É a despedida de Rui Rio dos palcos internacionais e, como é típico das despedidas, o ainda líder presidente do PSD rodeou-se de alguns dos seus maiores amigos na política: David Justino, José Silvano ou Paulo Mota Pinto. O líder eleito, Luís Montenegro, não aceitou o convite para acompanhar Rio a Roterdão ao Congresso da família europeia do PSD, mas já há quem lhe exija o reforço de uma comitiva futura. Como? Vencendo as próximas eleições europeias.

Rio entrou mudo e saiu calado, com exceção dos cinco minutos em que, a partir do púlpito, alertou para o risco dos populismos e atacou a Rússia. Ao contrário do que fez em Helsínquia e Zagreb, o presidente do PSD não fez qualquer declaração à imprensa à chegada ao Congresso, num voto de silêncio que tem uma razão: para nada ser lido como um ataque ou sequer referência ao sucessor, Luís Montenegro.

Não havia Congresso do PPE desde 2019, na capital croata, ocasião que Rio aproveitou o contexto europeu para confessar ao Observador que a Europa nunca foi a sua praia nem a sua ambição. “Não me vejo a ocupar um cargo europeu“, disse. E logo o justificou, então com 62 anos, com a “franja etária” em que estava, que já não lhe permitia ter esse percurso.

No sábado, dia em que votou nas diretas do PSD, Rui Rio disse de uma forma clara: “O meu futuro político acabou aqui. Ponto final, parágrafo”. Alguns dos seus apoiantes mais próximos leem aqui uma retirada quase total do cenário político. Isto porque, como regista um dos seus apoiantes de todas as horas, “ele disse política, mas pode ser política partidária, o resto depende de muita coisa”.

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Há uma brecha muito estreita que Rio pode aproveitar: as presidenciais de 2026 — de resto, Carlos Eduardo Reis ou André Coelho Lima, dois dos seus mais próximos apoiantes, assumiram essa candidatura como possibilidade teórica em duas entrevistas recentes ao Observador, antes e depois das diretas.

E aí a “franja etária” não seria propriamente impeditiva. Marcelo candidatou-se a um primeiro mandato com 68 anos, precisamente a idade que Rio terá em 2026. Nos rioístas pré-2018 houve sempre uma ala que considerou que o antigo autarca do Porto teria mais perfil de chefe de Estado do que de chefe de Governo, o que no verão de 2015 levou mesmo a movimentações para uma candidatura presidencial de Rui Rio.

O espaço curto que Rio poderia aqui aproveitar seria o PSD ter uma elevada taxa de rejeição de Luís Marques Mendes, pelos inimigos que criou como comentador, e de Paulo Portas, pela circunstância de ser de outro partido.

Com esses dois nomes de fora, o PSD necessitaria de um candidato a Belém e os quatro anos que faltam podiam ser suficientes para reabilitar Rio das derrotas que teve. Desta vez não existiria o fator que o fez não avançar para as presidenciais de 2016: um apoio manifesto das estruturas do partido a Marcelo e o silêncio de Passos Coelho.

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Rangel mete pressão em Montenegro

Mas ainda há tempo para as presidenciais. No horizonte mais imediato, o partido terá de lidar com as europeias (2024). Paulo Rangel, que é atualmente a figura mais influente do PSD no PPE, não deixa de exigir ao PSD de Luís Montenegro que vença essas eleições.

“O PSD é sempre um candidato a ganhar as Europeias. É evidente que essa vai ser a sua meta. Não tenho dúvidas nenhumas que a nova liderança de Luís Montenegro tem essa perspetiva e essa ambição”, diz o eurodeputado ao Observador em Roterdão.

Sobre se está disposto a ajudá-lo nessa missão (leia-se em ser novamente candidato às Europeias), Paulo Rangel explica que este “é o momento menos adequado para falar disso” e que “o novo líder vai ter de fazer o seu próprio caminho.”

O eurodeputado acredita que Montenegro “vai falar com toda a gente com tempo”, deixando elogios ao novo presidente do PSD: “Se há coisa que não lhe falta, é capacidade de diálogo e de abertura.”

Perde-se um vice-presidente, ganha-se um tesoureiro

Paulo Rangel passou parte da tarde do Congresso em “conversações com o Montenegro”. Mas não o presidente, a “delegação do partido democrata, que é o terceiro maior” naquele país dos balcãs. Além disso, tem de fazer campanha, já que concorre a um cargo na presidência do PPE: tesoureiro.

O próprio PSD segue numa luta por manter a sua força dentro do PPE. Em tempos o PSD teve o presidente da comissão (Durão Barroso), entre 2011 e 2015 teve um chefe de Governo (Passos Coelho) e entre 2014 e 2019 um comissário (Carlos Moedas). Atualmente, a maior influência que tem é via Parlamento Europeu. Paulo Rangel mantém-se como vice-presidente da bancada parlamentar, mas desta vez já não é candidato a vice-presidente do partido.

Manfred Weber (que é da CSU, partido irmão da CDU na Baviera) escolheu o seu próximo secretário-geral (que será o grego ​​Thanasis Bakolas). A saída de Antonio López-Istúriz deste cargo, que era espanhol, faz com que o Partido Popular tenha de ter um vice-presidente: González Pons é o candidato. Com um “vice” para Espanha e a intenção de dar peso ao Leste, a eleição de Paulo Rangel ficaria mais difícil do que o habitual.

Ainda assim, o eurodeputado desvaloriza: “Não se trata de perder, trata-se de uma opção.” E explica: “Como vai haver uma mudança de secretário-geral [Isturiz estava desde 2002], era preciso alguém que perceba das questões financeiras. E eu, como vice do grupo PPE, já tinha a responsabilidade financeira”.

Terá sido o próprio Donald Tusk, presidente cessante, e Manfred Weber, agora presidente, eleito por 89% dos votos, a pedirem a Rangel que ocupasse estas funções. Mas o português tem um adversário: o checo Tomáš Zdechovský. Caso seja eleito Rangel não perde o acesso às cimeiras do PPE, participando nas mesmas reuniões em que participava quando era vice-presidente.

Mota Pinto em todos os palcos (até Roterdão)

Paulo Mota Pinto também acompanha pela primeira vez o líder Rui Rio ao Congresso do PPE. Afinal, é ele o líder parlamentar na Assembleia da República. A omnipresença de Paulo Mota Pinto na linha da frente da direção de Rio e nos principais palcos não tem passado despercebida. Para uma parte da ala rioísta, que agora fica órfã, Paulo Mota Pinto pode ser o senhor que se segue para herdar a máquina e os apoiantes de Rui Rio.

Rui Rio sempre disse que, quando saísse, gostava de preparar o seu sucessor. O calendário e as circunstâncias não o permitiram, mas isso não significa que a sua entourage desista de ter uma palavra a dizer no sucessor do sucessor. E é aí que entra Paulo Mota Pinto, que conseguiu ser eleito, com o patrocínio de Rui Rio, com mais de 90% dos votos.

Para o atual líder parlamentar prevê-se o primeiro embate com Luís Montenegro. Durante a campanha houve uma espécie de guerra fria, com a equipa do agora líder eleito a quase apontar a porta de saída e com Montenegro a ser suficientemente ambíguo para acautelar todos os cenários.

“A direção do partido e a frente parlamentar têm que estar em articulação”, disse Luís Montenegro na entrevista ao Observador. Os seus apoiantes foram repetindo que era prematura a questão, até porque o próprio Mota Pinto não tinha dito se queria continuar.

Já esta semana, depois da eleição de Luís Montenegro, André Coelho Lima, que deixará a vice-presidência do partido mas, até algo em contrário, permanece como vice da bancada, disse no programa Semáforo Político, da Rádio Observador, que vê “todas as condições” para Paulo Mota Pinto “trabalhar com Luís Montenegro”. É mais pressão para que Montenegro não force a saída do atual líder parlamentar.

Quando o Observador tentou questionar Paulo Mota Pinto, em Roterdão, sobre se irá levar o mandato até ao fim, o líder parlamentar optou por não comentar, com uma justificação com peso de Estado: fora do país não comenta assuntos internos.

Estrategicamente convém adiar ao máximo o momento em que entra em confronto, esperando que seja o outro lado a fazê-lo. Mas é uma win-win situation para Mota Pinto: ou mantém o protagonismo como líder parlamentar ou é um mártir que dá pretexto a uma oposição interna que possa surgir dentro da própria bancada.

Um Congresso a perder gás

O Congresso do PPE perdeu alguns dos pontos de interesse dos últimos anos. O partido de Viktor Orbán já não é membro desta família europeia, acabando — tal como tinha acontecido em 2019 — com a permanente tensão entre os defensores do Estado de Direito e os húngaros do Fidesz.

Depois perdeu a sua principal figura: é o primeiro Congresso em mais de 20 anos sem a presença de Angela Merkel. Neste momento, o PPE não tem a liderança de nenhum país grande (Espanha, França ou Itália) e tem perdido terreno no Conselho Europeu. Continua a ser o maior partido do Parlamento Europeu, mas as perspetivas não são as melhores.

Os pontos altos do primeiro dia de Congresso foram os chamados momentos de solidariedade para com a Ucrânia, com os discursos dos antigos presidentes da Ucrânia Petro Poroshenko e Yulia Tymoshenko.