Em momentos conturbados como os que se vivem, ouvir Arlindo Oliveira, professor catedrático no Instituto Superior Técnico (IST), falar sobre o futuro e a forma de nos prepararmos para o acolher com todos os desafios que seguramente trará à humanidade, é tranquilizador. Não só porque, ao invés de demonizar a evolução tecnológica, considera que precisamos de “mais e melhor tecnologia para um futuro mais sustentável”, além de que “esperança” é a palavra que escolhe para se referir aos tempos vindouros.
Naquela que foi a terceira entrevista da série 5 Great Things Talks, promovida pelo SAS Portugal, o investigador defendeu ainda a utilização da analítica na Indústria 4.0, para a “otimização de processos produtivos e logísticos” e no Ambiente 4.0, aqui para “reduzir o nosso impacto, mantendo a qualidade de vida ou até melhorando”.
Pioneiro da bioinformática em Portugal
Uma das perguntas a que os entrevistados da 5 Great Things Talks são sempre convidados a responder diz respeito às suas maiores concretizações, tanto a nível pessoal como profissional. Muito discreto no que à vida privada diz respeito, Arlindo Oliveira confessou o “orgulho” que sente em relação às filhas, mas preferiu salientar o projeto que mais o realizou em termos profissionais: ter estado ativamente envolvido na criação do grupo Knowledge Discovery and Bioinformatics, do INESC-ID, organismo que dirigiu entre 2000 e 2009. “Do ponto de vista científico, essa foi talvez a fase mais produtiva e interessante da minha vida e talvez aquela realização em que me revejo com mais orgulho”, justifica, reforçando que “durante mais de uma década, este foi provavelmente o grupo mais forte de bioinformática em Portugal e que depois veio a dar origem a várias coisas, incluindo uma empresa e muitos resultados de investigação”.
Alan Turing como inspiração
Questionado por Sofia Esteves, do SAS Portugal, sobre uma grande personalidade da história, Arlindo Oliveira aponta uma referência que, não sendo óbvia para a maioria, faz todo o sentido para quem foi presidente do IST durante sete anos e tem como áreas de especialização os algoritmos ou a inteligência artificial: Alan Turing, matemático e cientista da computação, que se destacou também como criptoanalista. Para o docente, a escolha prende-se com o facto de Alan Turing ter sido “um génio nos resultados que conseguiu”. Além de se ter destacado nas áreas da matemática e computação, considera que o cientista inglês conseguiu algo de “excecional e impressionante”, porque “há 70 anos, em 1950, teve uma visão do futuro da inteligência artificial que ainda agora é atual”.
Uma visão positiva para o futuro
Em vez de um, Arlindo Oliveira decidiu partilhar dois livros que vê como inspiradores. “O Gene Egoísta”, de Richard Dawkins, é uma das suas escolhas, até porque está de alguma forma relacionado com a área de trabalho a que se dedica, a bioinformática. “Dá uma perspetiva da evolução e da maneira como nós aparecemos como consequência dessas unidades que são os genes”, explica, realçando que a sua leitura “muda completamente a visão que temos do mundo, do que nós somos”.
O segundo livro eleito pelo docente é “O Novo Iluminismo”, de Steven Pinker, e fá-lo porque considera que o livro fornece uma perspetiva “muito bem conseguida” do quanto a humanidade conseguiu evoluir, em particular nos últimos séculos, e partilha “uma visão positiva do que vai ser o futuro da humanidade”. “Especialmente nestas alturas, em que parece que está tudo a andar para trás, acho que importa manter esta visão a médio/longo prazo, porque quando nos focamos no curto prazo, nas semanas, nos meses, parece que as coisas andam tanto para trás como para a frente e, às vezes, mais para trás do que para a frente”.
A tecnologia é necessária
Como que inspirado pelas reflexões trazidas pela leitura de Pinker, Arlindo Oliveira continuou ao longo da entrevista a partilhar uma conceção menos negativa do mundo e do futuro, nomeadamente quando lhe foi pedida uma grande ideia para a humanidade. “A ideia que tenho defendido, e não é original, é que precisamos de mais e melhor tecnologia para os desafios que a humanidade tem pela frente, e não de regressar a uma idade simples, sem tecnologia e sem complexidade.” Em concreto, entende que a hipótese, colocada por alguns, de se regressar a uma vida sem tecnologia “não tem futuro, é impossível”. Até porque, nas suas palavras, “a tecnologia, se devidamente adotada e desenvolvida, pode criar as condições para termos um futuro sustentável, com qualidade de vida e onde não temos de abdicar de muitas das coisas que agora temos e gostamos de ter”. Todavia, para que o otimismo se concretize, sublinha que “precisamos de mais e melhor tecnologia”, por exemplo, “tecnologia para energia menos poluente, para transportes mais eficientes, para produção industrial que não tenha tanto impacto e que também seja mais acessível a toda a população e não apenas a uma pequena minoria”. Nesse sentido, se tivesse de defender uma ideia única, seria sem dúvida: “Mais e melhor tecnologia para um futuro mais sustentável.”
Analítica aplicada à Indústria 4.0 e ao Ambiente 4.0
Em relação ao impacto da analítica no presente e no futuro, o autor de livros como “Mentes Digitais”, “Computer Architecture” ou “Inteligência Artificial” começou por considerar que “a analítica tem tido, até hoje, um grande papel em tornar especialmente as empresas mais competitivas”, referindo-se a empresas que usam esta ferramenta para fins relacionados com o marketing, como a Google ou o Facebook, entre outras. Apesar de reconhecer que este uso vai continuar, afirma que “poderíamos tentar ser um bocadinho mais equilibrados em algumas questões”, nomeadamente, “deveríamos usar também a analytics na indústria 4.0, na otimização de processos produtivos e logísticos”. “Porque se otimizarmos os processos produtivos e logísticos, se soubermos onde estamos a usar a energia mal-usada, se soubermos como podemos melhorar a logística gastando menos recursos com isso, como podemos melhorar a rede de transportes com menos impacto, conseguiremos que as pessoas tenham uma melhor experiência”, justifica. Outra aplicação que preconiza para a analítica é o Ambiente 4.0: “Não sei se alguém já inventou esta frase, se não fica aqui – a analytics no ambiente 4.0 acho que tem futuro, porque conseguimos reduzir o nosso impacto, mantendo a qualidade de vida ou até melhorando.”
Quanto à dúvida sobre se estas realidades estão mais ou menos próximas no tempo, sustenta que “a grande dificuldade é a agregação dos dados”, porque “as tecnologias de base da analytics nós temos”. Para o ilustrar, dá como exemplo a área da saúde e a pandemia de Covid-19 em específico.
Uma palavra: esperança
A terminar, Arlindo Oliveira confirmou o otimismo que foi deixando escapar durante toda a entrevista e, perante o pedido de uma palavra para o futuro, respondeu “esperança”. “Esperança de que o futuro vai continuar a melhorar para toda a humanidade, como melhorou nos últimos dois séculos e meio, e que estas variações que temos de curto prazo – coisas que nos preocupam – são pequenas variações”, pormenoriza, fortalecendo a sua crença de que “a tendência geral é de crescimento de melhoria da qualidade de vida e, esperemos nós, também de melhoria da sustentabilidade e de redução das desigualdades”.
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