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O convento do Jardim das Francesinhas, junto à Assembleia da República e à Calçada da Estrela, fotografado em 1910. Seria demolido no ano seguinte

Arquivo CML

O convento do Jardim das Francesinhas, junto à Assembleia da República e à Calçada da Estrela, fotografado em 1910. Seria demolido no ano seguinte

Arquivo CML

Quem os construiu, que ordens os ocuparam e o que lhes aconteceu: há uma história de Lisboa guardada nos conventos

De 24 a 27 de maio, 32 antigos conventos vão estar de portas abertas para receber visitas livres, guiadas e outros itinerários e descobrir mais sobre o legado das ordens religiosas na cidade.

Estamos no Jardim das Francesinhas, localizado na freguesia da Estrela, em Lisboa. Entre o atual campus do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG) e o edifício da Assembleia da República (construído originalmente como Mosteiro de S. Bento da Saúde), o jardim é um ponto de encontro de um itinerário que dá a conhecer alguns dos antigos conventos existentes neste bairro da capital portuguesa.

“Neste mesmo local, estamos na verdade naquilo que seria o claustro do Convento das Francesinhas, que aqui existiu até à sua demolição no início do século passado”, começa por explicar Hélia Silva, historiadora e membro do Núcleo de Estudos do Património da Câmara Municipal de Lisboa. Juntamente com Tiago Borges Lourenço, investigador do Instituto de História da Arte da Universidade de Lisboa, dá-se início a um percurso em que se revela a presença e importância na história da cidade das diversas ordens religiosas – neste caso com uma passagem por três edifícios que ainda se mantêm de pé.

Hélia Silva e Tiago Borges Lourenço, os responsáveis por estes percursos

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

O itinerário faz parte daquela que será a 2.ª edição da iniciativa Open Conventos, após o sucesso da primeira, em 2019. Ao todo, de 24 a 27 de maio, 32 antigos conventos de Lisboa vão estar de portas abertas ao público, para a realização de visitas livres, guiadas ou itinerários. Trata-se de uma iniciativa desenvolvida pela Câmara Municipal de Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o Quo Vadis – Turismo do Patriarcado de Lisboa e o Instituto de História de Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, com o objetivo de dar a conhecer de perto o património que conta a história religiosa (e não só) da cidade. Afinal, o que têm em comum a Assembleia da República, o Museu Nacional de Arte Antiga ou a Cúria Patriarcal? Todos já foram Conventos ou Mosteiros. “Quando começámos a trabalhar neste projeto, o que nos interessava era mostrar às pessoas o que este valioso património revela, a partir do qual é possível fazer a transição da Lisboa religiosa para a Lisboa cidade”, sustenta a historiadora.

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“Muitos destes edifícios já são há mais tempo laicos do que foram religiosos”, realça Hélia Silva ao Observador, relembrando o momento da extinção das ordens religiosas em Portugal, que se iniciou ainda nos finais do século XVIII, mas que se estendeu até à consolidação do liberalismo em 1834. Entre os diversos hospitais hoje existentes na cidade até às faculdades, como a de Belas Artes, são muitos os edifícios que foram sendo adaptados ao longo de décadas. “Muitos deles para fins militares, outros como museus, bem como para a criação de outro tipo de instituições, como foi o caso das universidades”, sintetiza. De regresso ao percurso, no Jardim das Francesinhas estava então um convento, fundado em 1667, mas que depois de demolido teve como primeiro plano a construção de um polo universitário, nomeadamente com um projeto do arquiteto Miguel Ventura Terra para um Instituto Superior Técnico em 1915, que não chegou a sair do desenho. “Esse projeto caiu e, em 1935, no âmbito das festas da cidade foi aqui construído um bairro histórico em forma de parque temático. Era uma reconstrução de uma parte da cidade, que se chamou ‘Lisboa Antiga’”, recorda Hélia Silva.

O convento do Jardim das Francesinhas, à esquerda em 1911, depois de demolido. À direita, a mesma área em 1935, onde foi construída a "Lisboa Antiga", um "bairro histórico em forma de parque temático"

Prosseguimos o percurso com mais um dado sobre a presença das ordens religiosas: até 1834, ano do decreto que lhes coloca um fim, existiam cerca de 70 casas religiosas em Lisboa, salientam os investigadores, sendo que a maioria está de pé (ou pelo menos parte deles). Do local onde estaria o Convento das Francesinhas, o itinerário segue pelo ISEG dentro, para entramos no claustro do que foi o chamado o Convento das Inglesinhas (1594-1861), nome pelo qual ficou conhecido o Convento das Brigantinas ou de Santa Brígida.

De Inglaterra para Lisboa

Passamos os edifícios contemporâneos que fazem parte do ISEG e subimos a escadaria do mais antigo edifício que compõe este campus. “Aqui funcionou então o Conventos das Inglesinhas, que serviu para albergar homens e mulheres que fugiram de Inglaterra, católicos da Ordem de Sião que tinham sido expulsos em 1539, no reinado de Henrique VIII”, conta a historiadora. “Vinham de barco e chegou a ter cerca de 70 pessoas a viver nele. Fugiram porque não conseguia manter a sua religião lá.” Ali se passaram mais de duzentos anos e para a história fica também o facto de ter sido, pelo menos ao longo de um século, o único convento misto que existiu, sublinha Tiago Borges Lourenço.

Reconstruído duas vezes (uma vez após um incêndio em 1651 e depois do terramoto de 1755), o convento mantém-se até à saída definitiva das religiosas em 1861, ano em que as freiras regressam a Inglaterra. Mantendo-se em posse religiosa e estrangeira, o edifício é então dividido, tornando-se na sede da Companhia de Jesus em Lisboa e no Colégio “Jesus Maria José” de irmãs doroteias, convivendo com períodos de forte agitação social anticlerical que o transformaram num dos mais ferozes focos do conflito no 5 de outubro de 1910, altura em que os seus ocupantes são expulsos dos edifícios e do país.

"O Conventos das Inglesinhas serviu para albergar homens e mulheres que fugiram de Inglaterra, católicos da Ordem de Sião que tinham sido expulsos em 1539, no reinado de Henrique VIII”, contam-nos. “Vinham de barco e chegou a ter cerca de 70 pessoas a viver nele. Fugiram porque não conseguia manter a sua religião lá", lembra Tiago Borges Lourenço.

Trata-se de uma história partilhada entre dois países, acrescenta o investigador, mas que muito poucos ingleses hoje conhecem. O edifício evidencia a divisão feita pelos jesuítas anos mais tarde, uma vez que foi ampliado com mais um piso em toda a ala nordeste do corpo do refeitório, tendo ficado também conhecido pela existência de uma alta torre. “Não deixa de ser interessante ver que quando o convento foi extinto e comprado pelos jesuítas e pelas doroteias ainda hoje é possível ver a marca que foi feita para separar as duas casas”, diz Hélia Silva, mostrando uma marca numa abobada que traça essa mesma separação.

Na Madragoa das Bernardas

Descemos a Travessa das Inglesinhas até à rua das Madres, no Bairro da Madragoa. Um olhar até ao fundo da rua desvenda as paredes do edifício onde se encontra o Museu da Marioneta. Foi naquele mesmo lugar e edifício que existiu o Convento das Bernardas, fundado em 1653, também conhecido por Mosteiro de Nossa Senhora da Nazaré de Lisboa. “Pertencia à Ordem de Sister e os terrenos foram comprados com esmola”, conta Hélia Silva, realçando o facto do edifício de complexo quadrangular que interrompe a rua de tradição medieval a meio, na afirmação de um urbanismo que depois iria ver-se com afinco na época pombalina. Entramos no museu até chegarmos ao claustro – um verdadeiro retalho de épocas. Após a extinção das ordens religiosas, o imponente edifício foi vendido em hasta pública e usado para diversos fins.

O antigo Convento das Bernardas, onde hoje é o Museu da Marioneta, foi usado para diferentes propósitos. Aqui fotografado em 1992, quando servia de área habitacional

Antes ainda, na entrada do museu, logo ao cimo da sua escadaria está, por exemplo, a sala que foi em tempos a capela de Nossa Senhora da Nazareth, mas também Cine-Esperança. “Foi aqui que aconteceu a estreia profissional da fadista Hermínia Silva, mas também alguns dos primeiros ensaios das marchas populares”, destaca Tiago Borges Lourenço. Por cima dos pilares que antecedem o palco ainda podem ser vistas as iniciais “C” e “E” do célebre cinema que iria fechar portas em 1950. Certo é que, entre as muitas remodelações, a restante área conventual foi utilizada, maioritariamente, para habitação. A Câmara Municipal de Lisboa adquire o imóvel em 1998, onde é instalado o Museu da Marioneta, mantendo-se simultaneamente essa função. “Acaba por ser um excelente exemplo do que pode ser feito atualmente com muitos edifícios deste género, nomeadamente para fins habitacionais”, diz Hélia Silva.

Até ao Convento das Trinas

Da Rua da Esperança, onde está a entrada do Museu das Marionetas, o percurso segue para o seu fim na Rua das Trinas, onde se encontra instalado, desde 1969, o Instituto Hidrográfico. O imponente edifício, de onde facilmente se vislumbra o rio Tejo e muitas das ruas que compõem o bairro da Lapa, serviu na verdade como antigo Convento das Trinas do Mocambo. Assim se designa por ter sido edificado para a Ordem Hospitalar da Santíssima Trindade do Resgate dos Cativos. Esta congregação religiosa foi criada em 1198, por S. João da Mata e S. Félix de Valois, com o propósito de angariar dinheiro para proceder ao resgate dos fiéis cristãos que, uma vez capturados, entravam nas redes árabes do tráfico de escravos. Esta congregação deverá ter-se estabelecido em Portugal por volta do início do século XIII, sabendo-se que em 1219 já existia um convento trinitário em Santarém. Já este terá sido fundado em 1657.

"Muitas pessoas que trabalham atualmente nestes edifícios não têm noção do património ou da história que os rodeiam e gostávamos que qualquer pessoa, sobretudo qualquer habitante de Lisboa, possa ter a oportunidade de descobrir este lado da cidade", afirma Hélia Silva.

Na sequência do terramoto de 1755, explica Hélia Silva, foi muito em parte “pelos aforamentos de chãos de terras” que a ordem possuía que se formou este bairro lisboeta. A partir de 1878, passou a ser ocupado pelas religiosas da Ordem das Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, que aqui permaneceram até à implantação da República, altura em que a congregação foi extinta e muitas religiosas foram forçadas a abandonar o país. Nele viveu Maria Clara do Menino Jesus, fundadora desta Ordem, beatificada em maio de 2011. Desde a implantação da República em 1910 até à instalação do Instituto Hidrográfico, o edifício teve as mais variadas utilizações, nomeadamente a de hospital provisório, por ocasião do surto de febre tifoide. Foi também arquivo de identificação, arquivo do Ministério das Finanças, tendo ainda nele funcionado o tribunal que julgou os revoltosos das incursões monárquicas chefiadas por Paiva Couceiro em 1912 — além de ter servido de ateliê a diversos escultores.

Entre os muitos usos que alguns destes edifícios tiveram permanece a convicção de que sem eles a cidade não teria evoluído e crescido em certas áreas, destaca a historiadora do Núcleo de Estudos do Património da Câmara Municipal de Lisboa. Há elementos decorativos, cozinhas conventuais e aspetos arquitetónicos que só se revelam neste tipo de edifícios que, na sua maioria, percorrem séculos de história política e social, sustentam os dois investigadores. “É também isso que se pretende dar a descobrir quando se abrem as suas portas ao público. Muitas pessoas que trabalham atualmente nestes edifícios não têm noção do património ou da história que os rodeiam e gostávamos que qualquer pessoa, sobretudo qualquer habitante de Lisboa, possa ter a oportunidade de descobrir este lado da cidade.”

A descoberta dos conventos e mosteiros pode começar num local inusitado e despertar as pessoas “para o património, mas com eles para outros edifícios que os rodeiam e para os quais raramente olhamos"

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Há muitas opções num programa de acesso gratuito e onde haverá também conversas e sessões de cinema. Entre edifícios mais antigos e outros com traça mais contemporânea, são vários os segredos que neles se revelam e Hélia Silva destaca: “O Convento de São Domingos-o-Novo, na freguesia de Santa Justa, é uma experiência fantástica pelos religiosos que ainda ali vivem e que foram extremamente gentis em aceitar este convite; mas também o Convento de São Francisco da Cidade, onde hoje fica a Faculdade de Belas-Artes e que tinha um tamanho impressionante, era uma das colinas da cidade; os conventos do Chiado, do Carmo e da Trindade; o Convento da Graça, onde se pode ver todo o Mar da Palha; ou simplesmente ir ao Convento dos Cardaes, tocar à campainha e comprar um doce”. A descoberta dos conventos e mosteiros que fazem a história de Lisboa pode começar num local inusitado e despertar as pessoas “para o património, mas com eles para outros edifícios que os rodeiam e para os quais raramente olhamos”.

Lista dos conventos abertos durante a iniciativa: Basílica da Estrela; Casa Professa de São Roque; Colégio de Santo-Antão-o-Novo; Convento da Santíssima Trindade; Convento de N. Sra. da Conceição da Porciúncula; Convento de N. Sra. da Conceição dos Cardaes; Convento de N. Sra. da Graça; Convento de N. Sra. da Madre de Deus; Convento de N. Sra. da Soledade; Convento de N. Sra. das Necessidades; Convento de N. Sra. do Carmo; Convento de Nossa Sra. da Graça; Convento de Santa Brígida; Convento de Santa Marta; Convento de Santa Teresa de Jesus; Convento de Santo Alberto; Convento de Santo António dos Capuchos; Convento de Santos-o-Novo; Convento de São Domingos de Lisboa; Convento de São Francisco da Cidade; Convento de São Pedro de Alcântara; Convento do Espírito Santo da Pedreira; Convento N. Sra. de Jesus; Convento N. Sra. do Bom Sucesso; Convento N. Sra. dos Remédios; Convento São Francisco de Paula; Convento São João de Deus; Igreja do Convento de São Domingos (Novo); Mosteiro de N. Sra. da Nazaré de Lisboa; Mosteiro de São Bento da Saúde; Mosteiro de São Vicente de Fora; Mosteiro do Santíssimo Sacramento de Lisboa; Mosteiro dos Jerónimos; Noviciado de N. Sra. da Assunção.

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