Este sábado, quando chegar ao Palácio de Belém para a audição sobre eleições antecipadas, o PS vai dizer que quer o país a ir às urnas o mais cedo possível e que apoia a decisão do Presidente — ainda que estivesse disponível para governar em duodécimos. Já sabe de antemão que Marcelo tem apontado, nas conversas privadas que tem mantido neste processo de crise política, o último domingo de janeiro (dia 30) ou o primeiro de fevereiro (6) como datas possíveis. Por agora, o partido já convoca órgãos internos para repensar estratégia: na terça-feira reúne-se o secretariado nacional do PS (a direção). Mas está atordoado, sem saber o que esperar de uma ida às urnas a meio do ciclo, depois do trauma Lisboa, e sobretudo a pensar que entendimentos serão possíveis no dia seguinte às eleições.
As contas começaram assim que o PCP pronunciou, pela primeira vez, a palavra “contra” no contexto orçamental. A intenção passou à prática e o chumbo do Orçamento leva a eleições e a contas várias que ainda estão marcadas pela surpresa em Lisboa em setembro passado. Poucos arriscam que a vitória seja garantida e muitos acreditam que o país pode ficar num beco sem saída, tal a divisão de votos.
Com uma crise política inesperada em mãos, regressa um dilema clássico, mas mais importante do que nunca: o PS deve ou não pedir a maioria absoluta? Costa deixou a primeira pista quando, ainda a minutos de ver o seu Orçamento chumbado, apontou para o objetivo de ter uma “maioria reforçada, estável e duradoura”. E o partido concorda: é preciso pedir claramente — mesmo que sem usar a expressão — uma maioria aos eleitores, sob pena de o PS (e o país) se encontrar num beco sem saída no que diz respeito às hipóteses reais de governar.
“A expressão tem má conotação, mas toda a gente percebe que nenhum político achará desagradável” ter maioria absoluta, comenta ao Observador um alto dirigente do partido. Vai ser o equilíbrio entre pedir condições de governação que não deixe margem para dúvidas, sem lhe chamar absoluta.
“Este ciclo tem sido infernal. Este ano a coisa extremou-se de forma absolutamente radical”, argumenta um dirigente, partindo desse raciocínio para definir o discurso de campanha: “O PS é o justo equilíbrio entre a direita cada vez mais radicalizada e a esquerda que agora se radicalizou”. A dificuldade, diz um dirigente local, é que Costa terá de mostrar habilidade no discurso: não atacar a esquerda de que pode voltar a precisar no futuro nem “queimar pontes”, porque “o day after vai ser o grande problema”, mas lembrar que “quem causou esta situação foi a esquerda”.
Aliás, é as redes sociais que , neste momento, essa campanha já corre célere, e o discurso de dramatização vai tomando forma a cada publicação que surge nas páginas oficiais do partido. A estratégia tem sido aproveitar a lista de cedências que o PS diz ter feito à esquerda e acusar Bloco e PCP de terem travado que avançassem.
“A partir de agora não vai haver poder sem blocos. Ou Costa mostra agora que consegue maioria absoluta ou tem mesmo de ser assim”, vaticina outro socialista. E vão-se alinhando estratégias: ir buscar eleitorado não necessariamente à esquerda, que apenas traz “pequenas margens” de um eleitorado menos volátil (pelo menos no PCP). E falar ao centro — se o PS tivesse cedido mais à esquerda neste Orçamento estaria a “descolar desse eleitorado” — e à abstenção, que pode despertar com umas eleições de que não estava à espera. “Nunca a campanha foi tão importante”, diz um socialista influente. Com uma dificuldade, sublinha um dirigente: o elenco governativo está “esgotadíssimo” a perceção de que ir a eleições com um Executivo que não chegou a ser remodelado é geral.
Mas agora é tarde para essa análise e é hora de passar à ação. Outro colega de partido garante já ter “o pé na estrada” e ter indicações concretas que pôr a cabeça duas palavras: “Humildade e compromisso”. António Mendonça Mendes, líder da federação de Setúbal e secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, explica que as estruturas já terão reuniões na próxima semana e resume: “Agora é pôr a máquina a funcionar”.
Jorge Gomes, o deputado e líder do PS Bragança, garante o PS “não ficou deprimido” na sequência dos acontecimentos da última semana e que até “ganhou muita força”, com a “unidade” do grupo parlamentar a evidenciar-se no debate da defesa do Orçamento. E defende que “clarificar a situação [indo a votos] é o melhor que pode haver para todos”. Sobre a maioria absoluta, é comedido: “Não me atrevo a dizer que o PS vai pedir. Não acho que seja importante. É uma forma de governar com mais segurança.”
Mas, se mesmo assim não for possível chegar à maioria, como é que o PS resolve? As teses variam, mas a dúvida reside em todas as cabeças socialistas. “Não se pode iniciar um ciclo novo nem sequer deixando empossar um Governo se não houver alternativa à direita…”, reforça um dirigente, pressionando os partidos de esquerda. Os mais otimistas acreditam que, perante dois blocos sem capacidade para formar maiorias, os partidos acabarão por se entender: “Tem de se desdramatizar, temos de nos habituar a um maior espírito de compromissos. Algum dia será preciso um Orçamento e o PS é historicamente o partido charneira, com mais condições de fazer compromissos em todo o espetro”, aponta António Mendonça Mendes.
É a mesma ideia que Ascenso Simões passava em entrevista no programa Vichyssoise, da Rádio Observador: “Podíamos continuar a negociar até encontrarmos uma solução, o que acontece em muitos países da Europa. Não vivemos fora do mundo ocidental, onde essas coisas são absolutamente normais. O dramatismo só existe em Portugal porque ainda estamos na construção do nosso próprio regime democrático”.
Ascenso Simões: “Sem Costa, o PS terá um período complicado e longo de oposição”
Conter confrontos com Marcelo
Na cúpula do partido, foram sendo dados sinais de que havia abertura para não precipitar eleições em caso de chumbo do Orçamento. O mais evidente foi quando ao sair do plenário, logo após a votação, o próprio António Costa disse que respeitaria a vontade do Presidente, fosse ela “governar em duodécimos ou avançar para eleições antecipadas” e isto quando a primeira hipótese já tinha sido posta de parte por Marcelo. Foi uma tentativa de deixar nos autos que não queria eleições. “Agora, se insistirmos nessa hipótese [duodécimos] parece que temos receio de eleições. Como [o Presidente] decidiu eleições, que sejam o mais depressa possível”, contextualiza um alto quadro do PS.
O ónus é posto em Marcelo, que vários socialistas contactados pelo Observador criticam nesta fase. Afinal, a audição com Paulo Rangel no primeiro dia de debate orçamental não incomodou só o PSD de Rui Rio. “O país vai estar à espera que o PSD se reorganize?”, questiona um socialista que pede eleições rapidamente e não no timing mais conveniente para o PSD conseguir completar o seu processo interno de diretas.
Mas a linha da direção socialista é mesmo não comprar uma guerra com Belém, mantendo sempre o tom de apoio público a qualquer que seja a decisão do Presidente. E caso a decisão final de Marcelo seja mesmo eleições mais no final de janeiro, o Parlamento não seria dissolvido até ao final de novembro, o que poderia dar tempo para despachar algumas matérias.
A esquerda à esquerda do PS, na reunião de líderes parlamentares e presidente da Assembleia da República, sinalizou logo prioridade à legalização da eutanásia. O Governo, nesse mesmo dia, apontou sete propostas de lei que aguardam no Parlamento e que quer aprovadas, à cabeça as alterações ao Código de Processo Penal para implementar as medidas da Estratégia Nacional Anticorrupção e está ainda a última uma lista de emergências no Conselho de Ministros, a contar com o fim a legislatura.
Pedronunismo na calha
Se António Costa sempre foi o grande artífice dos acordos à esquerda, a decisão de PCP e Bloco de Esquerda chumbarem o Orçamento pôs tudo em causa. No PS, quase ninguém acredita que os acordos sejam repetíveis, sendo que muitos socialistas colocam o PCP fora da equação e outros comentam que o Bloco de Esquerda, enquanto durar o tempo de António Costa, já não fará parte da solução. Mas e se fosse outro líder?
A resposta, da parte dos pedronunistas, é automática. A corrente liderada pelo ministro das Infraestruturas, que na legislatura passada foi o responsável no Parlamento pelas negociações com a esquerda, começou a ver mais próxima a mudança de ciclo na liderança do PS, embora ainda seja cedo para se movimentar: “Não é altura para isso”. É, sim, altura de esperar pelos resultados das eleições para perceber o desgaste, ou a força, de Costa — e tirar daí conclusões, sendo certo que a batalha de Pedro Nuno não é derrubar Costa, mas suceder a Costa.
Mesmo assim, entre os apoiantes de Pedro Nuno — que, garante-se no partido (mesmo entre quem não é fã do ministro), representam uma larga maioria do aparelho — o tom mudou. “Se ganhar mas não conseguir governar, pode estar em causa a liderança do Governo e do PS. Os líderes não são eternos”, sublinha um dirigente local afeto ao ‘pedronunismo’ que aponta o “desgaste” de Costa após seis anos de Governo.
As contas fazem-se apesar de os socialistas saberem que tudo dependerá dos resultados das eleições, mas os apoiantes de Pedro Nuno garantem que quando o momento chegar estarão preparados — e o ministro que representa a ala esquerda do PS terá uma “vantagem claríssima” contra seja qual for a alternativa (o nome que surge mais é o da líder parlamentar, Ana Catarina Mendes).
Se já na campanha eleitoral Pedro Nuno se destacou pela presença aclamada em ações do PS, neste momento de tensão continua a dar nas vistas: no dia do debate (e chumbo) orçamental, decidiu entrar mais cedo do que o resto do Governo no hemiciclo e ir direto às bancadas parlamentares. Objetivo? Cumprimentar a linha da frente da esquerda (esteve em amena cavaqueira com Catarina Martins, Pedro Filipe Soares, Jerónimo de Sousa e João Oliveira) e, depois, circular alegremente pela bancada do próprio partido, distribuindo apertos de mão e palmadas nas costas.
Mesmo que esteja determinado a suceder a Costa, e se o bloco da direita conseguir maioria nestas eleições, os socialistas acreditam que Pedro Nuno pode ficar obrigado a ser um líder de “contraciclo”, condenado à oposição. Ainda esta sexta-feira, o deputado Ascenso Simões alinhava na tese: “Sem António Costa”, dizia, em entrevista no programa da rádio Observador Vichyssoise, “o PS terá um período muito complicado e longo de oposição”. E recordava que já desde 2017 diz que apoiará Pedro Nuno quando chegar a hora — “é a única pessoa que o PS tem para o próximo passo a seguir a Costa, o único que tem a capacidade de lhe dar alma. O PS vai precisar de um certo arrojo de ter uma posição de afronta”. Para já, não é ainda o tempo de Pedro Nuno. Mas, quando os votos estiverem contados e, sobretudo, quando se perceber quem tem condições para governar, o PS tirará as suas conclusões — para o país, mas também para o partido.