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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

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Primeiro dia do Programa do Governo em seis pontos. "Arrogância", ameaças e um primeiro-ministro apressado

Montenegro estreou-se no Parlamento como primeiro-ministro e aproveitou o Programa do Governo para alimentar tese: não rejeitar significa dar condições para governar. Teoria não agradou a PS e Chega.

As primeiras horas correram a um ritmo frenético. Desde Luís Montenegro a disparar novas medidas, a Pedro Nuno Santos a acusá-lo de “arrogância” e avisar que o PS não está disponível para tudo, passando pela ameaça de André Ventura a deixar tudo cair já neste começo. O primeiro dia do debate do Programa do Governo fez-se no plenário que — já se sabe — vive uma fragmentação ímpar e agora também com a bancada do PS repleta de ex-governantes que entretanto deixaram funções. A tensão é máxima e a marcação entre os três maiores grupos parlamentares é cerrada.

O novo primeiro-ministro não quis perder tempo e apareceu no Parlamento a tentar ocupar o espaço todo, encostando a oposição às cordas com uma catadupa de medidas novas em diversas áreas. Mas ouviu logo o PS dizer-lhe que só conta com ele para este arranque — não viabiliza moções de rejeição à sua esquerda –, quanto ao mais, vai ser difícil até porque, sublinhou Pedro Nuno Santos, é mais o que os separa do que aquilo que os une. E Montenegro também não encontrou esse conforto no Chega — antes pelo contrário.

Da restante oposição vieram alinhadas críticas ideológicas, colando a AD aos “grandes grupos económicos” — a este propósito, Mariana Mortágua até anunciou que amanhã (sexta-feira) começa a “happy hour”. A carga veio, no entanto, menos pesada do lado da Iniciativa Liberal, onde o Programa do Governo foi considerado melhor do que qualquer um dos que o PS apresentou nos últimos anos. Também tem críticas, mas a dose é incomparável — e, em tempos de carência de apoios, Montenegro bem reparou.

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Pouco diálogo e muita “arrogância”. O difícil entendimento entre a AD e o PS

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Luís Montenegro entrou no debate apostado em fazer colar a sua leitura da posição do PS quanto às moções de rejeição da esquerda ao Programa do seu Governo. Viu nisso uma evidência de que quem não alinha com aquelas iniciativas, vai “permitir a execução do Programa até ao final do mandato ou, no limite, até a aprovação de uma moção de censura”.

Uma interpretação esticada havia de dizer logo de seguida Pedro Nuno Santos que à hora de almoço, mais ou menos a meio do debate, até quis fazer uma declaração à margem para sublinhar que uma coisa não implica a outra: “Não vamos votar o programa, mas moções de rejeição”. E disse também que só o faz para “evitar um impasse institucional” e permitir que o Governo entre em funções. Desafiou mesmo o PSD a avançar com uma moção de confiança, detalhando que, nesse caso, votaria contra.

O Governo em modo sprint e a pressão máxima sobre o PS. O discurso de Luís Montenegro nas entrelinhas

Depois entrou no plenário e sentou-se ao lado de António Mendonça Mendes e ouviu logo uma resposta de Montenegro àquela mesma ideia que já andava pela bancada do PS. “Acha que eu queria apenas tomar posse para dizer que era primeiro-ministro? Eu quis tomar posse para cumprir o Programa do Governo. É assim difícil perceber?”, questionou de forma retórica um primeiro-ministro irritado.

Montenegro apontou para as 60 propostas da oposição que acolheu no Programa do Governo, mas o PS (e não só) não viu nisso qualquer sinal de “diálogo”, já que não foi tido nem achado no processo. Aliás, apareceu no Parlamento com memórias no bolso, ao lembrar os “nove orçamentos” do PS chumbados pelo PSD e até o de 2021 (em plena pandemia) e também a separar-se o mais que podia da proposta política social-democrata. Falou na “arrogância” de Montenegro nas intervenções que tem feito, quando não tem uma maioria no Parlamento e precisa de parceiro. Mas Montenegro devolveu-lhe a acusação dizendo que quem “se propôs ir para os bancos da oposição construir alternativa política e exige que decida em 60 dias o que não decidiu em 3.050… se não é arrogância temos um conceito diferente”.

Pelo meio, de um lado e de outro falou-se na abertura para negociar algumas medidas, mas também ficou a ecoar na sala o aviso de Pedro Nuno que disse logo que não era “medidas avulsas” que iam “fazer desaparecer a distância” entre os dois.

Montenegro foge do Chega. Ventura quer, no mínimo, “humildade”

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O Chega avisa, mas o Governo ignora e contra-ataca com críticas a André Ventura. O primeiro frente-a-frente entre Montenegro e Ventura no Parlamento começou com o líder do partido de direita radical a dizer que a legislatura “não começa bem”, que o líder social-democrata “não tem nada aproximado a uma maioria” e que está a tentar “amarrar” quem viabiliza o Programa do Governo “até ao fim da legislatura”. A primeira farpa de Montenegro viria logo a seguir e com estrondo, principalmente quando foi dirigida ao homem que chegou a reconhecer que quase se humilhava para alcançar uma alternativa entre o PSD e o Chega: “Por essas e por outras que não se coloca em condições de ter responsabilidades maiores”, disse, à boleia de uma insistência do Chega na comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas após a recusa do PSD em aprová-la.

E numa luta pelo espaço de líder da oposição (depois de Pedro Nuno Santos desafiar o Governo a apresentar uma moção de confiança), Ventura viu-se obrigado a sair do hemiciclo e a ir aos Passos Perdidos garantir que não aceitava “chantagem” do primeiro-ministro, acusando-o de estar a “encostar” o PS e o Chega à parede naquilo a que chamou uma atitude “absolutamente irresponsável ou suicidária”. Mas não concretizou ao que aquelas palavras se poderiam traduzir, se estava disposto a mudar o sentido de voto nas moções de rejeição (já depois de ter dito que não votaria a favor) ou até se poderia ou não apresentar uma moção de rejeição em nome próprio ao Programa do Governo. Pediu “humildade”, garantiu não estar a fazer “chantagem” e preferiu colocar tudo aos ombros de Montenegro — que não respondeu de nenhuma forma.

O piscar de olho contínuo à IL, que luta por espaço

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“Ainda vai concordar muitas vezes.” A frase dirigida por Joaquim Miranda Sarmento a Bernardo Blanco, deputado liberal, espelha o espírito de namoro que o Governo continua a alimentar com a Iniciativa Liberal, mesmo depois de Luís Montenegro e Rui Rocha terem assinado um comunicado conjunto a dizer que não chegaram a acordo para que os liberais integrassem o Governo. Nesse mesmo documento também se dava conta de que os dois partidos iriam manter o diálogo durante a legislatura com o compromisso de discutirem as soluções relevantes.

Sem um entendimento firmado, a IL foi aproveitando o debate para mostrar as diferenças entre ambos e para sublinhar que o Governo não tem o rasgo reformista que os liberais entendem necessário. O próprio líder liberal entrou no debate para dizer que o programa da AD é “melhor” do que os do PS, mas ainda assim “aquém do necessário”. Mas da bancada do Governo os piscares de olho iam-se multiplicando e sempre que os deputados da IL se levantavam para fazer frente a algum ponto do programa, lá voltava um governante de braços abertos — com a segurança de que os liberais vão concordar muitas vezes ao longo da governação. Depois de umas eleições com a difícil missão de se destacar entre a aposta do voto útil da AD e o voto de protesto, a IL pode bem vir a ter o mesmo problema com um Governo que pode mesmo aproveitar muitas das bandeiras e usá-las como suas.

Impostos e fundos. O sprint de Montenegro para apresentar primeiras medidas

Consciente de que o tempo político acelerou e de que pode não contar com um período prolongado de estado de graça, Montenegro quis deixar uma primeira mensagem clara: não quer perder tempo. Por isso, usou o seu primeiro discurso parlamentar para lançar uma série de medidas (que não estavam calendarizadas no seu Programa do Governo) e tentar provar que está pronto para deitar mãos à obra.

Montenegro anuncia que descida do IRS até 8.º escalão será aprovada já na próxima semana

Desde logo, e tendo como um dos seus grandes objetivos a redução da carga fiscal – que sempre usou para atacar o PS –, Montenegro pegou na bandeira do IRS e anunciou que o próximo Conselho de Ministros vai já aprovar a medida para reduzir as taxas do imposto nos oito primeiros escalões, baixando a receita fiscal em 1.500 milhões de euros. Mas não foi a única promessa: logo nos primeiros minutos de debate, Montenegro prometeu aumentar a taxa de execução dos fundos europeus e reforçar o combate à corrupção no uso desses fundos; lançar as negociações com forças de segurança esta sexta-feira e com professores nos próximos dez dias; discutir um novo acordo de concertação social para aumentar rendimentos e produtividade; combinar encontros com os partidos para discutir medidas anticorrupção; revogar medidas do anterior Governo para a Habitação; e “criar condições” para que Portugal receba as tranches que faltam, associadas ao PRR. No fundo, um calendário intenso para que o Governo mostre o que vale e tente ganhar popularidade nos primeiros meses.

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Os ataques da oposição (e a rejeição da esquerda)

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O debate começou com a certeza de que o documento acabará por ser votado (esta sexta-feira), uma vez que Bloco de Esquerda e PCP apresentaram moções de rejeição e portanto forçarão a sua votação. E, apesar de o chumbo ser garantido – PS e Chega querem deixar o governo começar a governar –, isso que não significa que não se tenha ouvido uma chuva de críticas ao Programa do Executivo dentro do plenário.

Quem ouvisse o PS sem contexto poderia, de resto, pensar que os socialistas não deixariam o programa passar, uma vez que Alexandra Leitão acusou o PSD de querer “revogar tudo” o que está em curso e António Mendonça Mendes garantiu que o Executivo “não tem condições” para cumprir o que promete. Mais à esquerda, sem surpresas, as críticas foram ferozes: o Bloco de Esquerda acusou a direita de só trabalhar para a “elite económica” e para a “happy hour das grandes empresas; o PCP garantiu que este programa desmantelará as “funções sociais do Estado”; o Livre disse-se disponível para diálogo em áreas específicas, mas avisou que falta ecologia no programa; e o PAN atacou o programa por “não ser progressista” e se limitar a fazer um “copy paste” das medidas da oposição, sem uma tentativa de diálogo real.

Herança. Governo tenta rebater cofres cheios que PS diz ter deixado

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Na última fila da bancada socialista esteve sempre sentado o ex-ministro das Finanças, enquanto lá à frente, na bancada do Governo, se ia tentando desmantelar as “boas contas” que o PS garante ter deixado como herança. A tarefa ficou essencialmente a cargo do sucessor de Medina, Joaquim Miranda Sarmento, que interveio para avisar que a forma como o Governo anterior chegou ao excedente “não é saudável”.

Foi “com elevada inflação, carga fiscal máxima, com serviços públicos e investimento público no mínimo e com os juros desde 2015 a beneficiarem da política monetária do BCE até 2022”, garantiu. E disse mesmo que até pode ter “reduzido a dívida pública mas que isso não é uma garantia para os anos seguintes.”

Sobre as “contas públicas equilibradas”, avisou que “não são um fim em si mesmo”, embora também garanta serem “condição imprescindível da governação”. E voltou a sublinhar que o “excedente de 2023 não deve criar falsas ilusões de prosperidade nem alimentar a ideia de que todos os problemas podem ser imediatamente solucionados”. De resto, logo no arranque do debate, Montenegro já tinha alertado para o cenário internacional “desafiante” na economia. Duas guerras a ameaçarem um “potencial de descontrolo no futuro próximo” e também os “cenários de estagnação ou contração de alguns dos nossos parceiros comerciais e económicos, como por exemplo a Alemanha, o que avoluma dificuldades”.

O argumento está montado e ainda com umas ajudas cirúrgicas, como aquela que veio da bancada do CDS, com Paulo Núncio a questionar o ministro das Finanças sobre os prejuízos (mil milhões) conhecidos esta quinta-feira nos resultados operacionais do Banco de Portugal. Miranda Sarmento dizia que essa informação não estava na transição de pasta e que tinha ficado “surpreso e preocupado”. Na última fila, Medina remexia-se na cadeira. A previsão de prejuízos nos bancos centrais, pressionada pela alteração a meio de 2022 da política monetária, tem sido noticiada desde o verão.

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