João Paulo II, que a Igreja acredita estar ligado à profecia de Fátima, esteve três vezes em Portugal e conversou várias vezes com a irmã Lúcia

AFP/Getty Images

A Igreja interpretou a profecia de Fátima como um sinal de que a consagração da Rússia conduziria ao fim do comunismo na Europa — mas, segundo as memórias da irmã Lúcia, essa consagração só corresponderia ao pedido feito aos pastorinhos se fosse feita em união com os bispos de todo o mundo. Por isso, em março de 1984, João Paulo II voltou a fazer a consagração da Rússia, desta vez na Praça de São Pedro, mas perante a imagem trazida de propósito da Capelinha das Aparições. Ainda hoje, a Igreja Católica encontra uma relação entre a profecia de Fátima, o ato litúrgico de João Paulo II e os acontecimentos históricos dos anos seguintes: a eleição de Gorbachev em 1985, a queda do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética, em 1991. De resto, um grande pedaço do Muro de Berlim é ainda hoje conservado no Santuário de Fátima como memória da relação entre a mensagem de Fátima e a queda do comunismo na Europa.

João Paulo II regressou a Portugal noutro ano decisivo para a história recente da Europa: 1991, o ano em que se deu a dissolução da União Soviética. A 13 de maio de 1991, ainda faltavam cerca de sete meses para que se concretizasse a dissolução da URSS, mas, no altar-mor do recinto do Santuário de Fátima, o então bispo de Leiria-Fátima, D. Alberto Cosme do Amaral, já deixava um agradecimento público a João Paulo II pelas mudanças históricas que o planeta atravessava: “Santíssimo Padre. Muito obrigado pelo transcendente papel que tendes desempenhado nesta viragem histórica do mundo.”

Perante cerca de um milhão de fiéis reunidos em Fátima, refletiu sobre as complexidades do século XX, no qual se refletiu “a história do homem, que é simultaneamente a história do pecado e do sofrimento”. “Nestes homens do século XX, revelou-se com igual grandeza, quer a sua capacidade de subjugar a Terra, quer a sua liberdade de fugir ao mandamento de Deus e de o negar, como herança do seu pecado”, disse, garantindo que “o Santuário de Fátima é um lugar privilegiado”, destacando a importância da mensagem de Fátima “para a época que estamos a viver” e perspetivando já o alvorecer no Cristianismo no terceiro milénio, que se avizinhava, como um novo tempo, depois dos conflitos do século XX.

Antes de ir a Fátima, João Paulo II tinha também passado pelas regiões autónomas portuguesas. Na Praça de Toiros da ilha Terceira, nos Açores, deixou críticas à “mentalidade individualista” que ganhava terreno na sociedade contemporânea; em São Miguel, no Campo de S. Francisco, no centro da cidade de Ponta Delgada, João Paulo II dirigiu uma homilia aos jovens açorianos, alertando-os para as “grandiosas propostas” do mundo moderno, que “terminam em coisa nenhuma”; no dia seguinte, João Paulo II foi à ilha da Madeira para, no Estádio dos Barreiros, no Funchal, aproveitar o cenário turístico e elogiar a evolução civilizacional que permite aos trabalhadores o descanso do tempo livre.

A última passagem de João Paulo II por Portugal aconteceu no ano 2000, às portas do novo milénio, já com o Papa polaco fortemente debilitado. Ao contrário das duas primeiras viagens do Papa a Portugal, a última não foi um grande itinerário pelo país. Pelo contrário, tratou-se de uma viagem de cerca de 24 horas, com um único destino: Fátima — para presidir à celebração de beatificação dos pastorinhos Francisco e Jacinta.

Na celebração em que Francisco e Jacinta foram elevados aos altares, João Paulo II voltou a evocar o atentado que sofreu em 1981 (e cuja bala foi, entretanto, oferecida ao Santuário de Fátima, encontrando-se ainda hoje encastoada na coroa preciosa colocada na imagem de Nossa Senhora de Fátima) e associou-se à dor das vítimas do “último século do segundo milénio”, lembrando “os horrores da primeira e segunda Grande Guerra e doutras mais em tantas partes do mundo, os campos de concentração e extermínio, os gulags, as limpezas étnicas e as perseguições, o terrorismo, os raptos de pessoas, a droga, os atentados contra os nascituros e a família”.

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Na última visita a Portugal, em 2000, o Papa João Paulo II estava já visivelmente debilitado

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No final da missa, o então secretário de Estado da Santa Sé, o cardeal italiano Angelo Sodano, tomou palavra para fazer um anúncio: mais de cinco décadas depois de a irmã Lúcia ter redigido, à mão, a terceira parte do segredo de Fátima, o texto, conservado durante anos nos arquivos secretos do Vaticano, seria finalmente revelado. Sodano classificou o texto de Lúcia como “uma visão profética comparável às da Sagrada Escritura, que não descrevem de forma fotográfica os detalhes dos acontecimentos futuros, mas sintetizam e condensam sobre a mesma linha de fundo factos que se prolongam no tempo numa sucessão e duração não especificadas”.

O cardeal lembrou o atentado de 1981 contra o Papa João Paulo II e os acontecimentos históricos que se seguiram, incluindo a queda do Muro de Berlim, as múltiplas revoluções no leste europeu e o colapso da União Soviética, sublinhando a “queda do regime comunista que propugnava o ateísmo”. Finalmente, à luz dos acontecimentos da segunda metade do século XX, era possível compreender a total extensão da mensagem profética de Fátima — pelo que o texto foi integralmente revelado, acompanhado de um pormenorizado comentário teológico, assinado pelo cardeal Joseph Ratzinger, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e posteriormente Papa Bento XVI.

João Paulo II morreria em abril de 2005, aos 84 anos e após um dos pontificados mais longos da história da Igreja. Passou três vezes por Portugal e ficou conhecido como o “Papa de Fátima”. Em 2011, foi beatificado; três anos depois, foi canonizado. Foi ele quem, em 1985, deu início à tradição da Jornada Mundial da Juventude, que este ano traz o Papa Francisco a Portugal.

Bento XVI (2010). A visita do Papa que decifrou a teologia do fenómeno de Fátima

A sucessão ocorrida em 2005 no trono pontifício marcou um período de grande contraste na Igreja Católica. Ao longo pontificado do ultra-carismático João Paulo II, cuja canonização os fiéis exigiram ainda durante o funeral, seguiu-se um muito mais discreto Bento XVI — o brilhante teólogo alemão que nas duas décadas anteriores tinha liderado a poderosa Congregação para a Doutrina da Fé, no Vaticano. Ao contrário de João Paulo II, Bento XVI era essencialmente um intelectual, um académico, apontado como um conservador (apesar do enorme progressismo teológico que representou durante o século XX) e muito menos capaz de inspirar a devoção dos fiéis do que o seu antecessor.

Também na relação com Portugal, seria difícil superar o carinho dos portugueses pelo “Papa de Fátima”, João Paulo II.

Contudo, a verdade é que quando Ratzinger foi eleito para ocupar o trono de São Pedro, já trazia no currículo uma significativa relação com Portugal, especialmente através da sua ligação teológica ao fenómeno de Fátima. Em 1996, o cardeal Ratzinger tinha estado no Santuário de Fátima para presidir à peregrinação de 12 e 13 de outubro. Mas a grande relação de Ratzinger com Fátima prendia-se com a revelação da terceira parte do segredo de Fátima, em 2000. Foi ele quem, na qualidade de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, redigiu o comentário teológico sobre a mensagem de Fátima — sendo ele ainda hoje o responsável pela mais completa interpretação teológica, por parte da Igreja Católica, dos acontecimentos de Fátima em 1917.

Recentemente, a propósito da morte de Bento XVI, o bispo emérito de Leiria-Fátima, cardeal D. António Marto, lembrou como o texto do cardeal Ratzinger é o “melhor comentário teológico” alguma vez feito sobre as aparições de Fátima — um texto que “aprofundou a dimensão mística e profética da mensagem de Fátima”, dando-lhe um lugar de destaque na teologia católica contemporânea. Para Ratzinger era também muito claro que a mensagem de Fátima não se tinha esgotado na época em que foi dita, mas tinha uma “dimensão histórico-profética” que prolongava pela história do mundo, salientou Marto.

O Papa Bento XVI recebido por Cavaco Silva em Lisboa

António Simões / Global Imagens

Já depois da eleição pontifícia, o autor do principal texto teológico sobre o fenómeno de Fátima esteve em Portugal apenas uma vez: de 11 a 14 de maio de 2010, por ocasião do décimo aniversário da beatificação de Francisco e Jacinta.

Em 2010, Bento XVI visitou Lisboa, Fátima e Porto. Recorde aqui a viagem a Portugal

Novamente, como tinha acontecido com todas as viagens papais a Portugal até ao momento, o grande foco da visita foi o Santuário de Fátima — como o demonstra a escolha da data. No entanto, Bento XVI passou também por Lisboa e Porto, onde protagonizou duas celebrações para milhares de pessoas no Terreiro do Paço e na Avenida dos Aliados.

No avião que o levou de Roma até Lisboa, no dia 11 de maio de 2010, Bento XVI falou da sua “alegria” em ir a Fátima e salientou a relevância da mensagem de Fátima, que se dirige a “todo o mundo e toca a história precisamente no seu presente e ilumina esta história”. O teólogo Bento XVI ampliou a interpretação da mensagem de Fátima: a visão do “bispo vestido de branco” em sofrimento dizia respeito a João Paulo II “em primeira instância”, mas alarga-se também a “realidades do futuro da Igreja que se desenvolvem e se mostram paulatinamente”. Ou seja, o sofrimento do Papa contido naquela visão aponta para os “sofrimentos da Igreja que se anunciam”, oriundos tanto de ataques externos como de pecados internos, ao mesmo tempo que a mensagem de Fátima contém a resposta: não necessariamente as “devoções particulares”, mas a conversão permanente.

Aliás, foi justamente neste contexto, e naquela conversa com os jornalistas no avião até Lisboa, que Bento XVI proferiu uma das frases centrais do seu pontificado, numa altura em que a Igreja Católica se via submergida num oceano de escândalos sexuais depois da revelação dos relatórios sobre os abusos de menores na Irlanda: “Que a maior perseguição da Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado na Igreja, e que a Igreja, portanto, tem uma profunda necessidade de re-aprender a penitência, de aceitar a purificação, de aprender por um lado o perdão, mas também a necessidade de justiça. O perdão não substitui a justiça.”

Ainda no aeroporto de Lisboa, minutos depois de pisar solo português pela primeira vez como Papa, Bento XVI assumiu num discurso perante o Presidente Cavaco Silva e as autoridades civis e eclesiásticas que vinha a Portugal “como peregrino de Nossa Senhora de Fátima”, mas também deixou uma mensagem sobre a liberdade religiosa. Garantindo que “a Igreja está aberta a colaborar com quem não marginaliza nem privatiza a essencial consideração do sentido humano da vida”, Bento XVI sublinhou que “a viragem republicana, operada há cem anos em Portugal, abriu, na distinção entre Igreja e Estado, um espaço novo de liberdade para a Igreja” — e rejeitou a ideia de um “confronto ético entre um sistema laico e um sistema religioso”.

Bento XVI seguiu do aeroporto para o Palácio de Belém, onde foi recebido por Cavaco Silva e pelos seus filhos e netos, para um encontro formal que durou pouco mais de cinco minutos. Da passagem de Bento XVI por Lisboa destacam-se dois grandes eventos: no primeiro dia, uma enorme missa, para milhares de peregrinos, no Terreiro do Paço, durante a qual se dirigiu especialmente aos muitos jovens presentes; e, no segundo dia, um encontro com centenas de personalidades da cultura, no Centro Cultural de Belém, durante o qual saudou especialmente o cineasta Manoel de Oliveira, a figura escolhida para servir de porta-voz do mundo cultural português no palco, citou Camões e pediu um diálogo entre a Igreja e o mundo das artes e da cultura.

Bento XVI com o cineasta Manoel de Oliveira durante o encontro com personalidades da cultura no CCB

Jorge Amaral

No dia 12 de maio, Bento XVI seguiu para Fátima, o foco principal da sua viagem a Portugal. No santuário, celebrou vésperas com os padres, religiosos, seminaristas e diáconos portugueses, e presidiu à procissão das velas à noite — antes de se retirar, deixando a celebração da missa noturna a cargo do secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Tarcisio Bertone. Na manhã seguinte, 13 de maio, o Papa presidiu à missa que reuniu milhares de fiéis no recinto do Santuário de Fátima, inaugurando o período de sete anos de comemorações do centenário das aparições, que culminariam em 2017 com a visita do Papa Francisco.

No mesmo dia, Bento XVI encontrou-se na basílica da Santíssima Trindade, em Fátima, com representantes das organizações sociais da Igreja que trabalham em Portugal e deixou-lhes um alerta, para que evitassem a tentação de gerir as suas organizações através de uma lógica puramente económica: “A pressão exercida pela cultura dominante, que apresenta com insistência um estilo de vida fundado sobre a lei do mais forte, sobre o lucro fácil e fascinante, acaba por influir sobre o nosso modo de pensar, os nossos projectos e as perspetivas do nosso serviço, com o risco de esvaziá-los da motivação da fé e da esperança cristã que os tinha suscitado.”

De Fátima, o Papa Bento XVI ainda seguiu até ao Porto, onde celebrou uma missa na Avenida dos Aliados e saudou os fiéis a partir da varanda da câmara municipal. Bento XVI viajou de helicóptero entre Fátima e o Porto, tendo pelo caminho sobrevoado parte da região vinhateira do Douro. Na despedida, no aeroporto do Porto, Bento XVI elogiou a “grandeza de alma” de Portugal e pediu que a sua visita se tornasse num “incentivo para um renovado impulso espiritual e apostólico” da Igreja Católica no país.

Francisco (2017). Menos de 24 horas em Portugal para canonizar pastorinhos no centenário de Fátima

Desde o início do pontificado de Francisco que a deslocação do Papa a Portugal era uma vontade clara da Igreja Católica portuguesa: em breve celebrar-se-ia o centenário das aparições de Fátima e tudo indicava que o processo que conduziria à canonização dos pastorinhos Francisco e Jacinta estaria concluído a tempo de juntar as duas celebrações. Um acontecimento dessa dimensão tinha de ter a presença do Papa. Havia apenas um problema a pairar sobre uma possível viagem a Portugal: desde o princípio do pontificado, Francisco fez questão de traduzir no seu programa de viagens apostólicas o seu propósito de chegar às periferias.

Destinos clássicos das viagens papais, como as capitais europeias, ficaram de fora do itinerário pontifício — enquanto o Papa viajava por países como Jordânia, Coreia do Sul, Albânia, Sri Lanka, Filipinas, Bósnia e Herzegovina, Equador, Quénia, Uganda ou República Centro-Africana. A aposta do Papa eram os países onde os cristãos sofrem perseguições, onde há guerras e onde há mais pobreza. Mesmo dentro de Itália, Francisco surpreendeu ao escolher a ilha de Lampedusa, porto de abrigo de tantos migrantes que cruzavam o Mediterrâneo, para a sua primeira grande deslocação. Uma viagem a Portugal, um país europeu, em paz, onde a Igreja Católica convive tranquilamente com o resto da sociedade, seria pouco prioritária para Francisco.

Papa Francisco aterra em Monte Real e só visita Santuário de Fátima

Ainda assim, o Papa Francisco queria fazer-se peregrino de Fátima — sem que isso significasse realizar uma viagem de Estado a Portugal, com pompa e circunstância. Em 2014, o Papa tinha passado por Estrasburgo, França, para discursar no Parlamento Europeu, mas numa deslocação curta em que, apesar de ter estado em território francês, não passou pela capital, Paris. A ideia seria repetir o modelo.

A solução encontrada foi uma viagem de 24 horas, exclusivamente destinada ao Santuário de Fátima, sem passagem pela capital, Lisboa, ou por qualquer outra grande cidade do país. Tal como acontecera com Paulo VI cinquenta anos antes, por motivos diferentes, a base militar de Monte Real, no distrito de Leiria, foi utilizada excecionalmente como aeroporto internacional para acolher o avião da Alitalia que transportou o Papa desde Roma até Portugal no dia 12 de maio de 2017. A ideia inicial do Papa Francisco até era outra: vir apenas no dia 13 de maio, para uma visita-relâmpago como Paulo VI tinha feito. Terá sido o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, que nos dias 12 e 13 de outubro tinha estado em Fátima a presidir à peregrinação internacional, quem convenceu o Papa a vir um dia antes, para ainda testemunhar as celebrações do dia 12 de maio, coroadas pela procissão das velas.

O Papa Francisco com Marcelo Rebelo de Sousa à chegada à base aérea de Monte Real, em maio de 2017

JOAO RELAS/LUSA

A permanência do Papa Francisco em Portugal duraria exatamente 23 horas e 43 minutos, desde que aterrou em Monte Real às 16h10 de 12 de maio até que voltou a levantar voo às 15h53 do dia 13 de maio.

Sem cerimónias de Estado nos palácios de Lisboa, a dimensão civil da visita do Papa Francisco a Portugal aconteceu em versão resumida, na própria base aérea de Monte Real: o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, receberam o Papa no aeródromo militar e Marcelo teve uma audiência privada com o chefe da Igreja Católica nas instalações da base área. O Papa Francisco também visitou a capela da base, na companhia do então bispo das Forças Armadas, D. Manuel Linda, antes de embarcar no helicóptero que o transportaria até ao estádio de futebol de Fátima.

Dali, o Papa Francisco seguiu de papamóvel até ao Santuário de Fátima, onde entrou perante uma multidão em apoteose depois de ter sido saudado por milhares de peregrinos ao longo de todo o percurso. Já no Santuário de Fátima, o Papa Francisco abriu as celebrações oficiais da peregrinação internacional com uma visita à Capelinha das Aparições, onde rezou com os milhares de peregrinos reunidos no recinto do santuário — antes de se retirar para jantar na Casa de Nossa Senhora do Carmo, de onde voltaria a sair para as celebrações da noite.

Já de noite, no início da enorme procissão das velas de Fátima, que Francisco testemunhou com todo o esplendor, o Papa aproveitou a presença no maior fenómeno de fé popular do país para deixar um forte aviso contra a banalização da piedade, que ignora a vida espiritual e a busca de Deus. Num santuário centrado na figura de Nossa Senhora, o Papa Francisco vincou que Maria foi “a primeira que seguiu Cristo pelo caminho ‘estreito’ da cruz” e não “uma ‘Santinha’ a quem se recorre para obter favores a baixo preço”. O Papa já não ficaria para a missa da noite: retirou-se para descansar por volta das 22h30, deixando a celebração da missa noturna a cargo do secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Pietro Parolin.

O Papa Francisco chegou a Portugal no dia 12 de maio de 2017, a tempo de presidir à procissão das velas em Fátima

HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR

O ponto alto da visita do Papa Francisco a Portugal seria no dia seguinte, 13 de maio de 2017 — o dia em que se assinalaram os 100 anos das aparições de Fátima e em que o Papa Francisco canonizou os pastorinhos Francisco e Jacinta Marto, que, com 10 e 9 anos respetivamente, se tornaram nos santos mais jovens da história da Igreja Católica. Com uma proclamação solene a partir do altar do recinto do Santuário de Fátima, o Papa Francisco elevou Francisco e Jacinta a santos às 10h26 daquele dia, para logo depois, durante a homilia, lembrar a curta vida de “São Francisco Marto e Santa Jacinta” como exemplos para os cristãos. Na missa esteve também presente Lucas, uma criança brasileira de 9 anos que em 2013 tinha caído de uma janela e ficado às portas da morte — e cuja sobrevivência a Igreja Católica atribuiu à intervenção miraculosa de Francisco e Jacinta. Foi, na verdade, devido à aprovação eclesiástica desse acontecimento como milagre que o processo de canonização dos pastorinhos pôde avançar.

Terminada a missa, o Papa Francisco almoçou com os bispos portugueses na casa de retiros onde tinha ficado hospedado — e às 14h30 já estava no carro a caminho da base aérea de Monte Real, onde um avião da TAP o esperava para o levar de regresso a Roma. A bordo do avião, numa conferência de imprensa, um tema sobressaiu: daí a poucos dias, o Papa encontrar-se-ia com o então Presidente dos EUA, Donald Trump, no Vaticano. O que planeava um Papa que impelia os cristãos a derrubar os muros e acolher os migrantes dizer a um Presidente que pretendia construir um muro numa fronteira? “Nunca faço um juízo sobre uma pessoa sem a ouvir”, respondeu o Papa. “Eu direi o que penso, ele dirá aquilo que pensa. (…) Há sempre portas que não estão fechadas. É preciso procurar as portas que estão pelo menos um pouco abertas, para entrar e falar sobre as coisas comuns e avançar.”

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