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De uma forma geral, a capacidade dos adultos portugueses para ler e escrever; perceber e utilizar números e resolver problemas complexos está abaixo da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Mas um dos dados mais preocupantes da literacia e numeracia da população, e que consta do Inquérito às Competências dos Adultos, elaborado pela OCDE, é o de que quase metade dos inquiridos (42%) apenas demonstrou capacidade para “compreender textos curtos e listas organizadas”, sem conseguir compreender e interpretar textos mais longos. Quase um terço dos inquiridos ficou num dos dois níveis mais baixos da escala de desempenho. E o resultado não é melhor na avaliação da numeracia.
O relatório, elaborado no âmbito do Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), e cujos resultados são apresentados esta terça-feira foi realizado entre 2022 e 2023 e tem por base um inquérito realizado a 3.160 pessoas, com idades entre os 16 e os 65 anos. Portugal participou pela primeira vez neste estudo, mas já foi suficiente para concluir que a qualidade do sistema de ensino, apesar de ter vindo a melhorar, ainda fica atrás de outros países.
Entre os 31 países que fizeram parte do estudo, Portugal surge entre os últimos da tabela, apenas à frente do Chile.
No que toca à capacidade para ler e escrever, os portugueses registaram, em média, 235 pontos (numa escala de zero a 500), ficando abaixo da média da OCDE, que é de 260 pontos (uma diferença de 25 pontos) e pouco acima dos chilenos. Nesta competência, 42% dos inquiridos obtiveram pontuações correspondentes ao nível 1 ou abaixo (um baixo nível de desempenho).
As pessoas que se situam neste nível “compreendem textos curtos e listas organizadas”, conseguem encontrar informação quando está claramente indicada e estabelecer ligações e “conseguem, no máximo, entender frases curtas e simples”, lê-se no relatório divulgado. Dos adultos portugueses inquiridos, só 4% atingiram o nível 4 ou 5 nesta competência (enquanto a média da OCDE é de 12%).
No extremo oposto, 30% dos adultos que participaram no inquérito tiveram pontuações tão baixas que ficaram colocados nos dois níveis mais baixos da escala de desempenho.
A diferença entre a média da OCDE e o desempenho dos adultos portugueses no que toca a saber utilizar números no dia e dia é ligeiramente maior: 25 pontos. Os portugueses registaram, em média, 238 pontos em numeracia (novamente abaixo da média da OCDE, que é de cerca de 265, e acima dos chilenos que tiveram 214 pontos). De acordo com o relatório, nesta competência, 40% dos inquiridos tiveram resultados iguais ou inferiores ao nível 1. Neste nível, “as pessoas adultas são capazes de fazer cálculos básicos com números inteiros ou dinheiro, compreender o significado das casas decimais e encontrar trechos de informação em tabelas ou gráficos”. Conseguem ainda “adicionar e subtrair números pequenos”. Apenas 7% dos adultos portugueses se situam nos níveis 4 e 5, sendo a média da OCDE de 14%.
Por último, a capacidade dos adultos portugueses para resolver problemas fica 17 pontos abaixo da média da OCDE: os portugueses registaram, em média, 233 pontos e a média da OCDE é de cerca de 250. Esta é a competência em que os adultos portugueses menos se distanciam da média da OCDE, algo que pode ser explicado pelo facto de esta média ser mais baixa neste parâmetro. Dos portugueses inquiridos, 42% registaram um resultado igual ou abaixo do nível 1, o que significa que “conseguem resolver problemas simples com poucas variáveis e pouca informação acessória” e poucas etapas. “Os adultos abaixo do nível 1 compreendem, no máximo, problemas muito simples, normalmente resolvidos numa única etapa”, sintetiza o relatório. Apenas 2% dos adultos alcançaram pontos suficientes para atingir o nível 4 (sendo que a média da OCDE é ligeiramente superior, de 5%).
Envelhecimento e quantidade de formação influencia desempenho
Se o universo de portugueses inquiridos for organizado por faixa etária, é possível concluir que os adultos mais jovens (entre os 16 e 24 anos) têm melhor desempenho que os mais velhos (entre 55 e 65 anos) nas três competências — sendo que os níveis de desempenho baixam à medida que a idade dos inquiridos avança.
Em literacia, por exemplo, a faixa etária dos 55 aos 65 anos registou cerca de 215 pontos, enquanto os mais novos alcançaram quase 260, valores que se repetem quase identicamente na numeracia e na resolução de problemas. A faixa etária dos 55 aos 65 anos obteve cerca de 215 pontos na numeracia e o mesmo número na resolução de problemas; já a faixa dos 16 aos 24 registou cerca de 255 pontos em numeracia e cerca de 250 na resolução de problemas.
Esta diferença de prestação, lê-se no relatório, pode ser explicada pelos “efeitos associados ao envelhecimento” e também pela “diferença na qualidade e quantidade de educação e formação entre diferentes gerações”.
Qualidade do sistema de ensino português deixa a desejar
O estudo da OCDE incluiu, na amostra de “adultos”, os jovens que ainda estão a cumprir o ensino obrigatório e aqueles que o concluíram recentemente. Na faixa etária correspondente — dos 16 aos 24 anos — os resultados ficam, uma vez mais, abaixo da média da OCDE: em literacia, os jovens adultos portugueses somam 258 pontos; em numeracia 257 e em resolução de problemas 252.
E não fica por aqui. Apesar de os adultos portugueses que frequentam o Ensino Superior registarem mais pontos do que aqueles que apenas frequentaram o ensino secundário, o cenário muda quando comparamos o caso português com outros países, como por exemplo a Finlândia. Na competência da literacia, por exemplo, os portugueses que frequentam o Ensino Superior registaram desempenhos piores do que os finlandeses que se ficaram pelo ensino secundário.
No que toca a diferenças de desempenho entre géneros, apesar de esta se registar noutros países da OCDE, o mesmo não se verifica em Portugal, onde “não há diferenças nos resultados entre homens e mulheres”, lê-se no estudo.
Competências pouco desenvolvidas são preocupação para as democracias
O estudo da OCDE conclui também que, quanto mais estas três competências estiverem desenvolvidas, maior é a probabilidade de os adultos terem qualificações académicas mais elevadas e melhores salários: “Competências mais elevadas trazem benefícios económicos e sociais. Adultos com mais competências tendem a ter qualificações académicas mais elevadas.”
Além disto, os adultos que obtêm melhor desempenho com os números têm mais oportunidades de ter “empregos significativamente melhores”. De acordo com o relatório, os adultos que têm competências de nível 4 ou 5 ganham mais e têm empregos com uma taxa de desemprego mais baixa.
Segundo o relatório, um melhor desempenho a nível de literacia, numeracia e resolução de problemas influencia ainda o bem-estar. Em causa está a saúde, os níveis de satisfação com a vida e a confiança, assim como a relação dos cidadãos com a política. “Muitos adultos com baixas competências estão desligados dos processos políticos e não conseguem lidar com informação complexa. Isto é uma preocupação crescente para as democracias.”