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Presidente da Suíça, Viola Amherd, encontra-se com o homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky

POOL/AFP via Getty Images

Presidente da Suíça, Viola Amherd, encontra-se com o homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky

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"Queremos fazer o que a ONU não consegue": Suíça tenta mediar guerra na Ucrânia. Será capaz?

Suíça aproveita Davos para lançar tentativa de mediação da guerra na Ucrânia, acolhendo em breve cimeira de paz. Se país tiver êxito, pode ser "grande sucesso diplomático", mas tudo depende da Rússia.

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Na lista de Estados hostis que a Rússia publicou logo após o início da invasão à Ucrânia, um dos países que a integra adota tradicionalmente posicionamentos neutrais na maneira como gere a sua política externa: a Suíça. O país foi, aliás, alvo de várias críticas pelos dirigentes do Kremlin. Ainda em dezembro de 2023, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova, lamentava que Berna “tivesse esquecido as tradições gloriosas de neutralidade, em favor de interesses obscuros no contexto da crise ucraniana”.

Nas mesmas declarações, Maria Zakharova considerava que a Suíça tinha desperdiçado a “oportunidade para agir” enquanto “mediadora na procura de soluções” para a paz. Indiferente às críticas do Kremlin, a Suíça tem intensificado os esforços para chegar a uma maneira de terminar com o conflito na mesa da negociações. Esta semana, em que ocorre o Fórum Económico Mundial em Davos que junta vários líderes mundiais (um dos quais o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky), foi o timing ideal para a diplomacia helvética demonstrar que está empenhada em ajudar a construir o caminho para a paz na Ucrânia.

“Podemos ter sucesso em algo que as Nações Unidas não tiveram”, afirma o ministro dos Negócios Estrangeiros suíço, Ignazio Cassis, assumindo um objetivo bastante ambicioso de chefiar as negociações de paz. Embora este papel de líder que Berna quer desempenhar, o diplomata não tem expectativas elevadas, pelo menos a curto prazo: “No meio de uma guerra, já é um sucesso encontrar uma linguagem comum para falar sobre paz”.

"No meio de uma guerra, já é um sucesso encontrar uma linguagem comum para falar sobre paz"
Ignazio Cassis, ministro dos Negócios Estrangeiros suíço

Na busca dessa “linguagem comum”, a Suíça juntou delegações de 83 países — de praticamente todos os pontos do globo — para discutir a fórmula de paz apresentada por Volodymyr Zelensky no domingo, em Davos. Nenhum dirigente russo participou nesta reunião, se bem que Ignazio Cassis tenha sublinhado que era importante que a Rússia tivesse estado presente. Ainda assim, a ausência de Moscovo não deve bloquear os esforços para a paz, defende o chefe da diplomacia suíça. “A cada minuto que passa, dezenas de civis na Ucrânia são mortos ou feridos. Não temos o direito de esperar eternamente.”

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Suíça tenta seduzir China e ajuda Zelensky a marcar uma cimeira de paz para o futuro

Assumindo que vai continuar a trabalhar para terminar o conflito mesmo sem a Rússia, a diplomacia suíça tem tentado seduzir outras potências. Berna apontou a mira para um país que também tem mantido a neutralidade no conflito da Ucrânia, mas que apoia Moscovo em outros quadrantes: a China. 

“A China desempenha um papel significativo. Devemos encontrar maneiras de trabalhar com a China”, declara Ignazio Cassis, que sublinhou que fará parte parte dos esforços para “terminar com a guerra”. Ora, a diplomacia helvética não se ficou apenas pelas intenções e aproveitou a visita do primeiro-ministro chinês, Li Qiang, a Davos para alegadamente abordar a questão do conflito na Ucrânia.

Numa jogada diplomática, a Presidente da Suíça, Viola Amherd, encontrou-se pessoalmente no domingo com Li Qiang, logo na chegada do primeiro-ministro chinês ao aeroporto de Zurique. No dia seguinte, os dois líderes políticos tiveram uma reunião. Em jeito de balanço, a Chefe de Estado escreveu na sua conta pessoal do X (antigo Twitter) que o encontro com o primeiro-ministro chinês permitiu que os dois países “renovassem os laços bilaterais”.

E não só. As duas delegações discutiram “acordos comerciais, a cooperação para o desenvolvimento, mediação e direitos humanos”. Não houve nenhuma menção à Ucrânia no post, mas as entrelinhas da publicação no X dão a entender que Viola Amherd abordou o estado do conflito com o primeiro-ministro chinês. 

No mesmo dia em que recebeu o primeiro-ministro chinês, Viola Amherd também se encontrou com o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, com o qual teve uma reunião. Numa publicação do X após o encontro, a chefe de Estado escreveu que os dois países “reconheceram a profundidade e o dinamismo das relações bilaterais”. “A Suíça apoia uma paz justa e duradoura e está comprometida a contribuir para os esforços da construção de paz.”

Publicamente, não há nenhuma novidade sobre quais foram os esforços da operação de charme suíça. Porém, Volodymyr Zelensky desvendou qual seria o objetivo: que a China concorde em participar numa cimeira de que discutirá o plano de paz do Presidente ucraniano: “Gostaríamos muito que a China estivesse envolvida na nossa fórmula, assim como nessa cimeira”.

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Presidente da Suíça encontra-se com homólogo ucraniano e o primeiro-ministro chinês no mesmo dia

POOL/AFP via Getty Images

Aquela cimeira que Volodymyr Zelensky mencionou ainda não tem data marcada. Mas foi o definido o país que a acolherá: o encontro que espera reunir vários países terá lugar na Suíça. Num comunicado divulgado após a reunião entre o líder ucraniano e a chefe de Estado suíça, Berna reafirmou que “apoia a fórmula de paz e todas iniciativas alicerçadas em atingir uma paz duradoura na Ucrânia”. Nesse sentido, as duas delegações “discutiram os próximos passos”. Um desses será, realça o documento, “a organização de uma cimeira da fórmula de paz”, realizada “a pedido do Presidente ucraniano”.

A organização da cimeira demonstra que a tentativa de mediação suíça não será passageira, prologando-se pelo menos nos próximos tempos. Em declarações ao Observador, Laurent Goetschel, diretor do think tank Swisspeace e professor de ciência política na Universidade de Basileia, diz que este esforço em mediar não simboliza uma “mudança na posição da Suíça”, mas nota que o país adotou um estilo de “comunicação mais ativa”, assumindo as suas reais intenções.

Cativar inicialmente a China e depois a Rússia para esta cimeira de paz parecem ser os grandes objetivos da diplomacia helvética. De acordo o analista suíço Urs Leuthard, a conseguir atingir aqueles objetivo, isso será um “grande sucesso diplomático para a Suíça”. “Se tudo acabar bem, pode trazer a Suíça para o topo dos mediadores diplomáticos”, escreveu o especialista numa artigo de opinião para o canal de televisão SRF.

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Suíça aproveitou Fórum Económico Mundial em Davos para tentar mediar guerra na Ucrânia

Bloomberg via Getty Images

Não obstante, o analista admite que os “riscos são elevados”. Organizar uma cimeira deste tipo é uma “tarefa muito difícil”, principalmente se Berna fizer questão que Moscovo participe. “Se o objetivo é trazer a Rússia para a mesa das negociações — que é essencial para uma cimeira de paz — então a missão pode ser praticamente impossível”, constata Urs Leuthard, que avisa que esta “grande oportunidade” diplomática pode “também transformar-se num flop“.

A Rússia que teme “uma armadilha” e a Ucrânia que gostava de ter armamento

“Para já”, Laurent Goetschel frisa ao Observador que a Suíça ainda não pode envergar o título de mediador, tendo apenas “organizado encontros e planeado alguns no futuro”. “Mas se a Rússia não participar, não pode haver nenhum tipo de mediação e logicamente não há mediador”, expõe o professor universitário ao Observador.

Instada a comentar a reunião que juntou 83 países para debaterem a fórmula de paz ucraniana, Maria Zakharova voltou a usar um tom crítico. “É outra encenação que tenta enganar o máximo de países possíveis sob o disfarce de um processo de paz de forma a criar a aparência de uma coligação antirussa”, atirou a porta-voz da diplomacia russa.

Annual news conference by Russia's Foreign Minister Lavrov
"É outra encenação que tenta enganar o máximo de países possíveis sob o disfarce de um processo de paz de forma a criar a aparência de uma coligação antirussa"
Porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, sobre encontro para discutir a fórmula de paz de Zelensky em Davos

Sem nunca mencionar a Suíça, Maria Zahkrova notou que alguns países parecem querer “quebrar o impasse” criado pelos Estados Unidos na Ucrânia. Para isso acontecer, clarifica a responsável russa, o Ocidente tem de parar de enviar armamento à Ucrânia, não pode continuar a aplicar uma política de sanções contra a Federação Russa e deve abandonar declarações a tender para a russofobia.

Caso aquelas ações não pararem, estes encontros para discutir a fórmula de paz do Presidente ucraniano são em vão, enfatiza Zakharova, acrescentando: “Se esta retórica tem como objetivo arrastar a Rússia para algum tipo de processo psicadélico nos termos ocidentais, de forma a influenciar as abordagens russas, então nós não vamos cair nessa armadilha”.

Até ao momento, a Suíça nunca enviou armas para a Ucrânia — o posicionamento neutral do país nunca o permitiu, o que motivou críticas dos dirigentes ucranianos. Aliás, Berna bloqueia inclusivamente a a transferência indireta de armas e munições para a Ucrânia através de países terceiros, ou seja, o armamento e as munições fabricados em território suíço não podem chegar a solo ucraniano. No entanto, as autoridades helvéticas aplicaram as mesmas sanções da União Europeia contra Moscovo — e isso enfureceu os dirigentes russos.

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A Suíça aplicou sanções da UE contra a Rússia

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Sendo um dos países utilizados enquanto paraíso fiscal pelos oligarcas russos, as sanções alteraram esse cenário. Na aplicação do 11.º pacote de sanções da União Europeia contra a Rússia — seguido pela Suíça —, Maria Zakharova comentou que isso “confirmava o óbvio”: “Este país desviou-se dos princípios de neutralidade”. “Não importa como as autoridades suíças tentem persuadir-se a si e a outros disso, os seus passos demonstraram com toda a clareza que Berna está completamente comprometida a aplicar sanções contra a Rússia, incentivadas pelo Ocidente”.

A questão da aplicação das sanções faz a Rússia afastar-se das autoridades suíças, deixando de as considerar neutrais, logo incapazes de assumir negociações. Laurent Goetschel explica, sem embargo, que a Suíça “nunca foi neutral” — e o que essa palavra não significa que o país seja indiferente ao que acontece na comunidade internacional. O professor universitário ilustra que Berna “apoia a integridade territorial” e é a “favor de condenação no caso de crimes de guerra” — o que quebra os princípios de neutralidade.

Como explicou em maio ao Observador Sacha Zala, historiador e um dos mais importantes estudiosos suíços sobre neutralidade, “ninguém sabe o que neutralidade realmente quer dizer”. “O ponto mais forte é que, na lei internacional, ser neutro significa apenas que não se participa na guerra. E não se participa. É nesse sentido que até Portugal, como a Suíça, é neutral. Esta é a definição correta de neutralidade na lei e a lei regula muito pouco. Tudo o resto que se pensa que faz parte de ser neutro, não faz”, aclarou o especialista.

“Ser neutral é não participar na guerra” e disso a Suíça (“tal como Portugal”) não abdicou, apesar de ter alinhado nas sanções à Rússia

No mesmo sentido, Laurent Goetschel apresenta um argumento para explicar a neutralidade suíça no que concerne à guerra na Ucrânia: “A Rússia critica a posição da Suíça no que diz respeito às sanções e a Ucrânia também criticou no passado a Suíça por não apoiar suficientemente a Ucrânia. Desde que a Suíça continue a ser criticada pelos dois lados, isso significa que o país permanece com um posicionamento bastante neutral”.

Dirigidas ao facto de a Suíça não permitir que outros países enviem armas para a Ucrânia, as críticas de Kiev diminuíram nos últimos tempos. Após o encontro com a Presidente suíça, Volodymyr Zelensky agradeceu que Berna tenha providenciado a Kiev “não só ajuda humanitária, como também assistência financeira, apoio político e sanções”. E definiu a Suíça como uma “parceira” nos esforços para terminar com o conflito.

Procurando mobilizar a comunidade internacional, Volodymyr Zelensky valoriza “a experiência relevante” diplomática helvética. Na opinião do Presidente, isso pode ajudar que triunfe a “paz baseada na visão ucraniana”, deixando de lado concessões territoriais à Rússia. Mas, para que isso aconteça, a diplomacia suíça tem de convencer a Rússia a sentar-se à mesa das negociações — e só após essa missão “praticamente impossível” é que a Suíça se poderá tornar oficialmente numa mediadora.

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