Há quatro anos, quando o PCP se reuniu em Loures, todas as atenções estavam focadas em saber se Jerónimo de Sousa continuaria como líder. Continuou, mas por pouco tempo, e nesta sexta-feira arrancará o primeiro congresso em que Paulo Raimundo já estará à frente dos destinos do partido. A liderança mudou, mas os desafios do PCP são muito semelhantes: tal como há quatro anos, o partido tem umas eleições autárquicas para preparar (desta vez, com um ponto de partida pior) e muitas preocupações com a sua dinâmica interna, uma vez que neste momento os novos militantes não chegam para compensar os que saem ou morrem.

Neste congresso será, naturalmente, importante estar atento à participação de Paulo Raimundo, que já admitiu estar “preocupado” com as próximas autárquicas — pediu a Jerónimo de Sousa uma expressão emprestada, para dizer que “quem não está preocupado anda distraído”. Jerónimo, que saiu mas continua a ser muito acarinhado no partido, vai manter-se semi-presente, com lugar no Comité Central. Pela tribuna vão passar os deputados do partido, mas também rostos menos conhecidos — mas com muito poder no aparelho — e figuras de peso que representam o PCP em várias frentes, de Lisboa (João Ferreira) a Bruxelas (João Oliveira), passando pelo palco da televisão, onde os comunistas se queixam de que quase não entram (e são representados por Bernardino Soares).

Paulo Raimundo

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Em quatro anos, desde o último congresso do PCP — então ainda liderado por Jerónimo de Sousa —, muita coisa mudou. E essas mudanças pareceram surpreender o próprio sucessor, Paulo Raimundo, um desconhecido do eleitorado que se viu atirado de repente, na sequência da saída abrupta de Jerónimo, para o topo do partido. Nos dois anos que já cumpre como líder, Raimundo desabafou ter ficado “à rasca” ao perceber a “tarefa” que o partido decidira atribuir-lhe, contou que a maior mudança na sua vida foi ter de passar a fazer a barba todos os dias e lançou alguns alertas sobre o estado do PCP. Mas a situação eleitoral do partido não mudou.

Raimundo é classificado, na grelha do PCP, como um “operário” — é essa a sua origem profissional, embora tenha trabalhado durante trinta anos como funcionário do PCP — e conhece o partido de uma ponta à outra. Já teve diversas responsabilidades atribuídas pelo PCP, incluindo fazer a ponte com sindicatos e até movimentos de protesto orgânicos. E é descrito pelos seus camaradas como uma pessoa ponderada, dedicada a promover pontes e consensos, além de afável e, para alguns, inesperadamente honesto nas respostas que dá e nos desabafos que faz.

Essas qualidades que lhe são apontadas, que para muitos comunistas ajudam a tornar Paulo Raimundo uma espécie de “homem comum” e com o qual será fácil o eleitor médio identificar-se, ainda não se traduziram em resultados. Quando ainda se estava a ambientar no cargo, Raimundo teve de liderar o partido nas eleições legislativas deste ano e o resultado foi nova queda, com o PCP a perder dois deputados, tal como aconteceu nas eleições europeias, em que o partido teve o resultado mais baixo de sempre. Nos próximos anos terá novos desafios eleitorais (avizinham-se eleições autárquicas e presidenciais) e, como já avisou, “quem não está preocupado é porque está distraído“. Mas para os comunistas os resultados dificilmente serão atribuíveis ao secretário-geral — o trabalho é do “coletivo”.

Jerónimo de Sousa

No último congresso, em 2020, a pergunta que se fazia a todos os comunistas — incluindo o próprio — era uma: seria este o conclave em que o partido se despediria de Jerónimo de Sousa. A resposta era não — Jerónimo voltou nesse ano a ser eleito secretário-geral — mas, ao contrário do que se esperava no partido, a saída acabou por surgir ainda a meio do mandato, em 2022. Foi assim, de forma abrupta e com fontes comunistas a explicarem a saída com a idade avançada do líder e complicações de saúde, que Jerónimo acabou por sair. A decisão foi anunciada numa simples nota aos jornalistas, numa noite de sábado, em que o partido comunicava “a substituição de Jerónimo de Sousa”.

Nessa altura, numa conferência de imprensa marcada para dizer adeus pela sua própria voz, Jerónimo admitiu que o partido precisava de mais energia, frisou em vários momentos que saía por “iniciativa própria” e teve gosto em assumir que o seu longo mandato ficava marcado também pela “política dos afetos”. Operário fabril, deputado constituinte e líder do PCP durante 18 anos, Jerónimo era de facto conhecido por ser acarinhado dentro e fora do partido, sendo que nos corredores do PCP se comentou sempre a diferença que se sentia nas reações dos eleitores, na rua, quando Jerónimo fazia parte de uma ação partidária ou de campanha.

Apesar dessa popularidade no PCP e mesmo entre figuras de outros partidos, Jerónimo acabou por sair quando o partido já estava em mínimos, envolto em polémicas por causa da sua posição sobre a invasão da Ucrânia e a sentir-se “cercado” por todos os lados. Agora, e apesar de ter pedido recentemente que o partido lhe dê uma “tarefa ligeirinha“, vai continuar no Comité Central — será o “senador” mais velho, com 77 anos —, mantendo-se assim relativamente ativo na vida partidária.

Paula Santos

É a mulher com mais protagonismo no atual PCP, ainda que se encontrem mais algumas, como as dirigentes Fernanda Mateus e Margarida Botelho, nos principais órgãos do partido. Paula Santos faz parte da Comissão Política do Comité Central e foi escolhida para a difícil tarefa de liderar a bancada comunista, agora emagrecida (tem quatro deputados), em tempos de maioria de direita na Assembleia da República. É, por isso, a segunda figura do partido — logo depois de Paulo Raimundo — com mais protagonismo e exposição na defesa das posições do PCP.

Para o partido, é uma figura há muito conhecida: é cabeça de lista por um dos círculos mais importantes para o PCP (o de Setúbal), embora desta vez tenha sido a única eleita pelo distrito; está no Parlamento há quatro legislaturas e já tinha assumido a liderança da bancada de forma interina quando o antecessor, João Oliveira, foi pai. A atual presidente do grupo parlamentar comunista é licenciada em química tecnológica, tem 43 anos e tem uma vida partidária longa, uma vez que foi dirigente estudantil (da mesma geração de João Oliveira, Miguel Tiago ou Rita Rato) e fez parte da direção da JCP.

António Filipe

António Filipe é a figura mais experiente da bancada do PCP: é a 11ª legislatura em que se senta no Parlamento, sendo que só falhou a anterior, em que não conseguiu ser eleito pelo círculo eleitoral de Santarém. Falhada a sua eleição, uma notícia que fez soar alarmes no PCP, António Filipe continuou a trabalhar para o partido nos corredores da Assembleia da República, mas como assessor.

Desta vez, o PCP não arriscou e incluiu o deputado na lista por Lisboa, assegurando que seria, com mais probabilidade, eleito. E assim voltou a contar com um dos seus senadores mais experientes na bancada — António Filipe faz muitas intervenções pelo PCP no púlpito da Assembleia, mas também defende o partido (e lança umas quantas bicadas aos adversários) muito ativamente nas redes sociais.

Fora do Parlamento, António Filipe é também uma figura de destaque no partido, integrando o Comité Central. No PCP, é sempre uma voz a ter em conta. Aos 61 anos, é professor universitário, tem um mestrado em Ciência Política, Cidadania e Governação e um doutoramento em Direito Constitucional pela Universidade holandesa de Leiden.

Francisco Lopes

Francisco Lopes continua a ser, congresso após congresso, um dos nomes a ouvir com atenção na altura em que subirem à tribuna do conclave para falar, uma vez que é um dos pesos políticos pesados do PCP. Há muito que o comunista, que soma 69 anos e é eletricista de profissão — ou seja, pertence à categoria dos “operários” no PCP —, é considerado um dos nomes mais influentes da linha sindical. Além disso, neste momento continua a ser um dos poucos membros do partido que fazem simultaneamente parte dos dois órgãos mais restritos do PCP, a Comissão Política e o Secretariado. Faz, de resto, parte do Comité Central desde 1990.

Francisco Lopes já protagonizou algumas candidaturas pelo PCP: o histórico comunista foi deputado entre 2005 e 2019, tendo chegado a ser cabeça de lista pelo círculo de Setúbal, e foi candidato presidencial em 2011, conquistando 7,14% dos votos. Desde que saiu do Parlamento é um rosto menos visível para fora do partido, embora até à substituição de Jerónimo de Sousa continuasse sempre a conjeturar-se que ainda poderia suceder-lhe na liderança. Não se confirmou.

Bernardino Soares

O ex-autarca comunista é a única figura que neste momento contraria um dos grandes problemas que se reclamam nos corredores do PCP: a falta de espaço mediático. Dentro do partido, não falta quem se queixe de que partidos com menos representação têm mais projeção nas televisões do que o PCP e que assim fica particularmente difícil passar a sua mensagem, que os comunistas dizem tantas vezes ser “distorcida” pelos meios de comunicação. Esta é a exceção: Bernardino Soares é comentador na CNN, pelo que além de já ser um rosto bem conhecido do público continua a aparecer regularmente para comentar a atualidade nacional e política.

Além disso, Bernardino Soares, hoje com 55 anos, não só já tinha sido deputado do PCP em diversas legislaturas como chegou a liderar a bancada comunista. Saiu do Parlamento para se lançar à candidatura a Loures, autarquia que conquistou em 2013. A derrota em 2021, quando o município passou a ser governado pelo socialista Ricardo Leão, foi particularmente dura para o PCP, uma vez que era uma das maiores câmaras municipais do partido e que simbolizou mais um rombo considerável na influência autárquica do PCP.

Desde então, Bernardino Soares tornou-se responsável pela coordenação da área da Saúde dentro do partido e já deixou claro que está fora de novas aventuras autárquicas — ainda esta semana teceu elogios nas suas redes sociais ao novo candidato do PCP a Loures, Gonçalo Caroço, considerando que este tem “excelentes condições” para recuperar o controlo da autarquia.

João Oliveira

Com 26 anos foi eleito deputado e com 34 subiu a líder parlamentar. Depois disso, João Oliveira, formado em Direito e hoje com 45 anos, teve o seu maior desafio: gerir e dar a cara, a nível parlamentar, pelas negociações intensas com o PS nos tempos de ‘geringonça’. Mas a experiência parlamentar chegou a um fim abrupto em 2022, quando falhou a eleição como cabeça de lista por Évora — no mesmo momento em que António Filipe falhou a eleição em Santarém, duas perdas que fizeram soar alarmes no PCP — e voltou à profissão de advogado.

Não seria por muito tempo: em 2023, foi escolhido pelo partido para encabeçar a lista para o Parlamento Europeu. Nessa altura, em entrevista ao Observador, sugeria que teria sido mais difícil aceitar um regresso à Assembleia da República, descrevendo os anos de geringonça como “uma mochila pesada às costas”: “A Assembleia da República ganhou uma centralidade que não tinha e isso colocou uma grande exigência no trabalho particularmente no grupo parlamentar do PCP”. Em maio, garantiu a sua eleição em Bruxelas, mas o PCP perdeu o segundo eurodeputado.

Conhecido por ser bem disposto e ter herdado a propensão de Jerónimo de Sousa para se expressar com recurso a adágios populares, João Oliveira continua a ser uma das figuras mais acarinhadas no partido (e mais reconhecidas fora dele). E mantém um lugar de destaque na hierarquia, uma vez que faz parte da Comissão Política do Comité Central.

João Ferreira

Não faltam referências ao facto de João Ferreira ser uma espécie de “faz tudo“, ou candidato a tudo, do PCP. Neste momento, o biólogo de 45 anos é vereador em Lisboa, mas já foi cabeça de lista ao Parlamento Europeu (onde cumpriu três mandatos) e candidato presidencial, em 2021. Os comunistas continuam a orgulhar-se dos resultados que traz, ou pelo menos segura, nessas candidaturas e voltaram a apostar nele como figura cimeira da próxima candidatura autárquica em Lisboa.

Curiosamente, o partido apressou-se a fechar e anunciar esta escolha (ainda durante o verão), com muita antecedência, enquanto nos corredores dos restantes partidos de esquerda se discutia uma hipotética coligação anti-Carlos Moedas. Nas suas intervenções e nas redes sociais, onde é muito ativo e se envolve em discussões políticas, vai criticando tanto PSD como PS, defendendo sempre que a cidade precisa de uma “verdadeira alternativa”. Faz parte da Comissão Política do Comité Central e é definido pelos adversários como um comunista ortodoxo que não lhes dá grande confiança, ao mesmo tempo que bastante popular dentro do partido.

Tiago Oliveira

Cumpre-se a tradição: tal como a sua antecessora, Isabel Camarinha, o secretário-geral da CGTP também é filiado no PCP. Mas é mais do que isso: faz mesmo parte do Comité Central do partido, tendo assim uma ligação ainda mais próxima com o PCP. Aos 43 anos, Tiago Oliveira veio substituir Camarinha (que estava à beira da idade da reforma, o que a impede de ser líder da central sindical), depois de ter desenvolvido a sua atividade sindical durante décadas no norte do país.

É mecânico de pesados (portanto operário), tendo estudado em Matosinhos e feito um curso profissional de Eletromecânica antes de passar a trabalhar na Auto Sueco, na Maia, aos 17 anos, como contava aqui o Público. Foi ali que se tornou delegado sindical. Passou a ser sindicalista a tempo inteiro em 2006. Estando ainda no início do seu mandato como secretário-geral da CGTP, resta saber se conseguirá fortalecer a influência da central nos locais de trabalho — a direção de Camarinha saiu com um registo de 110 mil novas sindicalizações no último mandato, abaixo da meta de 120 mil que tinha definido.