Quando reuniu com as autoridades sul-africanas, a Policia Judiciária portuguesa não falou apenas do processo que João Rendeiro tem transitado em julgado em Portugal e pelo qual enfrenta uma cadeia de mais de cinco de anos. A polícia portuguesa enquadrou todos os processos que envolvem o BPP e o antigo banqueiro e, tal como disse o diretor nacional esta manhã de sábado, falou na gravidade dos crimes em questão. Por isso não deixou de parte outros dois processos que o arguido tem ainda pendentes, um pelo qual é também procurado para ficar em prisão preventiva, e outro cuja decisão é de setembro, altura em que decidiu fugir de Portugal. Mas que processos são estes?
A primeira condenação foi em outubro de 2018
O primeiro processo em que foi condenado e que já se tornou definitivo na justiça portuguesa tem o número de identificação 7447/08.2TDLSB e refere-se à falsificação de faturação do BPP para ocultar os seus prejuízos. A primeira decisão deste caso é de 15 de outubro de 2018, quando João Rendeiro e o seu braço direito Paulo Guichard foram condenados a uma pena suspensa. Esta decisão foi depois alterada pela Relação, motivando o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça — que em janeiro deste ano de 2021 decidiu que a pena única de prisão por cinco anos e 8 meses aplicada a Rendeiro, por falsidade informática e falsificação de documentos, se mostrava “justa, adequada e proporcional, sendo, por isso, de manter”. Já quanto a Guichard, condenado a quatro anos e oito meses pela Relação, os juízes do Supremo entenderam que esta pena não lhe permitia recorrer para um tribunal superior.
João Rendeiro condenado a 5 anos e 8 meses de prisão efetiva
Em julho a defesa de Guichard recorria então para o Tribunal Constitucional, alegando que o seu cliente tinha sido condenado duplamente pelo mesmo: uma vez por via do processo contraordenacional, outra pelo penal. Quase dois meses depois, a 13 de setembro, a defesa de Rendeiro fazia chegar ao Constitucional um requerimento a lembrar que um recurso interposto por um interessado aproveita aos restantes e tem efeito suspensivo, “pedindo a extensão do mesmo efeito ao ora requerente”. Mas, a 18 de setembro, era certificado o trânsito em julgado da decisão do Supremo, ou seja, o acórdão tornava-se definitivo. Por isso, logo após Rendeiro ter sido alvo de um mandado de detenção europeu e internacional por ter comunicado a outro processo que não pretendia regressar a Portugal, foi-lhe emitido um segundo mandado em seu nome à ordem deste processo.
Perante a possibilidade de ser considerado o segundo fugitivo do processo, a defesa de Paulo Guichard — que informou o tribunal que estava no Brasil — disse que o arguido regressaria a Portugal e que estava disponível para entregar o seu passaporte mal chegasse.
“Perante o enorme abalo social provocado pela fuga do arguido João Rendeiro (ex-presidente do BPP) e as suspeições públicas que de imediato se fizeram sentir sobre o risco de ser o próximo arguido deste processo a subtrair-se à ação da Justiça, é intenção do arguido Paulo Guichard passar novamente a residir em Portugal”, lia-se no requerimento.
No entanto, Guichard seria detido ao chegar ao aeroporto do Porto. O advogado Nuno Brandão interpôs um pedido de habeas corpus, considerando a detenção ilegal explicando que o seu recurso para o Constitucional ainda não tinha sido apreciado, logo a decisão da sua pena não era definitiva e não podia ser preso por isso. O Supremo Tribunal deu-lhe razão e Guichard foi libertado.
A defesa de Rendeiro aproveitando a decisão decidiu então enviar um requerimento ao processo para que Rendeiro gozasse das mesmas condições do seu número 2 no BPP. Perante o pedido, o Ministério Público considerou haver dúvidas e sugeriu ao juiz que pedisse ao Tribunal da Relação de Lisboa uma posição. O juiz Nuno Dias Costa, que decretou o trânsito em julgado dos autos e emitiu o mandado de captura para que Rendeiro fosse detido para cumprir a pena de prisão de cinco anos e oito meses, viu a sua decisão confirmada pelo tribunal superior. Afinal, Rendeiro não tinha razão.
Segunda decisão é de 2021 e juíza percebeu que ele já estava a preparar a fuga
O chamado processo dos prémios, no qual João Rendeiro foi condenado em maio último a uma pena de 10 anos de prisão efetiva por fraude fiscal qualificada. Neste caso, João Rendeiro foi formalmente acusado em janeiro de 2016. Um ano depois, ele e os outros arguidos foram pronunciados por fraude fiscal qualificada. Em causa estiveram prémios na ordem dos 30 milhões de euros que os administradores terão atribuído a si próprios.
O julgamento deste caso era para ter tido início em janeiro de 2020, mas acabou por ser adiado e começar em março. O acórdão seria lido em maio de 2021 com Rendeiro condenado a uma pena de dez anos em cúmulo jurídico pelos vários crimes. Pela complexidade do processo, o prazo para recorrer foi alargado.
Desde a fase de inquérito deste caso, tanto Rendeiro como os restantes arguidos estavam em liberdade com termo de identidade e residência, a medida de coação menos grave. A 19 de julho, porém, o arguido informou o processo de que estaria na Costa Rica entre 15 de julho e 21 de agosto, podendo ser contactado através da representação consular. A 13 de setembro deu nota de nova ausência, desta vez para o Reino Unido, fornecendo como morada a da embaixada. Dez dias depois a juíza Tânia Loureiro Gomes notificou o arguido para em 48 horas dar a sua real morada e dizer onde se encontrava. Marcou também um dia para o ouvir presencialmente para eventualmente lhe aplicar uma medida de coação mais grave.
Mas a 29 de setembro, o arguido informava, através da sua advogada, e o mundo, através do seu blogue, de que não pretendia regressar a Portugal. Perante a informação, foram emitidos mandados de buscas com a colaboração da Europol e da Interpol.
Um dos mandados destina-se, assim, a cumprir a prisão preventiva que foi decretada pela juíza Tânia Loureiro Gomes por Rendeiro não ter comparecido no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa no dia 1 de outubro para discutir a alteração da medida de coação. A juíza considera que deve então ficar em prisão preventiva.
Este processo subiu entretanto para o Tribunal da Relação que vai apreciar os recursos dos arguidos.
Terceiro processo teve sentença com Rendeiro já fugido
O terceiro processo tem uma acusação contra três arguidos (Rendeiro, Guichard, e Salvador Fezas Vital) que foi proferida em 8 de julho de 2020 pelo crime de burla qualificada. O julgamento, porém, só terminou em novembro desse ano e o acórdão foi lido cerca de um ano depois, por motivos de agenda e por causa da pandemia. Neste processo, Guichard foi condenado a três anos de prisão, Rendeiro a três anos e seis meses e e Fezas Vital a dois anos e meio. Todos eles foram obrigados a pagar 225 mil euros, por danos patrimoniais ao assistente Júlio Francisco Magalhães e 10 mil euros por danos não patrimoniais. Rendeiro ainda não foi notificado desta decisão. Ainda corre o prazo para os recursos.
Para os juízes que o julgaram, ficou provado que os três arguidos sabiam, ao contrário do que afirmaram, que o BPP estava já, aquando do investimento proposto pela gestora de conta da vítima, numa situação “delicada” e sem cumprir os rácios de solvabilidade. “A publicidade que faziam sobre a situação do banco era ilusória”, lê-se no acórdão.