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A tratadora Stefany aproxima-se com um tabuleiro de ferro, previamente desinfetado, onde há pedaços de carne crua, banana, abacate e uma espécie de tangerina pequena. Pousa o tabuleiro no muro e abre um dos vidros que abre a porta da instalação das suricatas. Assim que ouvem o ruído, as 14 suricatas adultas correm para os seus pés. Nas mãos, Stefany traz um pequeno frasco de plástico, cheio de tenébrios, também conhecidos como larvas da farinha.
E trazer tenébrios a este grupo de animais é como trazer uma caixa de chocolates a um grupo de crianças — aquelas que, ao contrário do que acontecia até há bem pouco tempo, já não enchem este Jardim Zoológico. Stefany, de luvas e máscara postas, coloca-se de cócoras para que as suricatas consigam aproximar-se da boca do frasco para comer. Os que estão mais atrás guincham bem alto, como que a pedir a sua vez. Os que estão mais à frente comem sofregamente. Uma das suricatas chega mesmo a engasgar-se, tal é o ritmo a que mastiga. “Pois, come rápido, não é? Não mastiga…”, diz Stefany no seu sotaque brasileiro, com o tom maternal de quem avisa — e se enternece ao mesmo tempo — aqueles que ajuda a criar.
“O grupo está espetacular”, comenta José Dias Ferreira, engenheiro zootécnico do Jardim Zoológico de Lisboa e responsável pela elaboração do plano de contingência da instituição. O engenheiro serviu de guia ao Observador numa visita ao Zoo, feita durante o período de vigência do estado de emergência, em que os portões verdes de ferro, ladeados pelas famosas colunas de pedra encabeçadas por duas águias, estiveram encerrados ao público. “Num museu, eu fecho a porta, mantenho a temperatura e a humidade controlada e, desde que tenha vigilância, não há problema nenhum. Aqui não dá para fazer isso”, afirma o engenheiro. A prova de que no Zoo a vida continuou ao longo destes quase dois meses está precisamente neste grupo de suricatas: para além das 14 que se entretêm a abocanhar tenébrios, há quatro novas crias, que nasceram precisamente durante este período de confinamento.
“A partir do dia 16 de março, que foi a altura em que nós fechámos as portas ao público, para os animais a única diferença que houve é não haver visitantes. Os tratadores são os mesmos, a dieta é a mesma, é tudo exatamente igual àquilo que era”, já tinha assegurado José Dias Ferreira assim que recebeu o Observador numa das entradas laterais do Zoo. Mas é claro que nem tudo é assim tão simples. É preciso garantir a segurança dos tratadores, assegurar que nenhum animal é infetado pelo novo coronavírus e sobreviver sem as receitas da bilheteira. Não admira que Martin Zordan, diretor da Associação Mundial de Zoos e Aquários, tenha definido a situação provocada pela Covid-19 como “sem precedentes”: “Nunca experienciámos nada assim. Neste momento, 90% dos nossos membros, que são 256 zoos e aquários, estão fechados”, contava a 9 de abril, em pleno pico da pandemia na Europa.
Máscaras, pedilúvios e desinfentantes: como impedir o contágio da tigre Natália e de outras espécies
Até o simples facto de não haver visitantes pode ter impacto em algumas espécies, a quem agrada mais o convívio com o público. “Alguns animais, como os primatas ou os papagaios, são muito enriquecidos por ver e interagir com os visitantes”, explicava à BBC o especialista em comportamento animal da Universidade de Exeter, Paul Rose. “É benéfico para o bem-estar do animal e para a sua qualidade de vida.”
José Dias Ferreira diz que, num Zoo como este onde existem cerca de 300 espécies, é difícil fazer uma generalização — mas aponta as suricatas como um dos exemplos de animais mais curiosos, que gostam de se aproximar do público, e que podem sentir falta dos visitantes. “O que eles fazem neste momento é que dão mais atenção às visitas do tratador, que ocorrem várias vezes ao longo do dia”, explica. No entanto, a equipa não tem “verificado grandes alterações de comportamento”, de acordo com o engenheiro, que prefere ser tratado simplesmente por “Zé”. “Mas qual é o problema de ser apenas senhor e não doutor ou engenheiro? É o que eu sou, sou um homo sapiens sapiens, do sexo masculino”, comenta, entre gargalhadas.
Formado em zootecnia e especializado em comportamento animal, Zé trabalha em Jardins Zoológicos desde os 23 anos. Agora, aos 45, teve de lidar com um desafio inesperado, chamado Covid-19. Em fevereiro, a administração e a equipa do Zoo de Lisboa perceberam que a situação poderia complicar-se caso o novo coronavírus atingisse Portugal. E, por isso, decidiram desenhar um plano de contingência, que esteve em prática desde que as portas foram oficialmente encerradas, a 16 de março, e que continuará a vigor — mesmo após esta sexta-feira, dia 7 de maio, em que o Jardim Zoológico reabriu oficialmente.
A primeira medida, pilar fundamental para depois desenvolver todo o resto do plano, foi dividir a equipa de tratadores em dois turnos. “São 14 dias em que um turno está a trabalhar e o outro turno estará em casa durante 14 dias, em isolamento. E vice-versa: quando vier o turno 2 trabalhar, o turno 1 estará em isolamento.” Desta forma, se algum dos trabalhadores do zoo desenvolvesse sintomas compatíveis com a Covid-19, já não regressaria ao local de trabalho, de forma a não contagiar colegas ou animais.
De seguida, a limpeza: diariamente são desinfetadas as zonas comuns, as zonas onde convivem os trabalhadores (refeitório, balneários, zonas de maneio dos animais), todo o material (cadeados, chaves, rádio para comunicação interna, etc.). A cada troca de turno, há uma desinfeção ainda mais a fundo, feita com um produto específico. Mas há mais: não é possível aos trabalhadores entrarem no Jardim Zoológico sem passar por um pedilúvio, uma espécie de caixa de plástico com produto desinfentante, por onde se passam os sapatos. E, se estes já existiam dentro do Zoo antes da pandemia, desde fevereiro que são cinco vezes mais. Há agora 80 pedilúvios novos, por onde se tem de passar para aceder a algumas instalações de animais.
E as máscaras? Bem, não há como fugir delas. Se com algumas das espécies já eram obrigatórias para os tratadores, desde que o novo coronavírus surgiu que vários zoos por todo o mundo passaram a equacionar utilizá-la com outras espécies, sobretudo os primatas, que têm tendência a ser vítimas de muitas das doenças que afetam os seres humanos. Mas, desde que o vírus foi diagnosticado em Nadia, um tigre do Zoo do Bronx (EUA), que as dúvidas sobre uma possível transmissão de humanos para outro tipo de animais ficaram desfeitas: ao todo, oito tigres daquele zoo estão infetados, depois de terem sido contagiados por um tratador assintomático.
Em Lisboa, as precauções foram tomadas ainda antes de Nadia ficar infetada: os tratadores de felinos passaram a usar máscaras desde meados de fevereiro. “Não só para os felinos, como para os primatas ou qualquer espécie em que haja mais proximidade entre tratador e animal — que tentamos neste momento ao máximo evitá-la”, assegura o engenheiro Zé. Os tigres da Sibéria que aqui estão descansam à sombra neste dia de sol, indiferentes às notícias que dão conta da possível infeção da sua espécie. “Eles adoram água, ao contrário dos gatos”, conta o engenheiro, enquanto aponta para o pequeno lago que existe na instalação destes felinos, onde a fêmea Natália já chegou a realizar dois partos, e onde o casal e as crias se podem refrescar. Mas não passam assim tão mal, explica o guia: “Os animais de clima frio em ambientes mais quentes não desenvolvem o sub-pêlo. Como é óbvio, tem de se ter cuidado com a temperatura, não se pode ter instalações sem sombra. Mas eles adaptam-se.”
Trabalhadores especializados e armazéns abastecidos. Em Lisboa não houve ameaças de matar espécies para alimentar outras
Os animais adaptam-se e as pessoas também. “Quando se chegou à conclusão que tínhamos de implementar o plano de contingência, com escalas específicas para a Covid, houve uma aceitação, sem problema absolutamente nenhum. As pessoas já estavam preparadas”, garante Dias Ferreira. Isto mesmo sabendo que isso implicaria trabalhar 14 dias de seguida, sem descanso, usando máscara a todas as horas. Mais: a zona dos refeitórios foi até reorganizada, para que as mesas ficassem a dois metros uma da outra, de forma a ninguém estar demasiado próximo à refeição. As alterações na rotina foram profundas.
Mais ainda se tivermos em conta de que falamos de uma equipa experiente, que conhece bem os animais, já passou por muito e ainda aqui está. Tratadores com 30 e 40 anos de experiência poderiam ser resistentes à mudança, mas não parece ter sido o caso. A prova está em António Bispo, tratador principal de grandes primatas e trabalhador do Zoo de Lisboa há mais de 30 anos. Ali está ele, dentro da instalação dos lémures, de máscara de pano cinzenta na boca, depois de ter passado pelo pedilúvio da entrada. Está a trabalhar há mais de 10 dias seguidos, mas mantém a boa disposição. “Isto aqui já é o Covid-20, não tenham problema”, diz à equipa de reportagem do Observador, para permitir a aproximação. Com calma, vai estendendo a comida aos lémures, utilizando um cabo para manter a distância, enquanto supervisiona a presença do fotojornalista do Observador dentro da instalação. No final, lança um sorriso e um piscar de olho para despedida.
“Os animais são uma das razões pelas quais eles vêm trabalhar todos os dias, portanto consideram isto uma missão”, resume Dias Ferreira. “As pessoas estão a trabalhar há 12 dias seguidos, sem fins-de-semana, sem nada, e não vê aqui ninguém encolhido ou mal-disposto. E depois vamos para casa, mas como é óbvio ficamos on call.”
É o que acontece quando se tem um trabalho altamente especializado. A formação de um tratador faz-se no terreno, assistindo e participando, acompanhado. O tratador de um certo tipo de espécies, como primatas, tem conhecimentos totalmente diferentes de outro, como um que cuide de répteis. “Uma pessoa com menos de três anos de profissão ainda é um estagiário”, confessa José Dias Ferreira com um sorriso. “E requer não só o trabalho prático, como também ler acerca do assunto. Imagine, cada setor tem 40 espécies a seu cargo, aproximadamente. Uns têm menos, outros mais. Tem muita coisa para ler e se ir mantendo atualizado.”
Só um tratador com experiência pode ser capaz de alimentar os sonolentos coalas com as seis espécies diferentes de eucalipto que comem, sendo que, de entre elas, escolhem sempre apenas os rebentos e folhas jovens. O Jardim Zoológico — que foi o primeiro zoo na Europa a acolher coalas — vai mantendo essa alimentação variada e fresca graças às três plantações de eucaliptos de que dispõe: uma dentro do próprio zoo, outra num espaço do Instituto Superior de Agronomia e uma terceira na Mata Nacional do Escaroupim.
E se com os eucaliptos o problema está resolvido, com outro tipo de alimentação a situação não tem sido tão simples para alguns zoos, que denunciaram dificuldades de abastecimento durante esta pandemia de Covid-19. Foi o caso do Zoo de Neumünster, na Alemanha, que chegou a elaborar um plano para eutanasiar alguns dos seus animais a fim de servirem de alimento para outros.
Uma situação que, de acordo com o engenheiro Dias Ferreira, esteve sempre longe de acontecer em Lisboa. “Felizmente, na estrutura do Jardim Zoológico, houve pessoas com visão, que perceberam que isto poderia vir a acontecer e preparam-se para esta situação. Essa é uma das razões pelas quais estamos todos com máscara neste momento, estamos todos com armazéns com alimento para as espécies que cá temos e temos estado a funcionar bem.”
Isto apesar dos elevados custos fixos de manter um Jardim Zoológico a funcionar. “Nós somos 100% privados, grande parte da receita vem da bilheteira, que neste momento é nula. Portanto o esforço que está a ser feito para manter todos os serviços que temos no Zoo, principalmente os relacionados com animais, no máximo da qualidade, é um esforço financeiro elevado”, conta o engenheiro. A administração do Jardim Zoológico não quis revelar ao Observador dados de outros tipos de receita, como os apadrinhamentos feitos por empresas e indivíduos (cujos contratos são confidenciais), mas fonte do Zoo garantiu ao Observador que, durante este período, todos os salários dos trabalhadores e a alimentação de todos os animais foram assegurados.
“Encontros com os Biólogos” para as famílias e “os apoios” aos professores
E se a vida continuou dentro do Zoo ao longo destes quase dois meses, também continuou com um mínimo de ligação ao exterior. Assim que a administração decidiu fechar portas a 16 de março, Antonieta Costa, coordenadora do centro pedagógico do Jardim Zoológico, reuniu a sua equipa para pensar em maneiras novas de chegar ao público.
“De um dia para o outro, tivemos de nos reinventar”, conta ao Observador, à sombra de uma árvore junto à entrada lateral do espaço das Laranjeiras. Todas as noites, a sua equipa reúne-se no Zoom e muitos continuam a trabalhar noite fora. “Recebo emails às 2h, 3h da manhã e às 5h já estou a responder. É assim, tem de ser assim”, afirma, encolhendo os ombros.
A primeira iniciativa foi criada em poucos dias. Adaptando uma parte dos workshops presenciais que eram dados no Zoo a estudantes universitários a um público familiar, a equipa do centro pedagógico organizou uma série de sessões de 45 minutos, via Zoom, a que chamou “Encontros com os Biólogos”. A adesão superou as expectativas da organização: “Tivemos cerca de 3 mil participantes nas oito primeiras sessões”, diz Antonieta, entusiasmada. “Para nós foi uma surpresa, nem sequer estávamos a contar com isso, porque foi tudo tão rápido, não houve tempo sequer de divulgar muito.” As perguntas das famílias foram sobretudo focadas em curiosidades sobre os animais, que à altura não podiam ver ao vivo, mas houve espaço para falar de temas mais complexos, como as alterações climáticas ou as espécies invasoras. “As pessoas aderiram bastante, de facto”.
E não foram as únicas iniciativas feitas via online. Por ano, o Zoo de Lisboa recebe cerca de 75 mil alunos em visitas de estudo, para as quais tem programas específicos, adaptadas ao nível de ensino. A equipa de Antonieta pôs as mãos na massa e reinventou esses programas: “A colega que está com o pré-escolar fez um teatro de sombras, depois um slow motion… E fez tudo sozinha, em casa, com o que tinha! Desenhou, recortou, filmou, tudo. Com os ajustes de toda a gente a dar apoio, é claro, a dizer ‘faz assim, faz assado’. Estamos a fazer tudo sem rede, sozinhos, cada um nas suas casas.”
Os vídeos, disponibilizados no Youtube, estão adaptados ao currículo escolar, razão pela qual o Jardim Zoológico é reconhecido pelo Ministério da Educação como estando dentro da estratégia nacional para a cidadania. “Não queremos substituir os professores, eles são insubstituíveis”, assegura Antonieta. “Mas o nosso principal objetivo é apoiá-los, apoiar as suas aulas, porque eles também tiveram de se reinventar”. Se no 1º ciclo se ensina a distinção entre animais domésticos e selvagens, no 3º já é possível aprender sobre ecossistemas. E no ensino secundário, de nível mais avançado, o Zoo propõe programas para estudar a evolução das espécies, por exemplo.
“É claro que nada disto substitui uma visita ao Jardim Zoológico e ver um animal ao vivo. Mas os tempos são o que são e tivemos de o fazer assim neste momento”, diz a coordenadora pedagógica, destacando ainda os esforços que a equipa tem feito na sensibilização para a conservação.
O debate sobre a existência dos zoos e o possível baby boom provocado pela pandemia
Esse é um esforço que é caro ao Zoo, que tem investido em vários programas organizados pela International Union for Conservation of Nature (IUCN) e pelo World Wildlife Fund (WWF). É o caso do projeto para a reintrodução do leopardo da Pérsia, extinto em habitat natural, no Cáucaso. O engenheiro Zé leva o Observador a ver as crias da fêmea Vitória, entretanto enviada para Sochi, na Rússia, para o centro de preparação para a reintrodução. Mas, tendo em conta a hora diurna, a maioria dorme, escondidas na sombra.
“Nesse centro, que recebe animais de Jardim Zoológico e que também poderá reproduzir, os animais são preparados para uma situação de habitat natural. Têm de aprender a caçar, aprender a lidar com os perigos que vão ter após reintrodução, e esse trabalho é todo feito ao longo de, imagine, 12 a 18 meses”, explica o engenheiro. Se estiverem aptos, os leopardos são reintroduzidos no meio “selvagem”. Se não, regressam para o Zoo. “É o único programa de preparação e reintrodução de felino de grande porte que existe no mundo e é coordenado por nós. Às vezes temos pouca noção daquilo que o Jardim Zoológico está a fazer mesmo em termos internacionais”, diz Dias Ferreira, com orgulho.
A conservação e a reprodução de espécies em vias de extinção é um dos pontos que este engenheiro zootécnico aponta como sendo uma das mais-valias dos Jardins Zoológicos — um debate antigo a que não se escuda. “Eu percebo as várias perspetivas, sei exatamente a razão pela qual é importante existirem jardins zoológicos bons — não é existirem jardins zoológicos no geral”, defende-se, tendo em conta os vários casos de maus-tratos a animais detetados em alguns zoos mundiais.
Num zoo “bom”, como considera que é o de Lisboa, os programas de conservação são parte da mais-valia que diz serem trazidas por estes jardins zoológicos: “Uma coisa é a experiência que nós temos com estes animais diariamente, em ambiente de Jardim Zoológico, outra coisa é a experiência que tem um biólogo ou um investigador que acompanha a mesma espécie no habitat natural”, explica. “O que se percebeu já há alguns anos foi que, unindo esforços, não só com o nosso apoio financeiro como com o nosso apoio de know how e maneio da própria biologia das espécies, em conjunto com pessoas que estão a trabalhar diretamente no terreno, o resultado é 50 vezes melhor.”
O impacto que estes quase dois meses de confinamento podem ter tido nesses programas, contudo, ainda está por avaliar. O Zoo de Lisboa decidiu manter-se naqueles em que está envolvido, mas outros zoos têm feito apelos a financiamento público e a doações do público, com a quebra de receitas a deixá-los em situações financeiras complicadas. Outros efeitos da pandemia, como maiores índices de reprodução dos animais devido à recém-adquirida privacidade, estão ainda por avaliar, tendo em conta que dois meses podem não ser suficientes para detetar uma nova gravidez em algumas espécies. Muito famoso é já o caso dos dois pandas de um zoo de Hong Kong, que se reproduziram pela primeira vez ao fim de 13 anos, durante o confinamento.
Os pandas são das espécies mais difíceis de se reproduzirem em cativeiro, a par das chitas. “Há muitos jardins zoológicos com chitas, mas só 10% é que conseguem reproduzir. O nosso é um deles”, conta o engenheiro Dias Ferreira, destacando que os machos e fêmeas têm de estar separados, caso contrário desenvolvem comportamento de irmãos e não acasalam. “Tem que haver algum mistério. O macho visita a instalação da fêmea, marca a instalação da fêmea durante a noite, a fêmea está numa outra instalação. E, no dia seguinte, a fêmea visita essa instalação, vê que houve marcação, percebe que é um macho, mas não o vê. E tudo isso provoca e estimula o cio. Depois cabe ao tratador identificar o cio e juntar os animais”.
Um verdadeiro trabalho de casamenteiros, que ajuda a explicar também a necessidade de ter tratadores experientes a trabalhar. E é preciso estar atento a cada passo, de cada espécie. Prova disso é a aproximação de Bá, uma gorila fêmea, que se abeira de um dos vidros no Templo dos Primatas para sorrir a estes novos visitantes, enquanto descai ligeiramente a cabeça. “Mas ali está o Nasibu numa posição um bocadinho ameaçadora…”, avisa o engenheiro, apontando para o silverback, o macho com dorso prateado que observa a interação com os humanos, à distância, mas de olhos fixos.
O tempo dirá se este encerramento forçado levou a algum baby boom nos zoos mundiais e, em particular, no Jardim Zoológico de Lisboa. Para já, e tendo em conta a reabertura oficial esta sexta-feira, certo é que os visitantes já podem voltar a atravessar os portões verdes de ferro e a passear por entre os caminhos do Zoo e ouvir a banda sonora oficial do chilrear dos pássaros misturada com os ulos dos primatas. Por enquanto, as apresentações e atrações como a Baía dos Golfinhos permanecerão encerradas, mas quem quiser pode ir visitar as instalações, sem haver nenhuma indicação de lotação máxima.
Há uma recomendação, contudo, que se mantém: visitantes e trabalhadores devem continuar a usar máscara, para proteger os animais. O engenheiro Zé, que diz ter adquirido a função indesejada de “polícia das máscaras” entre os tratadores, prevê que não será difícil: “Nós habituamo-nos a isto, no fundo. Vai ser mais difícil tirar a máscara: é como tirar uma burqa”, afirma em jeito de piada. Até lá, os animais do Zoo continuarão o seu dia-a-dia, sem alterações. Com ou sem Covid-19.